Cheguei a Alto Caparaó na quarta-feira, 11 de setembro, com a alma inquieta e a motocicleta pronta para mais uma aventura. A cidade, encravada na base da Serra do Caparaó, é o portal para um dos mais fascinantes e desafiadores destinos de montanhismo do Brasil: o Pico da Bandeira, o terceiro ponto mais alto do país, com seus impressionantes 2.892 metros de altitude. Mas eu sabia que a verdadeira conquista não estava apenas no topo, e sim em cada passo da subida.
Na manhã do dia 12, às 9h, com uma mochila com cerca de 9 quilos nas costas – carregada com barraca, saco de dormir, roupas, comida leve, lanterna, sandálias extras e cantil com 1,5 litros de água –, comecei minha ascensão. Deixei a Praça da Matriz e percorri os primeiros 2,2 km até a entrada do Parque Nacional do Caparaó, administrado pelo ICMBio. O sol já estava alto, e eu sabia que o caminho seria longo e íngreme.
Dali, a jornada realmente começou. A subida até a Base Tronqueira – 6 km de pura inclinação, com rampas de 30 graus que desafiam o físico e a mente. Ao chegar à Tronqueira, por volta das 14h, a altitude de 1.936 metros já me proporcionava um ar mais rarefeito e uma vista que começava a revelar a grandiosidade da serra. A natureza ao redor era exuberante, mas o silêncio do acampamento vazio trouxe uma solidão inesperada. Tomei um banho gelado, revigorante e necessário para continuar a subida, mas a ausência de outros montanhistas para compartilhar o momento foi um pouco frustrante.
Às 17h, com o corpo revigorado, comecei o trecho até o Terreirão. Foram mais 3,2 km de subida, dessa vez enfrentando um terreno ainda mais desafiador, com pedregulhos e a constante sensação de isolamento. A temperatura caía rápido, chegando a 6°C, e a escuridão já abraçava a serra. Subi devagar, com cuidado, consciente de que qualquer acidente ali significaria horas de espera por socorro.
Cheguei ao Terreirão por volta das 21h, onde a temperatura já beirava 1°C. A Casa de Pedra, uma estrutura simples mas acolhedora, tornou-se meu abrigo. Montei meu colchão de camping, entrei no saco de dormir e fiquei em silêncio, meditando, cercado pela imensidão da montanha e pelo frio cortante da noite.
Às 00h45, com a mente firme e o corpo preparado, recomecei a subida para a etapa final: 3,6 km até o Pico da Bandeira. O vento gelado soprava sem piedade, e o terreno exigia uma “escalaminhada” cuidadosa. O céu, no entanto, me presenteou com um espetáculo indescritível. As constelações brilhavam com uma nitidez impressionante, revelando a Via Láctea em todo seu esplendor. Vi as Plêiades, Sírius, Aldebarã, o Cruzeiro do Sul. Estrelas cadentes cortavam o céu a todo instante. A beleza daquilo foi de tirar o fôlego, uma experiência que parecia suspender o tempo.
Os últimos mil metros foram os mais desafiadores. O corpo exausto, os pulmões exigindo mais ar, mas a determinação em concluir a subida era maior. Aos 63 anos, com a alma forjada nos desafios da vida e no rigor da EsFAO (Escola de Aperfeiçoamento e Formação de Oficiais da PM de Tiradentes), alcancei o cume às 04h58.
Ali, no topo do Pico da Bandeira, o mundo parecia pequeno. Quando o sol começou a nascer às 05h38, iluminando o horizonte com tons de laranja, rosa e dourado, senti uma profunda gratidão. Ver o Astro-Rei surgir do alto da montanha é uma experiência apoteótica, algo que transcende o físico e toca o espírito. Cada dor e dificuldade da subida foram recompensadas naquele momento de pura contemplação.
No entanto, a verdadeira prova de resistência não estava na subida, mas na descida. Descer a montanha é uma tarefa que exige foco absoluto. Cada pedra solta, cada desnível se torna uma armadilha. A pressão constante nos joelhos e tendões faz o corpo gritar por alívio. É nesse momento que o montanhista precisa estar em alerta máximo, para que o cansaço não o traia.
Ao chegar de volta à Tronqueira, tomei outro banho gelado – uma verdadeira crioterapia, com a água a 6°C – e senti meu corpo reviver mais uma vez.
Mas a jornada ainda não havia acabado. No hotel Serras Azuis, em Alto Caparaó, peguei minha moto e enfrentei a BR-262, uma rodovia de tráfego intenso e obras que tornaram a pilotagem um desafio à parte.
Finalmente, às 18h, cheguei à casa do Coronel Coutinho, em Vitória. Fui recebido como um filho, e o conforto de um colchão macio e de um ar condicionado me fez sentir como um rei em seu palácio.
Hoje, após uma caminhada pela orla do Atlântico, na Avenida Dante Michelini, em Jardim Camburi, reflito sobre a grandeza de cada momento vivido nesta aventura. Não foi apenas uma escalada; foi uma jornada espiritual, uma prova de superação, e um lembrete de que, com fé e determinação, os limites do corpo podem ser vencidos.
Finalizo agradecendo ao Todo Poderoso que nos deu os Amigos, pessoas simples como você, meu irmão, que leu este pequeno relato de uma aventura intensa
Deus é bom o tempo todo. Louvado seja Seu Nome.
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