Mais uma vez me lanço em uma aventura descrita pelo meu irmão Antônio como “Homérica”: com o objetivo de visitar o estado do Mato Grosso do Sul e uma cidade do interior do Paraná, chamada Alto Piquiri, para especificamente participar da missa na igreja de São José em uma viagem de moto.
Novamente estou partindo em um momento que não é o “ideal”: ainda vivemos tempos de Pandemia; há risco de bloqueios nas estradas promovidos por caminhoneiros; risco de falta de abastecimento de combustíveis; além de deixar em casa minha esposa grávida. Em função disto, resolvi abreviar a viagem e ficar menos tempo na estrada.
Mas, acredito firmemente que “se formos esperar o momento ideal para fazer alguma coisa, nunca faremos nada”, acredito que exatamente por não ser o melhor momento é que se faz necessário insistir e realizar…
O momento de viver é hoje e agora, o amanhã pode não existir!
Preparação para a viagem:
Continuo lendo vários livros e relatos de outros motociclistas sobre os mais diversos tipos de viagens de moto, na tentativa de aprimorar conhecimentos e minimizar as chances de problemas e dificuldades na estrada. Procuro sempre aprender com os erros e os acertos de outros viajantes.
Exercícios físicos com a frequência de 3 vezes por semana.
Preparação da motocicleta:
- Troca da bateria.
- Troca do pneu dianteiro. O pneu ainda rodaria os 4 mil km da viagem, mas seria a sua última viagem com certeza, estava no finalzinho da vida útil. Entretanto, não vale apena correr o risco. Acredito que poderia ter tido sérios problemas ao trafegar pela rodovia MG-255 caso não tivesse feito a troca.
- Troca do suporte para GPS/Celular por um de alumínio.
- Revisão completa de freios, cabos, fluidos, filtros e lubrificação de rolamentos.
- Utilizei um tubo de “cola trava rosca” para auxiliar na fixação de alguns (muitos) parafusos da moto. (moto custom é assim: parafusos e arames… kkkkk). Acredito que tenha sido de grande ajuda para mantê-los todos no lugar durante a travessia da famigerada MG-255.
- Reposicionamento da bolha.
EPI:
- Segunda pele para calor.
- Jaqueta impermeável.
- Botas impermeáveis. (Nas viagens anteriores senti falta de uma bota impermeável, pois sempre que chovia ficava com os pés encharcados e tinha que recorrer às gambiarras para manter o pé seco. Desta vez optei por uma bota apropriada, entretanto não houve chuva durante todo o percurso. Melhor sobrar do que faltar… kkkk).
- Luvas apropriadas para o calor.
Kit de medicamentos:
- Dorflex (sem uso)
- Aspirina + Antigripal (sem uso)
- Colírio
Maleta de ferramentas:
- Ferramentas incluindo um rolo de arame, um rolo de fita isolante, um bom pedaço de borracha EVA e um cabo de aço de bicicleta com o “quebra-galho,” um pedaço de fio elétrico, um tudo de WD40 e alguns prendedores popularmente chamados de “enforca gato…” kkkk
- Equipamentos de foto filmagem. Máquina, tripé, câmera, baterias, cartões de memória e etc.
Estatísticas da viagem:
- Objetivo principal da viagem: Mato Grosso do Sul e Alto Piquiri/PR
- Estados Percorridos: MG, SP, MS e PR.
- Quilometragem total: 3708 km.
- Dias de estrada: 9
- Dias sem pilotar na estrada: 1
- Média de estrada: 460 km/dia
- Maior percorrida: 784 km, dia 9
- Menor percorrida: 338 km, dia 4
- Trecho com chuva: 0
- Trecho à noite: 100 km (dia 9, entre Divinópolis e Belo Horizonte)
- Problemas mecânicos: 0
- Problemas com equipamento: 0
- Problemas com abastecimento: 1. Houve um trecho de estrada no MS em que a motocicleta consumiu muito mais combustível do que seria normal. A moto faz uma média de 18/20 km por litro, fez apenas 14 neste trecho. Acredito que tenha abastecido com gasolina adulterada. Costumo abastecer sempre com meio tanque para evitar problemas deste tipo. Caso encontre algum combustível de qualidade pior na estrada ele pelo menos dilui com o restante que ainda está no tanque, minimizando o problema. Mas naquela ocasião não encontrei local para abastecer antes que o combustível chegasse a um nível bem baixo.
