De Norte a Sul em duas rodas

Da Transamazônica diretamente para um baile de casamento em Belo Horizonte: Luiz Felipe de Araújo Miranda, de 34 anos, não se fez de rogado e chegou à festa do amigo com barro de cima a baixo, depois de uma aventura de 30 dias de moto. Para desespero da noiva, os convidados a deixaram de lado e correram para tirar foto com Felipe e sua motocicleta. Mais calmos depois da surpresa, os recém-casados também resolveram brincar com a situação e registrar o momento fazendo cara de nojo diante da roupa enlameada de Miranda. Essa é somente uma das muitas histórias do aventureiro que trilha, sozinho, o Brasil em duas rodas e que, em breve, deve lançar um guia.

Questionado sobre por onde já passou no país, Felipe brinca que é mais fácil dizer aonde não foi: no Amapá. “Pelo território brasileiro só é possível chegar e sair desse estado por água. Dá para ir pela Guiana Francesa, mas a entrada lá é mais burocrática que nos EUA”, explica Miranda com certo exagero, afirmando também que o estado está na lista de destinos de 2013. Sua primeira grande viagem foi na época da faculdade de design, há dez anos – e de bicicleta. Ele rodou o litoral brasileiro por um mês, com apenas R$ 700 no bolso. Dormindo em pracinhas e nas casas de locais, o dinheiro deu até para alguns copos de cerveja vez ou outra. “Eu chegava à cidade e procurava os hippies. Depois de fazer amizade, eles me indicavam lugares baratos, ou gratuitos, para dormir”, conta.

Mineiro, que sempre viaja de moto pelo Brasil, agora quer conquistar o Amapá, único estado por onde ainda não passou. Para ele, o guidom, a estrada e o desconhecido se tornam terapiaLiberdade é o clichê mais verdadeiro que motiva Felipe a prosseguir Brasil afora em cima de sua moto. “Até então eu não sabia por que valia a pena viver. Agora eu saio e, quando volto, os problemas nem parecem tão grandes mais”, afirma. Miranda viaja, especialmente, porque quer conhecer todo o Brasil que, segundo ele, é muitas vezes rejeitado como destino turístico pelo próprios brasileiros. “Quando se pensa em viajar por aqui, só se lembra do litoral. Precisamos explorar mais nossa terra em vez de valorizar só o pasto do vizinho”, ressalta. Para ele, a máxima de que viajar para fora é mais barato não passa de lenda. Em uma viagem pelo Norte da Argentina, ele se sentiu assaltado diante dos preços, principalmente da gasolina, que custava o equivalente a R$ 3,50 o litro.

De suas andanças, o passeio de que o aventureiro mais gostou foi pelos cinco mil quilômetros da rodovia Transamazônica, entre a cidade de Cabedelo, na Paraíba, e Lábrea, no Amazonas. Para ele, a estrada é um resumo do que é o Brasil. “Ela começa no litoral e dá na floresta, mostrando a dimensão do território brasileiro. Você vê muito verde, flora e fauna rica, mas também se depara com garimpo, desmatamento e impunidade. Enfim, contrastes”. Felipe esclarece que, ao contrário do que se imagina, a rodovia tem trechos excelentes, como no Maranhão.

Em Mato Mato Grosso, os índios cobraram pedágio do motociclista e, pasmem, entregaram recibo pela taxa. No Pará, Felipe descobriu uma estrada clandestina em Uruará. O caminho, além de ser utilizado para o transporte de madeira ilegal, foi rota de fuga de assaltantes de um banco. Em Sergipe, ele encontrou três senhoras, recém-viúvas, que resolveam viajar de carro pelo Nordeste. Já em Minas, no ano passado, ele pegou enchente na estrada. E, ao contrário dos carros que ficaram parados, entrou por uma trilha alternativa e seguiu viagem. Apesar da má fama das BRs mineiras, para ele a rodovia mais perigosa é mesmo a BR-101, na Bahia. “Uma estrada muito cheia, sem acostamentos e com motoristas estressados querendo ultrapassar”, diz.

