Viagem de moto pelo Nordeste

No início de dezembro, entediado com mais um ano em Manaus (AM) e percebendo que passaria mais uma vez minhas férias na cidade, me propus a fazer uma viagem de moto pelo nordeste brasileiro e visitar alguns amigos Fuzileiros Navais, moradores daquela região. Decidi então que faria uma viagem sem ter destino certo, ou seja, a proposta era rodar por 30 dias e conhecer o máximo de lugares possíveis.

Com um mês de antecedência, fiz revisão geral na minha moto, uma Harley-Davidson Fat boy – gosto de fazer isso sempre um mês antes de viajar, pois dá tempo de usar a moto e verificar se ficou alguma pendência da revisão, minimizando possíveis problemas.

Como já tenho certa experiência de viagens anteriores, tinha guardado o programa da viagem, então foi só atualizar, adequar e imprimir.

Considero importante o programa de viagem por que confiar na memória pode causar prejuízos. O meu inclui uma planilha assim composta:

  • destino, distância, valores com combustível, alimento e pousada;
  • revisão da moto e ferramental (o básico/ emergencial);
  • roupas e acessórios (leves e sem luxos);
  • kit primeiro socorros (medicamentos); e,
  • detalhamento do itinerário (informações de distâncias entre cidades). A impressão das distâncias entre as cidades, afixada ao tanque da moto, em conjunto com a leitura do Google Maps, me fornece mais segurança.

Ao final da minha planilha não pode faltar algumas passagens Bíblicas.

Uma semana antes das férias, estava com os últimos preparativos para a viagem, que iniciaria numa quarta-feira de cinzas (pós carnaval). Como sou morador de Manaus, dependo do embarque da moto em um barco apropriado, o que envolve algumas preocupações, bem como contatar empresa, cotar melhores preços, etc. Diga-se de passagem, fui muito bem atendido pela empresa Amazon Star, que me deu todo o suporte necessário para realizar tal serviço.

Todo o material que consta da planilha foi organizado ao longo da semana. Depois distribuí numa mochila operativa de uso exclusivo das tropas de Operações Especiais. Os materiais de acesso rápido ficam nos bolsos. Não levo muita roupa, de maneira a me permitir trazer lembranças dos lugares onde passei.

Estava tudo pronto, mas a ansiedade não me permitiu dormir. No dia anterior (terça-feira), eu já havia embarcado a moto e só me restava esperar pelo meu embarque.

Todo mundo tem padrões de comportamento. Não sou diferente e costumo ser rigoroso com o cumprimento do quadro horário e meu planejamento enfatiza isso. Tinha até às 11h para o embarque no navio, mas cheguei ao barco às 10h, pois imprevistos acontecem. A emoção de alguns dias (quatro), dentro daquele barco, me deixava ansioso. A proposta era esquecer o tempo, deixar a carcaça numa rede e aguardar a chegada ao destino.

As cidades ribeirinhas foram ficando para trás. Só ouvia o barulho do motor e as conversas dos meus vizinhos de rede. Aliás, um laboratório, pois ali viajam pessoas das mais diversas origens, pobres e ricos, todos num só local. Alguns optaram por camarotes procurando privacidade, mas eu escolhi a rede, para minimizar os custos e não deixar de ter a experiência de fazer a viagem da forma mais simples, fato este que envolve alguns cuidados, tais como:

  1. muito cuidado ao se ausentar dos seus pertences (peiar, tudo que tiver em um só local);
  2. não recomendo comprar quentinhas no navio ou dos vendedores que entram e saem do barco a cada porto ancorado;
  3. evitar tomar banho (a agua usada é captada do Rio);
  4. amarrar sua rede se possível for, numa altura considerada. Corre-se o risco de acordar com outra rede armada em cima de você (hilário, mas ocorre);
  5. não se iludir com alguns nativos ribeirinhos vendendo camarão (diarreia na certa/fui vitima).

Passados os quatro dias e alguns portos visitados, no domingo aportamos na cidade de Belém, que tem lá suas características: clima abafado, quente e úmido. Do nada cai uma tremenda chuva.

Fiquei animado com a possiblidade de pegar estrada logo pela manhã, mas me avisaram que a tábua de maré não permitiria retirar a moto do barco, o que só foi ocorrer ao meio dia em ponto daquele mesmo dia.

Fiz amizade com boas pessoas no barco. Três delas em particular vou levar para sempre na memória: Márcia, Albecy e Pierre, o ultimo um belga que se propôs a conhecer o nosso pais com apenas uma mochila nas costas. Como eles tinham um destino que se encaixava no meu roteiro e era a sua primeira viagem, me propus a acompanha-los em seu carro até onde pudesse. E assim ocorreu. Pegamos a estrada por volta de 18h e seguimos em direção ao Nordeste.

Logo de cara um diluvio retardou nossa viagem, mas não nos conteve. Cerca de 500 km depois paramos na cidade de Zé Doca (MA), onde pernoitamos. Como Pierre seguiria para os lençóis Maranhenses, nos separamos e, dali em diante, eu segui minha viagem sozinho.

Trechos fantásticos

Segui meu planejamento que me limitava a rodar 800 km por dia, 400 em cada turno. Dessa forma, fui chegando e conquistando cidades lindas do nordeste brasileiro. Seria injusto citar qual era a mais linda, pois nosso nordeste é um espetáculo. Não entendo como se gasta tanto viajando para o exterior quando se tem belezas tão grandiosas em nosso tão extenso território nacional.

