Pelos caminhos do Jalapão

Primeiro dia: os companheiros da Motobelle Adventure, Mauro Vieira, Oswaldo Júnior e Eduardo foram dar o apoio moral na despedida. Minha família também estava presente, sempre demostrando preocupação com as viagens de moto solitárias que eu faço.

Saí de Goiânia às 9 horas da manhã pela BR 060 com destino a Brasília. Peguei chuva até a cidade de Abadiânia, parada obrigatória na rota 060 e ponto de encontro tradicional dos motociclistas de Brasília e Goiânia. Depois de um breve lanche e bate papo com os companheiros de estrada, segui com destino a Brasília.

O tempo ainda estava fechado quando passei pela Capital Federal, onde encontrei um intenso trânsito, com velocidade máxima permitida de 80 km/h e centenas de pardais para te ferrar. Segui com destino a são Gabriel de Goiás onde parei na casa do meu amigo Inácio Kolling. Após o bate papo e almoço, segui para a chapada dos veadeiros. Passei pelo portal de entrada da cidade de Alto Paraíso, seguindo depois para Campos Belos-GO.

Total de 497 km, com um consumo de combustível de 28 litros de gasolina.

Fiquei hospedado na Pousada Serra Verde, diária completa por R$ 100,00 (cem reais)

Segundo dia: saí de Campos Belos às 7h30 da manhã. Logo peguei chuva intensa. Usando capa o tempo todo, segui com destino a Ponte Alta do Tocantins, passando por Arraias e Natividade, onde parei para almoçar. Segui em frente. Depois de 19 km virei à direita em uma estrada de chão para acesso a Ponte Alta, a partir de onde comecei a conhecer a estradas do Jalapão. Muito cascalho solto e areão, com a moto sambando igual a portela. A estrada está sendo reconstruída, mas por enquanto você anda somente por desvios de areão e cascalho. Passei dois rios com a água dando na metade do motor. Graças a deus sem nenhum problema. A dica é manter a aceleração constante, sem permitir que a agua entre no respiro do motor. Quase caí por duas vezes.

Aos companheiros de estrada, muito cuidado, pois esta região tem muitos postos de gasolina, mas não encontrei o combustível em vários deles por problemas de distribuição, por isso se faz necessário o uso do tanque reserva como precaução.

Cheguei a Pindorama mais ou menos às 16 horas. Enquanto abastecia a máquina, fui abordado por motociclistas que estavam no posto e convidado a participar do passeio anual de Pindorama do Tocantins ao Jalapão, evento patrocinado pelo prefeito, com mais de 60 participantes todo ano. O pessoal usa carros e motos seguindo em caravana e cortando as estradas do Jalapão. Só para ter uma ideia, o pessoal viaja em gaiolas com motor de fusca e motos, na maioria Honda Pop, Titan, CB 300 e Tornados 250, Yamaha DT 180 e Shinaray. Depois de distribuir alguns adesivos da Motobelle Adventure aos presentes, agradeci a gentileza e me despedi prometendo encontra-los nas estradas do Jalapão.

Segui em direção a Ponte Alta, percorrendo 64 km pelo asfalto. Cheguei à cidade mais ou menos às 17 horas, onde fiquei hospedado na pousada Águas do Jalapão, que tem um pessoal muito gente fina. Diária completa por R$ 75,00 (setenta e cinco reais). O único celular que funciona na região é o da Vivo.

Tomei banho e fui atrás do meu amigo motociclista e guia na região, o Dólar. Isso mesmo “El Dólar”, pessoa da melhor qualidade. Depois de muita negociação, acertamos o preço da diária para ele me acompanhar de moto e ser o fotógrafo oficial da jornada. O telefone de contato do amigo “Dólar” na cidade de ponte alta é 063 8473 4022. Depois fomos tomar uma cerva gelada e comer churrasquinho no boteco do Beleco. Mais tarde o sono e o cansaço bateram forte e fui dormir.

Total rodado no dia, 398 km, consumo de 23 litros de gasolina.

Terceiro dia: depois de dormir bem – quer dizer, dormir é pouco, eu desmaiei -, acordei animado para enfrentar o Jalapão. O amigo Dólar chegou às 8 horas da manhã. Começamos a preparar as motos abastecendo os tanques de combustível, bastante graxa náutica nas correntes, bebedouro de água nas costas cheio, barras de cereais, repelente, caixa de primeiros socorros no bauleto e bolsa de ferramentas. Para diminuir o peso da bagagem deixei 70% das minhas coisas na pousada.

