Foi de uma semana para a outra que inventei e concretizei. O Fim de férias estava propício para escapar do trabalho e rastrear no asfalto lugares para conhecer. Descobri na internet a Serra do Cipó, 100 km depois de Belo Horizonte, um lugar cheio de cachoeiras e visual de serra. Conhece Campos do Jordão? Aquele lugar cheio de gente… eu fui até a serra do Cipó, ao sul da Cordilheira do Espinhaço, entre o Cerrado e a Mata Atlântica. Pelos meus cálculos, 700 km de Sampa.
Vi também Pedro Leopoldo, que fica próximo, e pensei em conhecer a cidade natal do famoso médium Chico Xavier.
O plano era ir direto pela Fernão Dias e dormir em Pedro Leopoldo. Na terça-feira, véspera da viagem, só tinha reservado a Pousada Pepalantus na Serra do Cipó, e não tinha certeza se ia direto para Pedro Leopoldo. Pensei em dormir no caminho. Na quarta, acordei às 5 horas e com a moto pronta e revisada (bateria nova), saí antes do sol raiar.
Para chegar na Fernão Dias foi fácil, mas aquela região da marginal, Dutra e a própria Fernão Dias é muito carregada de caminhões o que requer uma atenção redobrada, pois todos estão correndo e no ritmo “sai da frente que eu tô passando”. Quando parei para abastecer na estrada estava tranquilo, o pior ja tinha passado, a saída de São Paulo.
Depois, a viagem transcorreu tranquila. A Fernão Dias esta uma moça lá para cima. Existem pedágios de 70 centavos cada para o motociclista. Desenvolvi a técnica do saquinho plástico com moedas. Tiro da bolsa da perna o saquinho cheio de moedas de 50 e 25 centavos e pesco com a luva mesmo. O troco de 5 centavos jogo de volta no saco e volta para a bolsa de perna. Não tive problemas.
Seguindo pela estrada, já em Minas Gerais, notei a mudança cultural e a extrema curiosidade do mineiro com a moto. Ouvi perguntas como: “- Essa Haleydavisss é original?” e sempre “- De que moto clube você é?”. Também tem a especialidade dos frentistas mais jovens: “- Me dá um adesivo?” Sempre achando que vou dar um adesivo de moto clube. Coisa que nem conheço, pois não sou de nenhum moto clube. Francamente, isso cansa um pouco. Lá no Cipó fizeram uma fila para tirar foto com minha moto. Que coisa! E eu buscando a simplicidade da viagem tipo mochileiro e da Sportster como uma moto estradeira.
Dali viajei direto. Cheguei em Belo Horizonte e não gostei do trânsito. Tive de ir no corredor em alguns trechos na região de Betim. Fora as placas. É preciso fazer uma adaptação ao Código de Trânsito para passar por BH. As placas ficam após a entrada. Sim, após a entrada. Se for analisar como uma partida de futebol, em uma linha de impedimento. As placas estão em impedimento e você percebe que perdeu a entrada quando continuou reto. Outro fator que me deixou intrigado é a palavra RETORNO. Quando você deve seguir a estrada, continuar o caminho sem virar, eles mencionam seguir no RETORNO. Bom, na volta eu acostumei até errar a entrada duas vezes. Enfim, estranhei Belo Horizonte, mas segui direto para Pedro Leopoldo.
Naquela cidade minúscula, vizinha de BH, notei a simplicidade junto a grande dificuldade de estacionar. Escolhi logo um dos dois hotéis da cidade que tinha estacionamento. A moto precisava mais do que eu. Muitas coisas agregadas a ela como bolsas, suportes de câmera, de GPS e porta óculos. Se eu fosse tirar tudo para guardar seria algo muito desagradável. Fiquei no hotel Tupiguá. Os dois hoteis são um em frente ao outro. O pessoal do hotel Tupiguá foi muito bacana e associaram gentileza a serventia de guia turísticos. principalmente o pessoal da recepção. Se não fosse por eles eu demoraria muito para achar os pontos turísticos da cidade.