- Acidentes vistos na estrada: 0
- Paradas em obras (pare e siga): 8
- Parada forçada: 1 – MS-156 próximo a Dourados: Barreira imposta pelos índios Guarapiru. Cerca de 4 horas parado.
- Maior custo: gasolina
- Consumo de gasolina: Aproximadamente 210 litros
- Gasolina mais cara: R$ 6,67 Água Clara/MS
- Gasolina mais barata: R$ 5,60 (pelo aplicativo) Campo Grande/MS
- Total de pedágios: 19, sendo três gratuitos para motos no estado de São Paulo
- Pedágio mais caro: R$ 11,40 Rodovia PR-323 Paraná
- Pedágio mais barato: R$ 1,30 Rodovia BR-262 Minas Gerais
Considerações:
Ouvimos muito dizer que o Brasil é o Celeiro do Mundo. Esta é realmente a impressão que tive viajando pelo Mato Grosso do Sul, interior de Paraná e interior de São Paulo. Por centenas ou até milhares de quilômetros por onde passei pude ver perder-se no horizonte imensas plantações de milho, soja, café e canade açúcar. Dezenas de usinas produtoras de álcool deixavam longos trechos da estrada com o cheiro doce do melaço no ar. Como estamos na entre safra, os campos de milho e soja estão vazios, mas a magnitude das dimensões impressiona.
É muito difícil compreender por que pagamos tão caro por alimentos que produzimos nesta quantidade, mas enfim, isto é outra reflexão… Se o Brasil assumisse em relação aos alimentos a mesma postura que os Árabes assumiram em relação ao Petróleo… dominaríamos o mundo! (isso também é outra reflexão…)
A quantidade de queimadas “criminosas” às margens da estrada é impressionante. Durante todo o percurso de ida dentro do estado de Minas Gerais pude observar centenas de quilômetros de vegetação queimada e paisagens destruídas. Pouco após a cidade de Nova Serrana passei literalmente por dentro de um incêndio que havia atingido as duas margens da rodovia. Havia veículos e homens da defesa civil atuando no combate ao fogo, sem muito sucesso até aquele momento.
A condição das estradas é significativamente diferente em cada estado.
Em Minas Gerais estão os piores trechos, no Mato Grosso do Sul há trechos bons e razoáveis, no Paraná a grande maioria das rodovias estão em ótimo estado. Os trechos com asfalto ruim são muito pequenos.
Já no estado de São Paulo não encontrei nenhum local com asfalto ruim, todas as vias em ótimo estado.
A pior rodovia pela qual passei foi a MG-255, (talvez a pior em toda a minha vida) que apresenta cerca de 100 km de asfalto em condição lamentável. Pista completamente tomada por buracos, remendos e ressaltos, tornando o trafego sofrível e o desgaste do piloto e da motocicleta enorme.
As melhores estradas foram as rodovias do estado de São Paulo: SP-333 e 320.
A falta de qualidade das estradas não se resume ao asfalto precário, a falta de sinalização também é problemática. Em viagens anteriores pelo Sul do país conseguia me situar apenas pela sinalização e somente era necessário o uso do GPS para transitar dentro das cidades maiores. Desta feita foi necessário usar o equipamento nas estradas do Mato Grosso do Sul e do Triangulo Mineiro.
Chamou a minha atenção a quantidade de operações da Polícia Rodoviária Federal nas estradas do Mato Grosso do Sul. Percebi várias abordagens a veículos. Acredito que pela proximidade com a fronteira do Paraguai o combate ao tráfico de drogas/armas e contrabando seja bastante intensificado.
No Mato Grosso do Sul a topografia é bastante plana. Estradas retas e poucos declives. Num determinado ponto da BR-262 entre Três Lagoas e Ribas do Rio Pardo há uma pequena descida em curva com uma forte sinalização de “Curvas sinuosas,” “Estrada Perigosa,” “Declive acentuado,” trecho com alto índice de acidentes… Ao aproximar a primeira curva há aquelas placas com contagem regressiva: 5, 4, 3, 2, 1 e há até uma obra para construção de um recuo de emergência na descida. Cheguei a ficar preocupado com o que viria à frente. Para minha grata surpresa, a descida tem não mais que 3 km de estrada com quatro curvas, (nem tão fechadas assim) e embora apresente algum risco de acidente, não chega nem perto das estradas a que estamos acostumados em outros estados com o relevo montanhoso como Minas, São Paulo, Santa Catarina e etc… “Amadores…. kkkkk” – pensei comigo!
