Huaquillas – Ambato (Parcial = 535 Km / Total = 7.706 Km)
Durante os últimos três dias, mantivemos comunicação com o PHD Lutz – que já morou no Rio de Janeiro – e o PHD Vinny Biker, ambos de Quito, a fim de agendarmos a manutenção das Harleys. Na noite de ontem, o contato foi como o PHD Jorge Boada, de Ambato, nos convidando que seguíssemos para lá.
Partimos 06:40 h, antes do café. Na rodovia pan-americana já era perceptível a transição do marrom claro do deserto para o verde da relva e das folhagens. As motos seguiam serenas, mas por estradas não mais tão boas. O tempo estava muito nublado, a pista estava seca, mas havia nas margens da rodovia sinais de chuva recente. Sem acostamento, muitos quebra-molas e as bananeiras margeando a estrada, já se apresentavam como donas daquelas terras. A insuficiência de placas de direção indicando a distâncias e as cidades nas rodovias dificultavam um pouco a navegação, me obrigando a parar constantemente para perguntar.
Como de costume, eu seguia na frente e vez por outra me distanciava dos companheiros, que pela dificuldade do trânsito – pista sem acostamento, muitos caminhões, grandes quebra-molas etc – passaram a andar mais perto um do outro e devagar para mais segurança.
Passei Triunfo e sozinho, numa bifurcação da estrada, que apontava Buncay à esquerda, já sem saco de procurar alguém para perguntar, resolvi usar o instinto e seguir em frente, pois interpretei o outro rumo como um desvio da carretera principal. Não me preocupei com os companheiros porque o Edinho estava com um GPS e sabíamos que o nosso destino seria Ambato.
Aos poucos, a estrada adentrava uma mata de densa vegetação. Sumiram os carros, raros ônibus coloridos e pequenos caminhões velhos passavam por mim. Avancei por uma ponte que cobre um rio pedregoso e de águas claras. Os veículos ficaram raros, a estrada mais estreita e campesinos, em casas humildes dispersas pela mata, me fitavam com olhar curioso: tudo indicava que o caminho mesmo interessante não me serviria.
A Harley funcionava perfeita e havia bastante combustível; tudo estava justo e perfeito e não tinha porque me preocupar. O ar frio da mata invadia os meus pulmões e eu respirava a liberdade de seguir por caminhos fora da previsão, sem ninguém me criticar.
Em determinados lugares, apenas o ronco grave da minha Harley enchia o ar e aquela batida forte para os meus ouvidos era como música e a garantia de que eu poderia continuar em frente ou voltar.
Segui até certo ponto, onde o meio tanque de combustível me sugeriu voltar àquela bifurcação, que me levaria ao rumo correto. Outra vez, outra bifurcação, mas agora a gasolina não me permitia qualquer aventura e seu volume reduzido exigia precisão.
Orientado por um senhor, dobrei a esquerda, no rumo de Rio Bamba. Logo a frete mais montanhas.
Uma estrada excelente subia uma bela serra coberta de verde e de nuvens, era a bela Chimborazo. Comecei a ascender, inclinando em curvas abertas e fechadas, costeando a lateral das montanhas cobertas por um manto verde de vida e o frio começou a aumentar.
Em um posto perdido nas alturas, abasteci e o frentista me informou que os meus companheiros estavam 20 minutos a minha frente.
Preguiçoso, não me equipei para enfrentar o frio mais intenso. Muitas curvas e barracas de frutas – de toda espécie com uma infinidade de tipos de bananas – se multiplicavam a minha frente e resolvi parar.
O chefe do clã familiar, Señor José, veio me receber para ver a Harley e começamos a conversar. Vivia da terra, a esposa cuidava da venda das frutas e os filhos frequentavam uma escola rural para aprender os conhecimentos fundamentais como somar e diminuir, e seguiriam o caminho do pai. Gostavam de ir apenas visitar a cidade para comprar o essencial.
Depois de satisfazer a curiosidade do casal, paguei a água de côco com um dólar e eles me deram de presente algumas frutas típicas da terra para eu levar e comer no caminho.
E segui para o topo da serra, que estava sendo envolvido pelas nuvens. Enquanto mínimos pingos d’água cobriam a viseira do meu capacete e a minha Harley cortava aquela magnifica estrada, divagava sobre a maravilhosa sensação de pilotar uma boa máquina, principalmente através de uma serra como aquela ou como a de Altas Cumbres, em Córdoba. Suponho que seja semelhante a sensação de voar, não dentro de um avião, mas com asas próprias. Ascendentes, descendentes, curvas planas e volumétricas, onde os movimentos da Harley são semelhantes a manobras aéreas das águias e dos falcões. Para mim, viajar de moto é como voar com as minhas próprias asas. E nesse mundo de extremas limitações, grandes egoísmos e estúpidas vaidades, poder voar para onde o nariz apontar é o maior exercício de liberdade que se possa imaginar. Quando estou viajando de moto é quando me sinto mais livre; é quando todos os grilhões que nós mesmos criamos para nos oprimir, não podem me alcançar. Viajando de moto, já não desempenho papéis velhos e pré-definidos no palco da sociedade, por uns momentos mágicos, sou um estrangeiro, um passante, um mero observador. A única coisa essencial que deixo para trás e me faz extrema falta é a minha mulher, meus filhos, minha amada família, além dos meus queridos amigos; que são o que nesta vida realmente tem valor.
Voltando à estrada, cheguei à periferia da cidade e logo avistei as H-D dos companheiros estacionadas, junto a uma outra Electra. Era a do PHD Jorge Boada, acompanhado do seu irmão PHD Santiago Boada, que vieram nos recepcionar.
Lideraram-nos por boas estradas até o centro da bela cidade de Ambato. Deixaram suas empresas, as famílias, dispuseram de seus tempos preciosos para virem nos abraçar. Tanto carinho e cordialidade não tem preço e nem como pagar. E no mundo, isso é cada vez mais comum na irmandade dos Proprietários de Harley-Davidson, que temos o privilégio de pertencer. Receberam-nos como a irmãos, nos hospedaram e nos levaram para confraternizar em volta de uma mesa com bebidas e alimentos (jantar), como os povos o fazem desde a antiguidade, quando recebem amigos. Não há nada mais importante, quanto estamos em terras distantes, longe da família e dos amigos mais próximos, do que um forte abraço de boas-vindas. Obrigado Irmãos Boada, o difícil é retribuir o carinho e gentileza de amigos como vocês.
Amanhã, o PHD Vinny “Biker” Cifuentes, de Quito, já se programou para nos encontrar na estrada, a fim de nos acompanhar até a sua cidade. Creio que a parte mais estressante da viagem é entrar e sair de grandes cidades. Por isso a importância de receber os irmãos visitantes, na estrada.
PHD Artur Albuquerque
Fonte: http://phdalaska.hwbrasil.com/site/ e http://www.phd-br.com.br/
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