Fui para a casa de Chico Xavier. Era a casa em que viveu e ficou de herança para a sua sobrinha e, por fim, foi comprada por um empresário que patrocina a manutenção do lugar para visitação e exposição digital de todas as obras do Chico. Estão saindo mais livros, pois dos 500 que se fala, já está chegando nos 600. Muita coisa estava pronta e guardada. Existe um tablet gigante na casa com tela touch onde você navega por todas as obras nos manuscritos de caligrafia original. Belo trabalho! A casa é linda e florida, com uma energia ótima. Muito agradável. Vale a pena.
Visitei também o centro espírita que ele fundou e fui atrás do que eu mais queria conhecer, o local do primeiro encontro do Chico com Emmanuel, o seu companheiro espiritual de trabalhos mediúnicos. Eu achei pela pista do casarão. Fica fora da cidade. Estranho eu achar sem GPS, mas estranho mesmo é o posto em frente nem saber do que se tratava quando perguntei. Isto porque no local a prefeitura está construindo um memorial ao Chico. As obras estão lá. será bonito, mas não tive uma boa impressão da cidade por banalizar ou pouco valorizar o turismo. Não fosse o hotel… uma região bem no começo da cidade onde o rio entra na área urbana. Infelizmente já existe população ribeirinha com esgoto a céu aberto. Uma pena para o turismo da cidade e para o brio de seus governantes. De fato, lembrarei sempre de Pedro Leopoldo pela sua poluição do ar. Afinal, após a viagem de ida, piorei a gripe e respirava sibilosamente. Soube lá que meu filho menor estava com pneumonia em São Paulo. Eu estava também, muito provavelmente. Naquela noite, não consegui ir ao convite da casa de Chico para um evento musical e fiquei no hotel respirando mal, mas com minhas habilidades veterinárias pude comprar antibiótico para mim.
No dia seguinte segui o cronograma. O pessoal do hotel queria até que eu ficasse mais um dia para recuperar, mas queria respirar melhor em outro local, longe da poluição. Saí de SP não foi para respirar fumaça por ai. Segui para o Cipó. Não posso esquecer de mencionar o restaurante que me indicaram, o do Edelso, onde comi uma comida muito boa! Pedi uma refeição, e que capricho de tempero. Sabor era tudo. Dica do hotel, oras!
Já no Cipó. Esse lugar que falo fica em Cardeal Mota. Não é uma cidade, não tem posto de gasolina, mas tem cemitério e escola estadual, rsrs, além de muitas pousadas. Lá eu respirei melhor e animei. Fiquei preocupado se precisaria voltar por estar ruim mas como ia voltar? De pouquinho em pouquinho? Na pousada Pepalantus, que é o nome de uma plantinha branca que existe na serra, passei dois dias muito agradáveis. As estradas são ótimas para moto. O ar era gostoso, quente de dia e só esfriava um pouco à noite. O quarto da pousada era mágico, de noite ficava quente, nem cobertor precisei, friorento como sou. Acho que vale a pena passar uma semana lá, sem nada fazer.
O pessoal deste lugar é sempre muito amistoso e de repente você tem amigos na cidade. Descobri que a bicicletaria vende gasolina, que a farmácia vende até guarda chuva, que o mercado tem laticínios e os restaurantes… são ótimos. Na primeira tarde que cheguei comi numa padaria bem clean dois salgados que estavam uma delícia. De noite, com a indicação do Flavio, dono da pousada (www.pepalantus.com.br), comi o PF desta mesma padaria. Conhece o bom e barato? Foi lá. Mais uma vez o que chamou a atenção foi o sabor. Será que eu tinha tanta fome assim? Haviam cães no lugar, que era aberto, e pessoas simples da região, com um clima bem familiar. Até alimentei com carne um vira-latas simpático do meu lado na mesa. Mas ele foi muito educado ao meu lado durante minha refeição.
O Detalhe que este local que fiquei tudo fica na mesma rua. Existe uma casa para informações turísticas onde também fui bem recebido. Você pode contratar guias se quiser. Me programei para no dia seguinte dedicar à grade aventura: visitar a cachoeira do tabuleiro. O vilarejo do tabuleiro fica na cidade de Conceição do Mato Dentro. Tanto o nome quanto o local parecem obra de Jorge Amado.