Apesar da brincadeira, e de realmente achar que há um certo exagero, toda sinalização na estrada me surpreendeu pela preocupação com a segurança dos condutores. É claro que segurança nunca é demais e é melhor pecar pelo excesso do que pela omissão.
Ainda no Mato Grosso do Sul encontrei alguns “bandos” de emas em meio à plantação de milho e em pastagens de gado. Segundo me informou o guia turístico de Bonito, as emas são comuns na região, mas não são utilizadas como alimento e nem são criadas pelos fazendeiros, elas apenas apareceram em algumas regiões e como não incomodam, foram deixadas por lá.
De maneira geral a gasolina mais cara é no estado de Minas Gerais e a mais barata no estado de São Paulo.
Belo Horizonte continua sendo a única cidade do país (nos 16 Estados pelos quais já passei), que cobra para se calibrar pneus nos postos de gasolina. No restante do país inteiro calibra-se pneus de forma gratuita e na maioria dos locais o frentista faz questão de auxiliar no trabalho.
A Viagem:
A primeira parada foi em Uberaba, bela cidade do triangulo mineiro, rival declarada de Uberlândia, que juntas com Araguari compõem a região dos “Três B’s:” – Beraba, Berlândia e a B… de Araguari… rsrs (a piada não é minha, é uma piada popular na região).
O tempo esteve bom, mas uma forte névoa cobriu o céu de modo que o sol somente esteve visível depois de Araxá. Clima quente e extremamente seco.
Em Uberaba aproveitei para rever meu velho amigo Guilherme Bertoldi, que não via há bastante tempo.
No dia seguinte, de Uberaba até Frutal, a viagem foi tranquila. BR-262 duplicada em boa parte do trecho, com asfalto em ótimo estado. Passando por vários canaviais e diversas usinas próximas à rodovia que deixam no ar aquele cheiro de melaço. Mais alguns trechos de queimadas, mas em quantidade bem menor do que no dia anterior.
A partir de Frutal a viagem se torna uma verdadeira via crucis… Rodovia MG-255: Asfalto terrível. Pior estrada que já trafeguei em toda a minha vida. Quase 100 km de buracos e remendos mal feitos fazem o trecho se tornar extremamente cansativo e geram enorme desgaste na motocicleta. A moto vibra e treme por completo. Moto custom realmente não foi feita para isso, a impressão é que a moto vai desmontar.
Neste dia cometi duas gafes:
O estacionamento do hotel que me hospedei em Uberaba fica a dois quarteirões do hotel. Ao buscar a moto no estacionamento esqueci o capacete e saí pela rua sem me dar conta. Parei no sinal e todo mundo ficou me olhando esquisito. Somente então percebi a falta do capacete. Tive que deixar a moto parada no canto da rua e correr até o hotel pra buscar… kkkk
Segunda gafe: parei pra tirar uma foto na estrada e coloquei as luvas sobre o banco da moto. Após as fotos, guardei o celular no bolso, arranquei a moto e saí… alguns metros à frente me dei conta e que estava sem as luvas. Obviamente elas caíram no asfalto quando arranquei a moto, então tive que retornar para recuperá-las.
Já no terceiro dia de viagem, saindo de Jales (SP), segui pela rodovia SP-320. Um tapete, rodovia padrão FIFA, até a divisa de Estados com o Mato Grosso do Sul. Após a divisa ela se transforma em MS-316. Torna-se faixa única, há uma piora na qualidade do asfalto, mas é uma rodovia transitável, nada muito crítico.