A última viagem, entre dezembro de 2012 e o início deste ano, foi para o Sul do país, a fim de participar de um evento das Viagens de Moto da América do Sul (VMAS – http://on.fb.me/UnBmHA), comunidade de ajuda mútua, que existe há oito anos. Depois do encontro, ele decidiu pegar estrada sem rumo. A Serra do Rio do Rastro, com sua espetacular vista, e as cidades de Torres (RS) e Itapiranga (SC), fizeram parte da rota. Os trinta e cinco dias custaram cerca de R$ 4 mil, incluindo as despesas com combustível, alimentação e hospedagem.

PRÉVIA DA ESTRADADa Yamaha Ténéré de 600 cilindradas, de 1991, Felipe não se descuida. Para ele, a preparação ideal para suas viagens é estar com a revisão da moto em dia. Apenas por prevenção, ele leva um kit com cabo de embreagem e de acelerador, spray de remendo para os pneus e emenda de corrente. Reparos básicos na motocicleta ele garante que sabe fazer. O motociclista não economiza em equipamentos de segurança, pilota sempre de joelheira, cotoveleira e usa ainda um protetor de coluna, que custa cerca de R$ 1 mil.

Curiosamente, Miranda não utiliza GPS em suas viagens. Esse tipo de aparelho próprio para motos custa, em média R$ 2 mil, porque é mais resistente a vibrações e chuva, além de emitir mais luz para compensar o reflexo do sol. Felipe prefere o tradicional mapa mas, da última vez, deixou o preciso papelzinho voar e andou um pouco perdido até comprar outro em um posto de gasolina.

Hoje em dia, ele leva pouquíssimas mudas de roupas na bagagem, cerca de quatro camisetas e duas calças. Sempre que chega a um hotel, lava as peças e põe para secar (tirando as meias, que sempre são descartadas e novos pares adquiridos no supermercado mais próximo). A mochila de hidratação é sua fiel companheira, além das barrinhas de cereais para aguentar as longas horas até chegar em algum restaurante.

“Até então eu não sabia por que valia a pena viver. Agora eu saio e, quando volto, os problemas nem parecem tão grandes mais”

Lado cinza das rodovias

Nem só coisas boas foram vistas pelo motociclista. A extração ilegal de madeira no Pará, a prostituição infantil no Nordeste, além de queimadas, foram alguns episódios que o deixaram assustado no caminho. “No Piauí, uma menina de no máximo dez anos se oferecia aos motoristas na rodovia. Os pais ficavam a poucos metros dali, na porta da casa às margens da via, só observando. O programa era R$ 10, mas a garota fazia pela metade”, relembra com pesar.

Também no Nordeste, policiais tentaram persuadi-lo a suborná-los para evitar uma multa por excesso de velocidade, mesmo sem nenhuma aparelho de medição em mãos. Na época, a GoPro, câmera portátil que ficava fixa em seu aparelho, foi a salvação. Ele contou para os policiais que ela transmitia, ao vivo e com recursos de geolocalização por satélite, todo o seu trajeto. Os agentes caíram na conversa e o mandaram seguir.

Em suas viagens, Felipe descobriu também uma triste realidade: o abandono de animais em rodovias, com o intuito sórdido de que eles sejam atropelados e morram. Protetor convicto dos bichos, ele já perdeu as contas de quantos filhotes de cachorro retirou da via e levou consigo. No Rio Grande do Sul, ele pegou um cãozinho na estrada e, ao tentar devolvê-lo a uma casa próxima, o patriarca da família lhe disse que ele mesmo havia colocado o cão lá. Depois da confidência, o motociclista carregou o cachorro e um morador que passava de bicicleta o levou para um novo lar. Veja abaixo um vídeo deste momento.

Felipe Miranda é designer gráfico e sócio da Moto Grife Camisetas de Moto.
Fecebook: www.facebook.com/motogrife
Página das viagens no facebook: www.facebook.com/facebrasilmoto

Texto: Estado de Minas
Fotos: arquivo pessoal

Abaixo, algumas fotos da última viagem realizada pelo Felipe, pelo Sul do Brasil.


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