Entediados com a possibilidade de ser mais uma dentre tantas férias que passamos em períodos anteriores e estimulados por estarmos a alguns meses em um excelente relacionamento, minha namorada Rosanna Izquierdo e eu organizamos nossas próximas férias com a intenção de goza-las juntos e nos propusemos a fazer algo diferente para ela.
Não tive nenhuma dificuldade em convencê-la a fazer uma viagem de moto pelo nordeste, até porque, eu estava ajudando-a a realizar um sonho antigo.
A proposta girava em torno de passar 20 dias em cima da moto, perambulando por algumas cidades do Nordeste brasileiro. O ponto de partida seria Belém do Pará e o destino a capital do Rio Grande do Norte, Natal. E conhecer o máximo de lugares possíveis no trecho entre as duas cidades.
Com um mês de antecedência fizemos revisão geral na moto, uma Harley-Davidson Street Glide ano 2012 – gosto de fazer isso sempre um mês antes de viajar, pois dá tempo de usar a moto e verificar se ficou alguma pendência da revisão, minimizando possíveis problemas. E de fato, cumprindo o prognostico, ocorreu o inesperado: duas semanas antes, numa esticada teste de 400 km, o estator acusou defeito e, já com data marcada para o embarque, começou a correria para sanar o problema. Mas a missão cumprida sem grandes dificuldades.
Como já tinha experiência de algumas viagens anteriores, só me propus a atualizar o programa de viagem, adequando-o para um casal, já que nas anteriores fui solo. Era o meu desafio, pois nunca havia viajado com garupa. Sempre executei minhas “trips” sozinho, mas dessa vez, ambos estávamos dispostos a nos desafiar.
Considero muito importante o programa de viagem. O meu inclui uma planilha assim composta:
- destino, distância e valores dos gastos com combustível, alimento e pousada;
- revisão da moto e ferramental (o básico/ emergencial);
- roupas e acessórios (leves e sem luxos);
- kit primeiro socorros (medicamentos); e,
- detalhamento do itinerário (informações de distâncias entre cidades). Tudo muito acessível, em planilhas em meu SmartPhone.
Uma semana antes das férias, estava com os últimos preparativos para a viagem, que iniciaria numa quarta-feira de cinzas (pós-carnaval). Como somos moradores de Manaus, dependemos do embarque da moto em um barco apropriado, o que envolve algumas preocupações, bem como contatar empresa, cotar melhores preços, etc. Diga-se de passagem, fui mais uma vez muito bem atendido pela empresa Amazon Star, onde nos deram todo o suporte necessário para realizar tal serviço com o máximo de qualidade possível.
Passados os quatro dias com a moto já a caminho de Belém, nos concentramos nos acertos finais, já que íamos de avião comercial até a capital paraense.
No dia 01 de março decolamos do aeroporto Eduardo Gomes na capital amazonense, deixando para trás o bulldog Bruce, o filho que Deus nos deu. Ao amanhecer, já tomávamos café na cidade das mangueiras, que tem lá suas características: clima abafado, quente e úmido. Do nada caiu uma tremenda chuva, minutos após já se ver um sol de torrar o chão (muito sinistro).
Ficamos animados com a possiblidade de pegar estrada na manhã do dia seguinte, já que o hotel onde estávamos, apesar de bem aconchegante e barato, ficava próximo ao aeroporto Val-de-Cans, e sinceramente, não dormimos. Acordamos ansiosos às 04h50 e fomos buscar a moto (que já se encontrava no depósito do porto).
Uma vez em cima da preta (moto), me propus a mostrar um pouco da cidade para a Rosanna. Missão rápida.
Preparamo-nos para a primeira pernada da viagem. Foram 648 km debaixo de chuva fina entre Belém (PA) e Bacabal (MA), trecho longo e de péssima qualidade na estrada (BR 316). Após a divisa do Pará com o Maranhão, as coisas pioraram. Local propício para ficar sem rodas e terminar ali mesmo a viagem.
Trechos fantásticos – Seguimos o planejamento que nos limitava a rodar apenas os trechos que planejamos no dia anterior, e tudo girava em torno de não menos que 400 km por dia. Dessa forma, fomos chegando e conquistando cidades lindas, por vezes bucólicas, do norte e nordeste brasileiro. Seria injusto citar qual a mais linda, pois nosso país é um espetáculo.
Ainda sobre a primeira pernada, chegamos a bacabal após um longo trecho sob chuva, e fomos reféns das propagandas à beira da estrada que a cada quilômetro percorrido nos levava para um hotel especifico na próxima cidade (hotel Roma). Valeu demais a pena. Após um dia todo em cima da bike, o que mais se quer, é conforto e boa hospedagem. Não abrimos mão disso.