A divisa de Estados está bem ao meio do Rio Paraná, cuja travessia se dá pela ponte Rollemberg-Vuolo, ponte estreita e sem passagem para pedestres ou qualquer recuo. Não dá nem pra parar pra tirar uma foto na divisa dos estados… rsrs
Em seguida passei pela cidade de Três Lagoas; cidade muito bonita e bem desenvolvida. Ao contrário de Sete Lagoas em MG, a cidade realmente possui tantas lagoas quanto o nome indica. Uma delas, denominada a Primeira Lagoa, pude observar pela rodovia. De três Lagoas em diante estou de volta à velha conhecida BR-262. Trecho com asfalto em bom estado, pouco fluxo de caminhões e sinônimo de viagem tranquila.
Cheguei a Campo Grande (MS) no Domingo à tarde, não pude observar nenhum movimento na cidade. Absolutamente tudo fechado.
Fiquei hospedado em um bom hotel bem no centro da cidade. Apenas encontrei uma lanchonete de fast food pra fazer um lanche, visto que a cozinha do hotel também estava fechada.
Após mais um dia de jornada na estrada, hora de curtir o Sunday Night Football com a vitória do Chiefs sobre o Browns.
A imagem negativa do dia foi de vários animais mortos na estrada por atropelamento, sendo que dois deles chamaram mais atenção: uma capivara e um tamanduá.
Desde que saí do estado de Minas Gerais não vi mais queimadas ou focos de incêndios, apesar do clima muito seco e quente.
Saí de Campo Grande com destino a Bonito às 8h da manhã, seguindo pela BR-060. Rodovia em ótimo estado a maior parte do percurso. Faixa única, pouco fluxo de caminhões e asfalto com pintura nova. Até a cidade de ”Nioaque” atravessei dezenas ou centenas de km de plantações de milho.
Como estamos na entre safra, os campos gigantescos estão vazios, apenas com uma fina cobertura de folhas secas.
Segundo os moradores locais, esta época do ano é comum um forte vento lateral que chega a desestabilizar a moto e causar dor no pescoço. Enfrentei isto durante a maior parte da viagem neste trecho. Ao parar em Niaoque para almoçar um belo Arroz Carreteiro o termômetro marcava 37 graus com sensação térmica de 40 graus!
A cidade é intitulada o Vale dos Dinossauros. O extinto animal tornou-se símbolo do município depois que rastros fossilizados de um Abelissauro, com idade estimada de 140 milhões de anos, foram encontradas à beira do Rio Nioaque.
Após a saída da BR-060, passei pela cidade de Jardim, um trecho em obra da rodovia MS-382 com asfalto muito ruim e velocidade baixa, mas após este trecho a rodovia flui bem até a chegada em Bonito. Cheguei em Bonito às 15h sob um sol de 38 graus e sensação térmica de 40.
A cidade faz jus ao nome, mas somente no dia seguinte eu poderia ver de perto. Envolta em um clima de ecoturismo com uma enorme gama de atrações para seus visitantes e recém aberta sem restrições aos turistas, no “pós-Pandemia” a cidade estava com os hotéis lotados e as atrações quase totalmente preenchidas.
Consegui me inscrever para realizar um passeio no dia seguinte. Saí para visitar uma propriedade chamada “Boca da Onça”, onde são realizados vários passeios em trilhas com visitas a dois rios e nove cachoeiras. Optei por participar do passeio mais longo, chamado de trilha Discovery. Esta trilha possui cerca de 7 km de caminhada e leva praticamente o dia todo. A paisagem é indescritível. A estrutura da atração é muito bem construída, proporcionando conforto e segurança aos participantes. Há tablados de madeira e demarcações em todo o trecho percorrido, garantindo que os visitantes não causem danos às formações rochosas ou a qualquer parte da vegetação e não corram risco de queda ou acidente.
Apesar do baixo volume de água em decorrência da seca, as cachoeiras são exuberantes e a água ajuda a contornar o calor intenso a cada parada para banho.
Além da trilha que percorri, há várias outras, inclusive com possibilidade de realizar uma descida de rapel e de subir uma escadaria com 886 degraus e apreciar uma vista fantástica da região.
Ao topo da subida, chegamos ao cume da cachoeira que forma uma piscina natural com a aparência de borda infinita. Dado o baixo volume de água é possível caminhar por uma plataforma construída no meio da piscina, fazendo com que as fotos deem a impressão de que estamos caminhando por cima da água.
Ao final da trilha saboreamos um delicioso almoço incluso no valor do pacote.
