Uma viagem de moto de mais de 2 mil km protagonizada por uma jovem sonhadora
Acredito que toda viagem tem início no momento que você decide realizá-la, quando as imagens mentais trazem sentimentos palpáveis, onde você se pega sorrindo e o coração palpitando para que aquela vontade se torne real.
No ato de transportar-se de um lugar para outro, ainda que através da imaginação, você já está viajando. E essa viagem de Belo Horizonte a Curitiba não só me levou para longe, mas me conduziu mais para dentro de mim mesma.
Quando decidi que iria viajar essa distância sozinha com minha PCX, sabia dos riscos e obstáculos que viriam pela frente, mas também tinha conhecimento que minha determinação não deixaria nada se opusesse aquela decisão.
Liguei animada para meu amigo para contar o que me motivou a ir àquela cidade e, antes de dizer como iria, a pessoa do outro lado da linha se antecipou, “- Você não vai de moto né?”, foi o primeiro balde de água fria. Percebi então que não deveria contar pra muitas pessoas, apenas para quem me daria forças e precisava saber. Não contei para minha família para não a preocupar. Decidi que contaria somente quando estivesse sã e salva, como ocorreu.
Eu sabia muito bem dos riscos, das possibilidades de dar errado e que poderia não voltar, mas se o caso fosse, a viagem terminasse de forma trágica, na pior das hipóteses, morreria realizando um sonho. Eu precisava daquilo, para me sentir viva, para me sentir eu, para sentir que estava fazendo algo pela minha vida. Não era ser inconsequente, mas uma escolha estando consciente.
Chegou finalmente o dia da viagem, uma quinta-feira. Já estava tudo pronto, folgas concedidas no serviço, moto revisada, óleo trocado, mala arrumada, e somente no dia anterior a sensação de que estava acontecendo veio a se tornar real. Um misto de ansiedade, daquela que você quer logo que aconteça.
O despertador tocou e acordei num pulo. Fiz o que tinha planejado, ou quase tudo, atrasei poucos minutos, vi o sol nascer, e a gratidão já invadia meu coração.
Quando rodava na BR, ainda em Belo Horizonte, me dei conta que esqueci uma coisa muito importante! Não era dinheiro, nem minha CNH ou documento da moto, não era jaqueta, o que não poderia faltar? Minha joelheira. Como em uma viagem longa dessa eu iria sem um equipamento de segurança tão importante?
Pois eu voltei, mesmo já estando atrasada, afinal não se tratava de horários, mas de segurança!
Agora com todos os meus equipamentos de segurança: jaqueta com proteções da Alpinestar; blusa térmica; joelheira Protork; botas; luvas; e capacete Vector Evo da LS2, engatei marcha para a estrada.
Afinal, a viagem perfeita não é livre de imprevistos, mas impregnada de consciência.
Dizem que você pode cair ao andar de moto, mas é andando nela que me sinto em equilíbrio. Quando ligo a chave volto a me sentir no controle, e ao pilotar a moto relembro que sou eu que piloto minha vida
A.Latife
Não era a primeira viagem longa que fazia (600 km o máximo que tinha rodado em um dia), mas a primeira sozinha. A maior até então tinha sido para Capitólio (MG), cerca 280 km de BH – MG.
Tive o cuidado de colocar no bolso da jaqueta um papel colorido onde estava escrito meu nome, tipo sanguíneo, três telefones de emergência e a senha do meu celular. Atrás estava o endereço da casa dos amigos onde ficaria.
A estrada assemelhava-se a um mar de inspiração, diante de tantas belezas e paisagens deslumbrantes. As ondas daquele mar eram as curvas, um vai e vem que fica guardado na memória do corpo e, mesmo parado, você sente o movimento… A contemplação da natureza e a gratidão pela vida eram imensuráveis, e rodando eu sentia em cada poro do meu corpo que eu nasci para ser livre.
Para registrar tantas reflexões e detalhes soprados aos ouvidos, tinha vontade de parar e pegar meu caderninho para escrever. Pensei numa tecnologia que solucionaria essa questão, um gravador dentro do capacete para não perder nenhuma inspiração, será que existe?
Como foi difícil tirar fotos na estrada! Primeira coisa a ser superada era o medo de parar sozinha no acostamento. Segundo era a sensação que o vento do caminhão que passava ao lado poderia levar junto a moto, rsrs! Mas eu fui lá, superei os medos e registrei aquele cenário.
Dividi a viagem em 2 dias: o primeiro fiquei em Valinhos (SP), na casa de amigos que que o motociclismo me presenteou. Foram 630 km. Já conhecia a estrada e a viagem foi bem tranquila. Fazia as paradas periódicas, uma vez que a autonomia da Honda PCX não é muito grande, e tinha que parar a cada 150 km por precaução. Isso sem contar as paradas dos pedágios, não foram poucas! E sempre mantinha informadas algumas pessoas a cada lugar que parava, que são como “co-pilotas” da viagem.
Apesar do cansaço físico, quando cheguei, ele era menor do que a vontade de fazer as coisas. Assim, arrumei minhas coisas, tomei banho e saímos para uma hamburgueria artesanal superlegal da cidade.
No segundo dia, eu já não conhecia o caminho, e o GPS offline não foi muito preciso (no dia anterior, quando cheguei à cidade, ele também me deixou na mão), preferi perguntar nos postos onde abastecia e nas paradas dos pedágios. Resultado: peguei o caminho mais longo, rodando a mais cerca de 200 km. Quando cheguei à BR-116 e fui abastecer, o frentista disse que era para eu tomar cuidado com os caminhoneiros, porque eles não respeitavam e que transitavam entre faixas. Acrescentou em tom de conselho que era mais seguro viajar com outras pessoas, pois o mundo de hoje era perigoso e senti de uma forma fraterna um modo de proteção e de me alertar para os riscos. Eu sabia que ele tinha razão, não discordei ou tentei me justificar, mas era aquilo simplesmente o que queria fazer.
Cada parada trazia um olhar curioso, algumas pessoas reparavam que estava viajando sozinha e puxavam assunto, algumas era inevitável não interagir, com direito a boas risadas e fotos.
No segundo dia de viagem estava mais cansada fisicamente que no dia anterior, pois tinha ficado tensa com o trajeto que não conhecia e por ter chegado quase ao anoitecer.
Acho que a maior disposição está na mente, pois mesmo exausta cheguei à casa da minha amiga, que conheci através do motociclismo e saímos para curtir um incrível show cover do Elvis. Na verdade, tive uma sensação muito peculiar quando cheguei a Curitiba, ela percorria todo meu corpo, como se fosse uma espécie de anestesia, não era a primeira vez que estava tomada por um sentimento, como se estivesse embriagada de alegria. Não era necessária nenhuma gota de álcool para alcançar aquela sensação, era só me deixar invadir pela energia da alegria que emanava…
A viagem foi um sonho realizado, e me fez relembrar que a magia dos contos de fadas não trata de príncipes e princesas, mas da realização sonhos!
PS: A graça de quebrar paradigmas é ir lá e provar o contrário. A pessoa dizer: “Você não pode”. Você não fala nada, e aí mostra que não só pode, como foi lá e fez! Acredite em você! Siga sempre em frente, e se for pra ir atrás, que seja apenas dos seus sonhos.
Conheça outros detalhes sobre essa viagem e textos no blog: alatife.blogspot.com
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