Após um excelente café da manhã, no segundo dia de viagem a proposta mudou: desistimos de entrar na capital do Maranhão e partimos para Tinguà (CE). Dali a ideia era subir até Jericoacoara (CE) e passar lá alguns dias. Pilotei 535 km com a melhor parceira que Deus me deu. Zero panes emocionais e só alegria pela expectativa de imagens que estavam por vir, deixando as tristezas para serem vistas pelo retrovisor da moto. Cada quilômetro era uma conquista para ambos.
O terceiro dia iniciou após uma péssima noite de sono. O hotel escolhido era de qualidade razoável, mas por incrível que pareça, havia um prego no colchão que me atormentou a noite toda. Rosanna dormiu feito uma gata de armazém, nada incomodava o sono daquela menina (risos). Não posso dizer que acordamos, e sim, apenas ela, então digo, amanheci, e pilotei 156 km por uma estrada secundária que ligava a serra em Tinguá até Jijoca de Jericoacoara. Sob aquela fornalha do sol cearense e acima daquelas crateras nas estradas, mas com um pouco de sorte, presença de Deus e um pouco de habilidade, nada de ruim ocorreu.
Deixamos a moto num ponto de apoio em Jijoca e partimos para o translado em cima de um 4×4 que nos levaria até a vila. Foram dois dias em Jericoacara, noites agradáveis, jantares, almoços, praias, sol, vento e um forró pé de serra. Ficou apenas a saudade.
A partir do quarto dia fizemos o caminho inverso. Pegamos a moto sob chuva e mais uma vez numa rodovia secundária nos deslocamos em direção a Fortaleza (CE), cerca de 280 km. Nesse trecho, acredito que tivemos o melhor almoço da viagem: eu e meu amor comemos uma costela de panela. Eram cerca de 12h30, sol a pino, o asfalto tremia. No posto de gasolina só havia o frentista e um cachorro pulguento, mas ao lado, anexo ao posto, havia um pequeno pé sujo, cheio de mosca, que no serviu a melhor refeição. Muitos risos, porém é verdade.
Depois do almoço, abastecemos o tanque da moto e apontamos a roda para Fortaleza. Foi complicado, foi doido, mas foi “show de bola”. Sensacional. Chegamos a Fortaleza e nos demos conta que poderíamos seguir até mais à frente e nos propusemos dormir em Aquiraz (CE). Muito tenso, tenso por demais. Após fazer a reserva pelo Booking (recomendamos usar sempre), não nos demos conta que o acesso à pousada Beach Italiana, era péssimo, íngreme e devido ao período de chuva, tudo estava alagado. Seria uma tarefa fácil se estivéssemos em cima de uma moto “trail”, mas não, estávamos em cima de uma Street Glide, uma autêntica Harley-Davidson. Senhora das estradas, porém péssima no que diz respeito a terrenos que não nos proporcionam estabilidade. Acredito que foi o dia mais tenso da viagem. Cansados, estressados e famintos, nos propusemos a não mudar o planejamento e enfrentamos o desafio. Não há como transmitir por aqui tamanha tensão, mas acredite, só houve isso no final desse trecho.
No quinto dia de viagem queríamos desacelerar. A ideia era curtir, então replanejamos o roteiro e acertamos seguir até Canoa Quebrada (CE), cerca de 150 km distante. A menor pernada da viagem. Foi fantástico: mar quente, vento no rosto, jantar maravilhoso e pernoite em um quarto maravilhoso com vista para o infinito mar azul.
No sexto dia viajamos de Canoa Quebrada até Natal (RN). Uma reta interminável, sertão nordestino gritando à frente da roda, um calor sinistro, belezas naturais nunca antes vistas, das do tipo que tinha flores lindas saindo de cactos à beira da estrada. Que trecho fantástico. Mas não podemos deixar de citar o perigo constante que encontramos nessa reta: motoristas irresponsáveis, que a toda hora colocavam suas e nossas vidas em risco.
Curtimos o sétimo dia em Natal. Visitamos alguns parentes, rodamos de moto por aquela cidade litorânea, visitamos lugares que a Rosanna nunca havia ido e saímos de lá com a certeza de que essa viagem foi muito mais que uma simples viagem de casal. Ficou a certeza que ela serviu para muito mais que nós esperávamos, serviu para ratificar o sentimento que nutrimos um pelo outro. Exercitamos a tolerância, a paciência, o carinho, a lealdade e confiança em colocar nossas vidas um nas mãos do outro. Exercitamos sentimentos e ferramentas que nos sugeriam uma excelente vida futura a dois. Saímos e chegamos na paz de Deus, dentro de uma harmonia de quem se conhecia há muito tempo, mas na verdade eram apenas alguns meses de convivência.
Agradeço a Deus por tamanho presente e, não me refiro somente à viagem, falo sobre a mulher que Ele me deu. Juntos nós somos mais fortes.
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