Assim que iniciamos o almoço a mãe natureza nos brindou com uma deliciosa chuva que durou apenas 20 minutos e ajudou a conter o enorme calor. Durante o passeio havia caído algumas gotas de chuva, mas insuficiente até para nos molhar.
A atração fica a aproximadamente 60 km da cidade, dos quais 12 em estrada de terra.
Charlote (nome da minha motocicleta…rsrs) resistiu bem ao percurso, apesar de não ser o seu terreno mais adequado. Entretanto, passei um pequeno susto no retorno. A chuva não foi suficiente para encharcar o terreno, mas deixou pequenos pontos com barro por causa de outros veículos que passaram antes de mim, isto me causou um excesso de zelo e num determinado ponto, com velocidade reduzida passei por um cascalho solto, e ao acelerar a moto derrapou e espalhou um pouco de cascalho.
Não percebi nenhuma alteração e segui adiante, em segunda marcha. Ao chegar no asfalto acelerei a moto e segui. Quando precisei reduzir a marcha, notei grande dificuldade na redução, a marcha não entrava. Forcei bastante o pedal para conseguir. Reduzi mais uma marcha e foi a mesma dificuldade. Passei a marcha para cima e não houve problema, mas quando ia reduzir tinha dificuldade. Fiquei assustado com o que poderia estar acontecendo, mas preferi não parar na estrada. Segui até a cidade e parei no posto de combustíveis para verificar. Então percebi que havia uma pedra travando a vareta que faz a transmissão do pedal do câmbio. Na posição em que ela encaixou, somente atrapalhava na passagem para baixo. Pra cima a vareta deslizava e não incomodava. Respirei aliviado, arranquei a pedra de lá e não tive mais problema!
Após uma noite de sono restaurador sai de Bonito com destino a Alto Piquiri, PR. Após o café da manhã, dei “um banho de gato” na Charlote ainda no hotel para retirar a poeira do dia anterior, e às 8h estava pegando a estrada.
Passei novamente por Jardim, segui por Canicorã, Maracajú e cheguei em Itaporã, onde parei para um caldo de cana com pastel.
Ao seguir viagem, um pouco à frente percebi que os veículos estavam parando ao acostamento, principalmente os caminhões. Continuei avançando por entre os carros e caminhões até chegar ao final da já imensa fila formada.
Havia um bloqueio na estrada, promovido pelos índios Guarapiru, uma etnia Guarani, que vivem na região impedindo a passagem nos dois sentidos da via.
Somente permitiam a passagem de carros que transportassem idosos, mulheres grávidas, e ambulâncias. Era aproximadamente 13h, fazia 38 graus e não havia nenhuma sombra sequer para se esconder…
O jeito foi tirar a jaqueta, a bota, sentar na grama do canteiro central e observar o movimento, tentando me esconder atrás de uma placa de trânsito.
Na mesma situação em que me encontrava estavam dois outros motociclistas: Ricardo, que viajava a Dourados para visitar os pais e Jair, integrante do Moto Clube Queixada Bando, de Umuarama, que retornava para casa após alguns dias em Jardim.
Os índios prometeram liberar a pista somente as 17h. O protesto era em função da votação do chamado Marco Temporal, em curso no STF, que prevê a alteração na demarcação das terras indígenas.
O movimento era pacífico. Conversei um pouco com alguns deles sobre sua cultura e sobre o protesto. Foram bastante cordiais e me deram água para matar a sede. O sol ajudou um pouco e se escondeu atrás de algumas nuvens por um bom tempo, embora o calor permanecesse o mesmo.
Neste meio tempo apareceu outro motociclista, do Moto Grupo Lobo Negro, do Rio Grande do Sul, estava de carro com a família. Aproveitamos para conversar um pouco e trocar adesivos.
Jair me convidou para seguirmos juntos, visto que ia para Pérola, cidade onde reside e que fica próxima a Alto Piquiri, meu destino.
Pouco depois das 16h os indígenas liberaram a via. Seguimos até a cidade de Naviraí, ainda no MS, passando por Dourados, Água Boa, Caarapó e em seguida Naviraí.
Pelo adiantado da hora, não daria tempo para chegar a Piquiri sem pilotar por várias horas a noite. Jair tem um primo em Naviraí, e conseguiu que ele nos recebesse para passar a noite.