Saí meio tarde e segui pela estrada que achei a mais proveitosa da minha viagem. Passando por entre montanhas rochosas, trilhas da estrada real feitas de pedra (para caminhadas) segui por um asfaldo que iniciava com gomos e permanecia firme e seguro subindo a Serra do Cipó. Acompanhava em meu relógio a altitude e quando cheguei suavemente aos 1230 metros, cheguei na Estátua do Juquinha. Essa estátua foi feita em homenagem a um andarilho que vivia na região e, após sua morte, foi feita a estátua envolvendo um mister da sua presença na serra.
Continuanto na estrada, segui mais 60 km até Conceição. Nesta parte foi emocionante pela beleza da região, sem igual. Desculpem a falta de fotografias, mas parar a moto perdia o encanto. Ouvindo U2 lembrei que era dia do motociclista e fiz a foto abaixo para comemorar. Me dei conta que estava no dia D e no local X, com música de fundo. Era como estar em um filme daqueles em que você deseja ser o mocinho.
Chegando em Conceição abasteci ! Ufa. Se pensar que minha moto só anda 200 km com um tanque …
Mas foi ai que começou a parte de aventura. Saindo de Conceição segui em uma estrada de terra para o vilarejo do tabuleiro. Local onde se situa a cachoeira do Tabuleiro, terceira maior do País e mais bonita segundo o guia 4 rodas. Existem placas, mas sempre depois de você adentrar a estrada, portanto, é preciso perguntar para achar. Após a estrada de terra cheguei no vilarejo com varios caminhos de trilhas para moto e caminhantes. Perguntei muito sobre a entrada do parque da cachoeira para turístas e moradores. Surpresa minha foi que após o vilarejo só moto de trilha. Ninguém avisou. Cheguei no ponto em que quase cai atolando no areião e com certa sorte e com habilidade emergencial, continuei em uma subida muito boa para ir de moto Tornado. O fato é que cheguei nem sei como. Na entrada do parque tem estrutura. Água, banheiro e um papel para assinar isentando de responsabilidades o parque sobre sua futura loucura de descer a montanha até a cachoeira. Bom, demora para descer e pulando de pedra em pedra para subir o rio cerca de 1h45min e depois mais de 2 horas para voltar. Afinal, é subida. Trilha só no começo. Depois é escalada mesmo. Sapato apropriado é necessário e, se possível, luvas. Me dei bem com a moto. O pessoal do Parque Estadual da Serra do Intendente que estava de Tornado queria conhecer quem foi de Harley até lá em cima. Mas como escalador eu me estrepei. Para voltar, na subida, acabou a minha água e o meu fôlego. Foi muito difícil e só continuei porque ninguém poderia me tirar de lá de baixo. Só eu mesmo. Recebi ajuda de dois mineiros de Conceição que visitavam o local com as esposas. Eles me deram água na minha subida e terminaram a escalada comigo pois ficaram preocupados. Veja, se você escorregar e cair, vai descer rolando e, até que alguém saiba, já anoiteceu. Também recebi ajuda para a volta de moto. Eu fui na frente e, se caisse, o pessoal viria em seguida para me ajudar a levantar a moto na ladeira e no areião. Melhor não cair! A cachoeira é algo deslumbante. Subindo o rio de pedra em pedra pode ser vista pouco a pouco se aproximando em um imenso vale que termina em meia lua. A água cai e se desfaz no ar, umedecendo as pedras que estão bem abaixo, precipitando a água que escorre em um oasis de água fria com um lago de 18 metros de profundidade. O vento esta presente neste local, acredito que pelo paredão da montanha, que é muito alta. São 273 metros de queda d’agua.
Então, depois de ficar com as pernas em estado lastimável, eu voltei. Preocupado em passar por Tabuleiro de dia, consegui e cheguei em Conceição quase anoitecendo. Ainda precisava passar pela serra na minha estrada favorita mas seria de noite. Foi outra experiência perigosa, mas proveitosa. O frio se manifestou logo que cheguei lá em cima. Estava sem segunda pele por baixo do casaco e senti falta. A iluminação da minha moto é deficitária. Muitos carros passaram por mim e quando não tinha olho de gato na estrada ficava perigoso. O resultado foi a velocidade baixa. Um conforto que eu tinha era estar sem bota e poder encostar o calcanhar no escapamento quente. Esquentava o sangue sem me queimar e considerava aquilo um conforto para minha perna direita. Naquele breu total que se instalava quando sumia algum carro que aparecia, o ronco da Harley era o grande companheiro. Diferente de muitas estradas do interior paulista, não havia buracos na pista e cheguei são e salvo a pousada Pepalantus. Exausto e com dores musculares, dormi muito bem.