O Jalapão não é para qualquer motociclista que se acha experiente para enfrentar as estradas da região, exige preparo físico e muita habilidade. De Ponte Alta a Mateiros são 170 km de muita areia, cascalho e muita costela de vaca. Primeiro tivemos acesso à Gruta de Suçuapara, uma gruta escavada na rocha bruta com nascentes perenes e raízes de plantas exóticas que caem em nossas cabeças, guiando as águas até o seu leito. Lugar fascinante. Depois seguimos para a Cachoeira do Lajeado, de águas cristalinas e quedas maravilhosas rolando pelas rochas vermelhas. Calor intenso e um bom mergulho com roupa e tudo. Nesse acesso à Cachoeira do Lajeado tive dois pequenos tombos na estrada de areão, sem consequências mais sérias.

Depois tocamos pela TO-255 sentido mateiros com entrada à esquerda para a Cachoeira Velha. Meu guia ia explicando os nomes dos locais visitados e dando dicas de como se comportar na estrada para evitar os tombos no areão. Chegamos à Cachoeira Velha e na portaria encontramos o fiscal da Secretaria de Meio Ambiente do Tocantins. Informamos nome e endereço e o porque da nossa visita. Nos desejou boa visita. Entramos por uma estrada de cascalho que dá acesso à cachoeira. Muito cuidado, pois esta estrada foi encascalhada com grandes pedras pontiagudas, tem que ter muito cuidado para não furar os pneus, pois qualquer descuido e vai pneu e roda para o beleléu. Depois de 10 km chegamos à ponte suspensa que dá acesso à cachoeira. É coisa de cinema, o Rio Novo é um paraíso de águas e corredeiras no meio do deserto. Água cristalina e cheiro de terra molhada.

Depois de muitas fotos, admiração e descanso curtindo aquela beleza, saímos da cachoeira rumo a Mateiros. Nesse trecho aconteceu o principal tombo do dia. Entrei rápido demais em uma erosão e a moto rabiou, bateu a traseira no barranco, me jogou longe e a moto caiu por cima da minha perna. Tentei levantar, mas não consegui. Senti dores horríveis no meu tornozelo esquerdo, pensei que quebrei o pé. Assustado com o acontecido, meu guia veio correndo me socorrer, levantando a moto que vazava gasolina pela boca do tanque. Com medo da moto pegar fogo, levantou-a na maior rapidez enquanto eu gemia que nem porco. Tentou me levantar, mas não consegui. Fiquei sentado no chão enquanto ele retirou minha bota e, analisando a situação, falou que não teria mais condições de continuar, pois o tornozelo virou uma bola.

– Vou chamar socorro. Uma camionete para levar você e a moto de volta a Ponte Alta – disse o amigo Dólar.
– Cara, me dá um tempo, deixa ver se eu melhoro um pouco, pega na minha maleta de primeiros socorros e traz um Dorflex e a pomada Calminex – falei.

Depois de passar a pomada e enfaixar o pé, tomei o remédio e a dor melhorou um pouco.

– Cara se você conseguir me ajudar a subir na moto, eu acabo de chegar a Mateiros.
– Sérvulo, são 90 km até Mateiros e só areão e pedra.
– Mas vou tentar.

Depois de conseguir subir na moto e verificar que ela não tinha sido danificada no tombo, vi que não conseguia engatar as marchas de forma convencional, então tentei engatar com o calcanhar puxando as marchas para cima. Deu certo. Com muito esforço e sofrendo com uma dor muito forte, percorri os 90 km que estavam faltando para chegar a Mateiros, com muitas paradas para descanso, muita água jogada na cabeça e com média horária de 40 km/h, além de muito esforço físico, pois a estrada estava cada vez pior. Atolei a moto diversas vezes, meu amigo empurrando e eu ajudando com uma perna só para tracionar a moto e superar o areal. A moto fazia tanta força que o motor batia pino. Com muita insistência consegui superar o areão e as pedras que surgiam na estrada. Saímos da Cachoeira Velha às 13 horas e fomos chegar a Mateiros às 18h30. Gastamos 5 horas e meia para percorrer 90 km da Cachoeira a Mateiros. Cheguei quase morto de cansaço e sentindo muito dor. Para terem uma ideia sobre como cheguei à cidade, foi preciso um funcionário da Pousada Santa Helena ajudar o Dólar a me tirar de cima da moto e me colocar em uma cadeira, pois estava quase apagando de tanta dor.