Pilotei nos três dias que se sucederam à saída de Belém e cheguei a Natal (RN), após 2.100 km. Deslumbrei-me com a cidade, onde permaneci por oito dias em um “flat” que aluguei na praia de Ponta Negra.

Os dias iam passando, o desejo de rodar aumentando e a duvida se permanecia ali ou seguia o planejamento de rodar o máximo possível persistia. Resolvi seguir viagem em direção ao Sudeste.

Orientações e paradas

Eu aproveito as passagens pelos diferentes estados para provar a culinária, conhecer os pontos turísticos e também os tipos de gente de nossa terra.

O Google Maps é muito importante, mas sugiro fazer o download e usá-lo off-line, pois em alguns lugares não há sinal de internet para nos auxiliar. Algumas pousadas anunciam os quartos informando que há wi-fi, mas não tem e justificam que é problema causado pelo clima, chuva, etc. Então, não facilite.

Quando viajo só não gosto de fazer paradas que não sejam nos objetivos e as necessárias, apesar de saber que o ideal é parar a cada 150 km, mas isso não me incomoda, então só paro mesmo para abastecer, tomar água e quando a bunda já está mesmo pedindo. Geralmente ando 200 km tranquilamente e mais 50 até a bunda pedir arrego. Também não faço questão de parar pra fazer refeições.

Alimentação

Como já tive problema com alimentação na estrada, adotei o seguinte procedimento: invisto em proteína animal e vegetal, descarto comer macarrão e feijão. À noite, quando paro, aí sim, faço uma refeição completa para colocar algo quente no estômago.

Pousadas, pernoites e conforto

Recomendo reservar os locais para pernoite no dia anterior e nas cidades grandes e usar um aplicativo para escolha dos hotéis. Usei muito o Booking e percebi que os preços eram quase os mesmos de hotéis de beira de estrada sem muito conforto. A partir de Natal passei a usar o aplicativo como referência para as pernoites posteriores.

Eu não abro mão de um hotel / pousada que me forneça o mínimo de segurança e conforto possível. Não abro mãos disso. Rodar 800 km em cima de uma moto e dormir num quarto repleto de insetos e sem um bom ar condicionado não dá.

Estradas

De todo o percurso, os piores trechos estavam dentro de Pernambuco, Aracaju (SE) (obras na BR 101) e vários trechos da BR-153 (Belém-Brasília). No mais, nossas estradas estavam a contento. Mas procure não usar estradas não pavimentadas nem se deixar convencer por pessoas que lhe indicarão este ou aquele trecho que não é do seu conhecimento.

Clima

Se prepare para viajar em climas diversos. Cruzar várias regiões exige preparo físico e saúde em dia. O nordeste estava quente demais, mas ao entrar no sudeste, tudo mudou.

A moto

Uma viagem requer cuidados específicos com cada tipo de moto. Como eu sou profundo admirador das Harley-Davidson, tem que se tomar cuidado com as manutenções periódicas que envolvem troca de óleo a cada 6000 km, o desgaste dos pneus e evitar rodar pelas extremidades das rodovias. Ali são armazenados muitos detritos que podem e irão lhe deixar no prego.

Carros na estrada e Imprudência

Deparei com varias situações em que precisei sair da pista para o acostamento. Trata-se daquele momento em que você olha pra frente e percebe que vem um veículo fazendo uma ultrapassagem e não vai conseguir conclui-la até chegar a você. Nesse caso, não tenha dúvida, vá para o acostamento, é a atitude mais sensata.

Imprevistos na estrada

Muitos imprevistos podem surgir tais como um pneu furado, rasgado, etc. Optei por usar vacina em ambos os pneus para evitar surpresas e dissabores e afirmo que me ajudou muito, pois não passei por tal ocorrência. Rodei 8.800 km, não tive pneu furado e sequer eles baixaram.

O mesmo podemos dizer sobre kit remendo, faca, isqueiro, lanterna, papel higiênico e outros itens. Nunca se sabe que tipo de imprevisto pode-se encontrar durante uma viagem de moto. Outra recomendação importante: nunca viajar no período noturno.

Mais detalhes – Viagem de moto pelo nordeste

Período: 36 dias – 14 de Fevereiro a 21 de março de 2018
Moto: Harley-Davidson Fat Boy, motor 1600cc
Velocidade de cruzeiro: 120 km/h
Estados, capitais e cidades visitados: Belém (PA), Maranhão, Teresina (PI), Fortaleza (CE), Natal (RN) (Pipa, baia Formosa, São Miguel do Gostoso, Tibau), João Pessoa (PB) (Tambaba, Conde), Recife (PE), Maceió (AL) (Maragogi), Aracaju (SE), Salvador (BA), (toda a orla metropolitana, ilha de Itaparica, morro de São Paulo), Vitoria (ES) (Serra, Linhares, Vila Velha, Guarapari), Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Anápolis (GO), Palmas (TO), (Gurupi, Paraiso do Tocantins, Araguaína e toda a extensão da BR-153) e Imperatriz (MA).
Distância percorrida: 8.800 km
Despesa total: R$ 9.000 (inclui alimentação, hospedagem e combustível, translado da moto, diversão e muita, mas muita cerveja)
Pontos positivos da viagem: inúmeros, só sabe quem já fez. Poderia passar horas escrevendo e talvez não conseguisse passar para esse artigo tudo que vi e senti.

Acreditar em Deus é a melhor coisa que posso ter a meu favor.
Viajar de moto é o máximo.
“ADSUMUS”


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