De Brasília a Paraty passando pela Estrada Real

Apesar de ter feito algumas pequenas viagens de moto, essa aventura de 3.000 km parecia algo muito grande pra mim. Eu sairia de Brasília, passaria por Belo Horizonte e percorreria parte da Estrada Real. Essa era a ideia inicial. Depois, acabei usando a Estrada Real como uma referência, fiz umas adaptações para poder curtir com mais calma a região de Visconde de Mauá e, como já conheço Ouro Preto e Tiradentes e não dispunha de muito tempo, acabei “construindo um novo caminho”.

A trip que estava sendo planejada, se comparada com outros relatos que já vimos aqui, não era tão grande como eu imaginava. De qualquer forma, nem todos começam suas aventuras em duas rodas com longas viagens.

Sou um cara “um pouco” ansioso e se isso por um lado me incomoda, pelo outro me ajuda a planejar as coisas com muita antecedência e detalhadamente. O planejamento minucioso é algo importante numa viagem de moto para você evitar surpresas desagradáveis e poder se antecipar a eventuais problemas.

Relatos e dicas de outros viajantes me ajudaram bastante, mas é preciso ter uma visão crítica. Algumas vezes as dicas acabam se mostrando incompatíveis entre si ou vão contra aquilo que você pensa, aprendeu ou deseja fazer. Tentar conciliar esses aspectos é o ideal.

Por um lado, eu queria planejar para me sentir seguro, minimizar riscos e evitar surpresas. Pelo outro, não queria ser rígido demais, afinal de contas motocicleta é – acima de tudo – liberdade. Essa é a principal razão pela qual eu subo numa moto. Eu não ia fazer um rali de regularidade. Queria curtir o vento, a paisagem, o cheiro da estrada. Não queria ficar refém de planilhas, cálculos milimétricos de horários de chegadas e partidas. Eu queria ser mais leve, mas a minha natureza tenta me levar a ter esse controle de tudo.

Meu planejamento previa paradas com uma certa folga. Procuraria abastecer a cada 150 km no máximo. Se a moto estivesse com a revisão em dia (isso, obviamente, é fundamental antes de coloca-la na estrada), o consumo não iria variar muito. Estimar custos é importante pra não ficar pelo caminho. Como o nome diz, é só uma estimativa. É bom ter um orçamento mais elástico, contando com imprevistos. Também acho legal ter uma tabela aonde devem ser anotados todos os gastos. É bom para ter o controle financeiro e acabar não gastando mais do que o previsto. Acho legal, mas não fiz isso. Comecei anotando tudo. Depois, não tive mais paciência.

Outro detalhe importante para que nada seja esquecido é um check-list. Deve ser muito chato andar 50km e lembrar que deixou o carregador do celular ou o cartão de crédito pra trás.

Eu tinha somente 12 ou 13 dias de viagem. Meu roteiro: Brasília – Belo Horizonte – Visconde de Mauá – Paraty – Rio de Janeiro – Belo Horizonte – Brasília.

Na estrada

A primeira etapa foi de Brasília para Belo Horizonte, pela BR-040. São 736 km. Resolvi fazer um pit stop e dormir em Três Marias (MG). A estrada está muito boa, mas o preço a pagar são os pedágios. Entre Brasília e Belo Horizonte são sete. A moto paga 50% dos valores dos automóveis. Isso ajuda um pouco. O maior inconveniente é a “logística” ao parar nas cabines. Retirar luvas, procurar dinheiro, pegar o troco… De qualquer forma, entendo que é melhor pagar pedágio do que trafegar por estradas esburacadas e sem segurança. Depois do primeiro pedágio você se acostuma e deixa toda a grana reservada pra isso no mesmo bolso. Nesse trecho, não há grandes atrativos pelo caminho. Deve-se ter atenção à fumaça provada pelas queimadas e aos primeiros cinquenta quilômetros – entre de Brasília e Luziânia (GO) -, pois há inúmeras lombadas eletrônicas e muitos caminhões trafegando. De Três Marias até Belo Horizonte, exceto na chegada onde o trânsito é muito intenso, o trajeto é bem tranquilo.

Entre Brasília e BH

Essa primeira parte da viagem fluiu muito bem. A moto – uma Honda NC700-X, ano 2013 – estava fazendo em média 25 km/l. A bagagem era composta por três baús, sendo o traseiro de 46 litros totalmente carregado e os laterais (com 42 litros cada) com o capacete e as roupas de viagem da minha esposa, que iria me acompanhar a partir de Belo Horizonte.

Aproveito para destacar a ótima companheira de viagem que ela foi. É muito importante o comportamento de quem vai na garupa. Ela anda comigo há muito tempo e sabe exatamente o que deve ser feito, qual a posição nas curvas, etc. O baú traseiro tinha um encosto que lhe deu mais conforto, não ficava o tempo todo se apoiando em mim, mas estava se sentindo segura. Também colaborei não excedendo muito na velocidade, afinal de contas queríamos curtir a estrada e não estávamos com pressa.

Importante lembrar de combinar com sua(seu) parceira(o) a hora de subir e descer da moto. Você pode estar distraído e ao subir na moto o(a) carona pode te desequilibrar. Temos um código. Ela fica ao meu lado e eu dou um sinal de positivo. Só então ela sobe. De tempos em tempos também dou uma cutucada pra ter certeza que ela não está pegando no sono no meio da viagem. Pode parecer piada, mas li relatos que isso de vez em quando acontece.