O total de gasolina gasta no percurso de 170 km foi de 8 litros.

Depois do banho demorado e do curativo que fizemos no tornozelo, a dor começou a melhorar um pouco. Cheguei à conclusão que fazer o jalapão sozinho não dá certo, porque emergências podem acontecer a qualquer momento.

Já acomodado na pousada com diária de R$ 120,00 (cento e vinte reais), disse a meu companheiro Dólar que iríamos alugar uma camionete no dia seguinte para completar o percurso, pois não tinha mais condições de pilotar naquele tipo de terreno com o tornozelo inchado como estava.

Quarto dia: no dia seguinte cedo alugamos a camionete por R$ 500,00 (quinhentos reais), para percorrer os pontos turísticos perto de Mateiros e nos levar com as motos de volta a ponte alta. Optamos pelos mais importantes locais a visitar, o Fervedouro e a Cachoeira da Formiga, que ficam distantes 32 km de Mateiros. Pegamos a estrada que estava bem pior que as anteriores, pois tinha muita pedra e areia.

Chegando ao Fervedouro, fiquei surpreso com a falta de estrutura do lugar e ao mesmo tempo maravilhado com a exuberância da natureza. O suposto proprietário do local cobra R$ 10,00 (dez reais) por pessoa, mas não oferece nenhuma estrutura para receber os turistas. Para trocar de roupa e vestir o calção, existe um tablado de palha sujo e caindo aos pedaços. Mas tudo bem, vamos ao que interessa: a natureza. A nascente tem tanta força que a gente tenta afundar o corpo na água e ela te empurra de volta, com muita força, para cima. Você pode ficar por horas flutuando. Além da agua ser morna e o lugar exuberante, você se sente no paraíso. É coisa de outro mundo e de uma beleza intocável.

Saímos do fervedouro por volta das 10 horas da manhã e seguimos para a Cacheira da Formiga. O suposto proprietário cobra na entrada R$ 20,00 (vinte reais) por pessoa. A estrada que dá acesso ao local é péssima e a estrutura é mínima. Você encontra no máximo uma Coca-Cola ou cerveja gelada. Você entra por uma trilha estreita a pé e se depara com uma cachoeira com as aguas mais cristalinas que já vi em minha vida. Por ter o fundo revestido de calcário, esta cachoeira fica com um tom verde mar, brilha tanto que até assusta e dá vontade de nunca mais sair daquele lugar. O proprietário falou que após análise da água foi constatado que se trata de água mineral de primeira qualidade.

Depois das várias fotos e de uma cerva gelada, pegamos a estrada de volta. Já era quase meio dia quando saímos da Cachoeira da Formiga com destino a Mateiros. Nossa intensão era voltar ainda neste mesmo dia para Ponte Alta de camionete junto com as motos.

Após almoçarmos e descansar um pouco, carregamos a motos na camionete e partimos para Ponte Alta. Eram mais ou menos 4 horas da tarde. Caia muita chuva e começaram a parecer pontos com atoleiros na estrada. Como a camionete era 4×4, andamos com folga no percurso de volta.

Chegamos a Ponte Alta às 10 horas da noite e fomos para a pousada descarregar as motos e tomar umas cervas bem geladas. Não dormi direito pois o tornozelo estava bem inchado e sentia muita dor.

Passei a quinta-feira fazendo revisão na moto – troca de óleo e reaperto geral – e descansei na parte da tarde, planejando pegar a estrada de volta para Goiânia.

Quinto dia: saí de Ponte Alta do Tocantins por volta das 5 horas da manhã. A chuva caia insistente, por isso vesti minha roupa de proteção completa e mais a capa de chuva. O tornozelo já estava bem melhor e conseguia passar as marchas normalmente.