No outro dia só relaxei até a hora do almoço quando iniciei a volta.
Parei em BH pois passei pela Lagoa da Pampulha. Fui até o museu de arte, conheci a Igreja e achei tudo muito bonito, mas o cheiro de esgoto é muito forte. Segui rumo, pois pensava em dormir em São João Del Rey. E aconteceu de novo. Passando pela capital das placas erradas segui, já na estrada, uma placa que dizia para entrar à direita. Mas era aquele conto do retorno que ja mencionei. A estrada já virava naturalmente para a direita e assim foi que a placa dizia para virar à direita. Acontece que ali havia uma saida da estrada. Entrei e me estrepei, pois subi o viaduto. Estranhei a direção, mas com a pressa que estava para não chegar de noite, olhei no gps e ele se adaptou, disse para seguir. estava me afastando da BR-040 e, quando percebi, estava chegando o fim do dia e mudei o destino para Ouro Preto, pois não queria viajar de noite. Isto só iria atrapalhar a volta pois estaria muito longe de São Paulo para fazer em um dia quando já estava cansado da cachoeira do Tabuleiro.
Em Ouro Preto o cacife tem que ser maior. Os hotéis são caros e no posto de informação turística começou em 500 Reias a diária. É de cair o queixo. Mas com paciência acharam para mim uma pousada por 110 que pudesse abrigar minha moto. Não dava para deixa-la na rua. Acabou que estacionei na garagem da vizinha da pousada. A diferença de pousadas foi gritante. Não gostei da pousada mas me serviu para dormir, mesmo com o estrado da cama quebrado. Dizia que tinha internet, mas não tinha. Fez falta, pois todas as noites eu usava o Skype para ver a família.
De noite fui conhecer a cidade, que parecia em uma final de copa do mundo. Gente na rua, seresteiros, violão para todo lado e muitos restaurantes e lojinhas. Tirei fotos noturnas, comi muito bem em um restaurante do tipo “coma o que puder” por 15 Reais. Comprei uma goiabada cascão. Notei que as igrejas fecham e o povo sai para as ruas.
No outro dia de manhã parti logo após o café. Mais uma vez errei o caminho e fui parar em Mariana. Voltei e percebi que para viajar em Minas é preciso ligar o Google Maps a cada suspeita, pois desta vez a placa estava toda pixada e eu não vi. Andei 40 km a mais.
Por fim achei a entrada para a Estrada Real, que vai de Ouro Preto até Ouro Branco. E foi linda em paisagens. Asfalto bom. Daí por diante não fiz fotos, estava com muita pressa para chegar a São Paulo. Rodei os 650 km num tiro só. Fui até Lavras, passando por São João Del Rey e saí da estrada Real para a Fernão Dias. Cheguei bem cansado em Extrema, mas persisti, corria contra o tempo, evitando o crepúsculo, como o motoqueiro cinderelo. Em Atibaia havia um acidente e começou o trânsito. Vi minhas chances de chegar de dia indo pelo ralo. Iniciei dali até Mairiporã a viagem pelo corredor de carros. Greve de caminhões? Não, volta as aulas talvez. Assim terminei a jornada a 40 km/h, irritando outros motoristas. Em todo o trajeto o único momento de eminente acidente foi na chegada a São Paulo, quando na entrada da Fernão Dias para a Dutra os motoristas frearam bruscamente, levatando muita fumaça, e eu quase não consegui parar, mesmo com muita distância. Usei o acostamento e o famoso “pensa rápido”.
Foi assim que completei os 1.900 km rodados de Quarta-Feira até Domingo. Foi um passeio que despertou a iniciativa e o desenvolvimento do espírito de aventura e algo que existe entre os motociclistas em diversos graus de paixão pelo desconhecido, pela liberdade e pela interação que pode existir entre um ser humano e uma máquina. O sentimento explica qualquer hipótese, mas somente motociclistas que viajaram podem entender.
Marcelo Migliano é autor do blog Sportster na Estrada, onde publica os relatos das viagens que faz com sua moto, uma Harley-Davidson Sportster.
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