Claudemir e sua esposa nos receberam muito bem. Homem muito educado e com um papo bastante agradável, gentilmente nos convidou para jantar em um restaurante próximo à sua residência e nem sequer nos deixou pagar a conta.
Depois de um dia extremamente cansativo, um bom banho e uma cama confortável fizeram toda a diferença.
Já era quinta-feira e estava no sétimo dia de viagem. Antes de deixarmos a cidade, Claudemir nos convidou para conhecer sua Marmoraria. Gentilmente nos mostrou as instalações e as inúmeras variedades de pedras de várias nacionalidades com as quais trabalha e nos ensinou um pouco sobre o processo de preparação de seu produto. Lá pelas 9h Jair e eu tomamos de novo a estrada com destino a Pérola.
O trajeto tem alguns trechos de asfalto bom, outros nem tanto, mas conseguimos viajar a uma boa velocidade.
Paramos em uma barreira “Pare e Siga” bem em cima da ponte sobre o Rio Paraná. A ponte foi construída com molas para suportar possíveis solavancos, talvez por alguma instabilidade no solo, de modo que ao passar algum caminhão mais pesado sentíamos a ponte balançar como se fosse despencar. Lembrava a arquibancada do estádio do Mineirão nos bons tempos em que recebia um público de 100 mil pessoas… Kkk
Logo mais à frente, ainda sobre a ponte passamos pela divisa dos estados do Mato Grosso do Sul com o Paraná. Paramos para tirar umas fotos sobre o rio e seguimos para Porto Camargo, uma pequena comunidade à beira rio onde pudemos apreciar um ótimo filé de Pacu em um restaurante às margens do Rio Paraná. Jair também não me deixou pagar a conta no restaurante.
No Restaurante conhecemos um cidadão de nome Gilson, impressionado com nossas motocicletas fez algumas comparações entre motos e cavalos e entre eventos de Motociclismo e Cavalgadas, das quais disse ser participante assíduo e grande apreciador. Sujeito bastante simpático.
Seguimos pela estrada em bom ritmo, sem pressa e parando eventualmente para fotografar algum ponto interessante até chegarmos à residência de meu irmão de estrada.
Gentilmente fui apresentado à sua mãe, que naquela data completava 88 anos de idade e seu pai que faria 89 anos dois dias depois. Também estavam presentes dois de seus irmãos.
Jair me convidou a conhecer seu ateliê, onde trabalha na construção de móveis rústicos de madeira e pude observar enormes mesas e cadeiras de madeira maciça além de vários troncos de árvores já cortados e sendo preparados para a construção de outros móveis.
Após um breve descanso e um bate papo com o pai do meu novo amigo, segui viagem para Alto Piquiri, aonde cheguei por volta de 16h30, indo diretamente para a igreja de São José, meu objetivo final da viagem.
No oitavo dia da viagem acordei as 4h40 para assistir à missa na Igreja de São José. Às 5h45 estava na igreja, à postos. Fui muito bem recebido pelos irmãos da paróquia, que faziam questão de saber de onde eu vinha e se diziam surpresos por saber que viajara de tão longe, de moto. Participei da celebração, mas infelizmente o Padre Mário, a quem tanto desejava conhecer pessoalmente, não estava presente. Havia viajado no dia anterior para participar de celebrações em outras cidades e somente retornaria no Sábado.
Retornei para o hotel, preparei a bagagem, limpei os alforjes, lubrifiquei alguns pontos da motocicleta com WD40 e às 9h em ponto deixei Alto Piquiri e ganhei o caminho de casa.
Primeiro trecho com rodovias bem ruins. Faixa única, muitos buracos e vários trechos em obra, com aquela operação “tapa buraco”, que na verdade deveria se chamar “tapa o sol com a peneira,” pois não resolve o problema, apenas camufla.
Passei por várias rodovias estaduais no Paraná, sendo que somente as rodovias pedagiadas estão em bom estado e o valor do Pedágio é bem caro. Todo o trecho entre Londrina e a divisa do estado está em obra de duplicação, mas a obra não prejudica o fluxo.
Chegando à divisa com o estado de São Paulo, rodovia PR-323, que após a divisa se torna a SP-333, há um Pedágio no valor de R$ 11,40 (para moto) e menos de 1 km depois, no lado de SP há outro Pedágio, no valor de R$ 4,50 (para moto). No mínimo abusivo.