Toquei devagar até Porto Nacional, distante 149 km. Passando por Porto Nacional, parei sobre a exuberante ponte do Rio Tocantins. Após admirar a paisagem e tirar fotos, continuei até a cidade de Fátima, onde tomei um café com leite e pão de queijo. Peguei a BR 153 com destino a Gurupi e a chuva se intensificou. Passei por 50 carretas por km rodado. Ultrapassei várias carretas coladas uma à outra a 130 por hora, foi um sufoco. Como só andei de mão colada, o consumo extrapolou. A moto não estava gastando gasolina, ela estava engolindo o combustível. Aposto que não fez nem 18 km/litro, mas continuei forte.

Cheguei a Gurupi com tanque vazio. Após abastecer, toquei rumo a Porangatu debaixo de chuva forte e o capacete embaçando a toda hora. A capa não segurou mais e começou a molhar os fundilhos. Continuei tocando forte. Teve uma hora que fui passar algumas carretas, olhei para o velocímetro e o digital estava marcando 142 km/hora. Era o meu recorde de velocidade na XRE. Cheguei a Porangatu, fiz os cálculos e minha média estava acima dos 100 km/h. Continuei tocando forte rumo à cidade de Anápolis. Pouco antes de Anápolis, minha moto entrou na reserva. Parei em um posto, mas estava sem gasolina. Os frentistas falaram que encontraria gasolina cerca de 30 km à frente. Fiquei preocupado. Não se deve deixar a gasolina da XRE 300 acabar porque pode queimar a bomba de gasolina, então usei meu tanque reserva que estava ainda com mais ou menos 8 litros de combustível. Os caras do posto ficaram admirados ao ver o tanque reserva. Toquei rumo a Anápolis, onde parei e completei o tanque. Acelerei forte, chegando a Goiânia às 17 horas, ou seja, 10 horas de viagem para rodar 929 km. Nada mal para uma moto de 300 cc.

O total de gasolina consumida neste dia foi de 56 litros.

Espero que estas informações sirvam de base e incentivo para algum companheiro de estrada que queira viajar por estes rincões. Esta região linda chamada de Jalapão merece sua visita. Lugar ímpar e de natureza exuberante, com todo um ecossistema virgem a ser explorado e admirado.

A Moto

Usei uma Honda XRE 300 Flex 2014, equipada para longas viagens, com bauletos, protetor de motor, mata cachorro, bolha de proteção, faróis auxiliares e prolongadores dos para-lamas. Para orientação na estrada, um GPS para moto à prova d´água, além de um tanque reserva de 12 litros feito de tanque de motor de popa adaptado no bauleto traseiro.

Consumo

Andando a 100 km/h a moto fez 23 km por litro de gasolina e andando a 130 km/h ela fez 18 km por litro de gasolina.

Análise técnica

Usei a moto nas estradas mais exigentes deste percurso: asfalto, cascalho, lama e muita areia. Achei-a equilibrada em altas velocidades e muito resistente nas difíceis estradas desta região. Tudo indica que os problemas encontrados anteriormente no cabeçote do motor foram resolvidos pela Honda. A moto demonstrou realmente que necessita da sexta marcha para reduzir a rotação para mais ou menos 6.500 rpm a 130 km/h. Com a configuração de relação atual, o motor trabalha na faixa de 8.000 rpm, levando o motor a altas temperaturas e ao consumo excessivo de combustível. Os pneus originais se comportaram muito bem na lama e no asfalto molhado, mas na areia, se preparem para os tombos.

Roteiro

Ida: Goiânia, Brasília, Alto Paraíso de Goiás-GO, Campos Belos-GO, Arraias-TO, Natividade-TO, Pindorama-TO, Ponte Alta e Mateiros.
Retorno: Mateiros, Porto Nacional, Gurupi, Porongatu, Anápolis e Goiânia.

Distância total percorrida: 2.284 km

Um forte abraço a todos os companheiros de estrada.

O goiano Sérvulo marques, 59 anos, é membro do moto grupo Motobelle Adventure de Goiânia – GO. Conheceu o Deserto e o Paraiso das Águas do Jalapão no mês de outubro deste ano.


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Para adquirir os livros abaixo, acesse o site do autor: romuloprovetti.com

Livro A caminho do céu - uma viagem de moto pelo Altiplano Andino
A caminho do Atacama
Livro sobre viagem de moto pelo Himalaia
Livro sobre viagem de moto até Ushuaia
Um brasileiro e uma moto no Himalaia indiano