Segui a rodovia SP-333 até a cidade de Marília.
Ao chegar à cidade me dirigi diretamente a um posto de combustível. Abasteci a moto, lavei o para brisa e os faróis, calibrei os pneus, lavei e lubrifiquei a correia, conferi alguns parafusos, enfim, deixei tudo pronto para sair bem cedo no dia seguinte!
No último dia tomei meu café da manhã no Hotel e saí as 07h30 em direção a BH. Seguindo ainda pela SP-333, cruzei as cidades de Júlio Mesquita, Guarantã, Borborema, onde parei por alguns instantes para admirar e fotografar o Rio Tietê, numa condição bem diferente da que vemos na cidade de São Paulo: limpo e majestoso!
Deu pra perceber o quão baixo está o volume de água em função da seca. Galhos de árvores que normalmente ficam submersos estão bem aparentes no meio do Rio.
Seguindo viagem passei por Taquaritinga, Jaboticabal, Barrinha e Sertãozinho, até chegar a Ribeirão Preto.
Há uma rodovia que contorna a cidade, mas preferi passar por dentro e acabei circulando por uma via repleta de oficinas e lojas de motos… Aproveitei então para deixar a moto numa oficina para conferir o óleo e apertar um pouco os parafusos do “mata cachorro” e do “peito de aço”, imaginando que podiam estar um pouco frouxos, pois sentia neles uma vibração excessiva. Enquanto isso fui fazer um lanche e sacar algum dinheiro para os pedágios que viriam à frente.
O óleo estava ok, os parafusos foram apertados e segui viagem!
Daí em diante, até a chegada em Belo Horizonte não houve sustos ou percalços. Estradas todas em bom estado, fluxo normal de veículos e caminhões. Algumas paradas para fotos, hidratação e abastecimento em São Sebastião do Paraíso, Passos, Capitólio e Formiga e por volta das 20h de sábado estava em casa.
Viagem Padrão FN!
Irretocável. Se algo pudesse ser diferente apenas gostaria de ter conseguido assistir à missa com o Padre Mário em Alto Piquiri. Mas como me disse um morador da cidade, “talvez seja a providência divina querendo fazer com que você volte em breve à cidade”. Desta forma, o que posso dizer… apenas que voltarei em algum momento, num futuro próximo. No mais, nenhuma intercorrência, nenhum problema, nenhum susto e nenhuma dificuldade!
Isto é tudo que um aventureiro deve esperar de uma viagem de motocicleta: poder curtir a estrada, conhecer pessoas e lugares, apreciar a natureza, vivenciar o aprendizado de culturas e o crescimento pessoal que uma boa viagem nos traz, aproveitando todas as instâncias do motociclismo e do mototurismo, tudo isto numa perfeita simbiose homem-máquina.
Um bom planejamento é fundamental pra que tudo ocorra de forma satisfatória. Pequenos detalhes podem fazer enorme diferença quando se está na estrada sozinho, portanto, é de suma importância que dediquemos bastante tempo na preparação. É necessário gastar “mais tempo amolando o machado do que cortando a lenha.” (parábola do lenhador)
É muito emocionante conhecer e interagir com pessoas em todos os lugares e sempre ouvir aquelas perguntas:
- Nossa, você viajou isso tudo de moto?
- Você não fica cansado?
- Não é perigoso?
- Quanto tempo você levou?
- Como você consegue carregar tanta coisa aí dentro?
E a mais clássica de todas:
- O seu braço não dói com esse guidão? (o famoso Seca Suvaco) Kkkkkkk
Alguns motociclistas se irritam com estes questionamentos, mas eu particularmente me sinto lisonjeado com o interesse e a curiosidade das pessoas.
Mais um Estado conquistado e mais um pedacinho do braço tatuado! (Fiz uma tatuagem do mapa do Brasil no braço e cada estado desbravado é colorido no mapa).
O sonho agora é completar os 26 estados da Federação mais o Distrito Federal. Faltam apenas 11 (os mais longínquos e dificultosos… kkkk). Agora é continuar sonhando, planejando e realizando, afinal:
O pensamento cria, o desejo atrai e a fé realiza.
Leonardo Loureiro – Falange Negra Moto Grupo
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