Saindo de BH e indo para Visconde de Mauá

Combinamos que a cada 100 km iríamos parar para esticar as pernas, hidratar, abastecer, limpar o visor do capacete, ir no banheiro e descansar um pouco. No início, seguimos isso. Com o passar da tempo, acabamos percebendo que podíamos andar um pouco mais e acabamos fazendo paradas em intervalos maiores.

O resto do que foi planejado foi seguido à risca. Na minha preparação, li sugestões de não fazer reserva em hotéis, pois isso poderia “amarrar” demais a viagem. Eventualmente você pode querer ficar mais um dia numa cidade ou ter algum problema na moto e perder o dia em outra, etc. Eu preferi deixar os hotéis reservados, pois além de gostar de planejar tudo com antecedência, eu precisava – e queria – estar no Rio de Janeiro no dia certo. O Rock in Rio não ia me esperar. De qualquer forma, em uma próxima oportunidade vou seguir o conselho. Senti falta de um dia a mais em Paraty, por exemplo.

Visconde de Mauá

A segunda etapa da viagem foi o trecho Belo Horizonte – Visconde de Mauá. O planejamento desse trajeto foi o maior vacilo da viagem. No início, tudo certo. Pegamos novamente a BR-040. Dessa vez em direção a Juiz de Fora. Passamos por Santos Dumont e pegamos a direita a BR-267 (uma parte da Estrada Real).

Estrada Real a caminho de Mauá

Apesar da chuva, que começava a castigar, a estrada é uma delícia. Pista simples, mas muito bem sinalizada. Asfalto excelente e paisagens belíssimas. Aonde errei? Quando eu analisei o mapa, pela internet, entendi que a melhor opção seria seguir pela BR-267, passar por Bocaina de Minas e seguir pela RJ-151. O que a internet não mostrou (ou eu não soube ver) é que a estrada, após Bocaina de Minas, é praticamente inexistente. Se estivesse com o bom e velho mapa de papel não teria cometido esse erro. Na verdade nem sabíamos ao certo se estávamos mesmo na tal “rodovia”. Seguimos as dicas das poucas pessoas que vimos pela frente, perguntamos aqui e ali e enfrentamos um trecho de terra e lama de aproximadamente 40 km sob chuva, neblina e frio.

Enfrentando chuva, neblina, lama e frio a caminho de Mauá

Foi ficando noite e Mauá não chegava. O lugar é lindo, mas nós não conseguimos curtir. Obviamente se tivesse planejado melhor, eu não teria encarado esse trecho ou teria me preparado psicologicamente e, certamente, saído bem mais cedo de Belo Horizonte para não enfrentar isso tudo durante a noite. Foi meio traumático, mas no final conseguimos chegar a Visconde de Mauá – na verdade um pouco depois, em Maringá (MG), onde era a nossa pousada – sem maiores problemas.

A região toda de Visconde Mauá é maravilhosa. Ficamos hospedados em uma pousada encantadora às margens do Rio Preto (um riacho muito charmoso, na verdade) que faz divisa entre os estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Ficamos no lado mineiro, em Maringá.

Deixando ela descansar um pouco na porta da pousada

Um pouco mais à frente chega-se a Maromba (no lado do Rio de Janeiro), onde fica a famosa Cachoeira do Escorrega. Impossível ir até lá e não desce-la. Apesar da água gelada a aventura vale a pena, a região é muito linda. Tem restaurantes deliciosos que nós estávamos ansiosos para matar a saudade.

Indo pra cachoeira do escorrega na divisa RJ/MG

Chegamos numa segunda-feira e nossa saída estava planejada para quinta. O problema é que durante a semana as opções gastronômicas ficam muito limitadas. Quase todos os restaurantes estavam fechados. Uma pena. Por outro lado as cachoeiras ficam quase que exclusivas para você. Uma ótima opção é o passeio para conhecer as Cachoeiras do Acantilado, distante cinco quilômetros de Maringá. Imperdível. A estrada é de terra, mas o passeio compensa muito. O lugar é fenomenal.

Maromba
Cacheira do Escorrega
Cachoeiras do Acantilado. Caminho para nove quedas d’água

30 km dali é possível visitar Penedo. Outro passeio que vale muito a pena. Após três dias, seguimos para Paraty.

Paraty

Sou carioca, nascido e crescido no Rio de Janeiro e – acreditem – não conhecia Paraty. Quanto tempo perdido! A cidade é uma delícia. São muitas opções gastronômicas e de lazer. Paraty tem um pouco de tudo e muita história. Do cais saem diversos barcos, lanchas e escunas. Fizemos um passeio de cinco horas ao preço de R$ 50,00 por pessoa.

Conhecemos a Praia do Algodão, Ilha da Cotia, Praia da Conceição, dentre outras. É imperdível. Há opção de almoçar a bordo, mas preferimos segurar a fome e comer em um dos restaurantes da cidade. Escolhi a pousada pela internet. Apesar de constar que ficava a uma curta caminhada do centro histórico na verdade não era possível ir à pé. Minha vontade era dar um descanso pra moto e fazer tudo caminhando. Por isso recomendo atenção na escolha do local. Ficamos somente dois dias em Paraty, pois precisávamos chegar ao Rio no sábado. O ingresso para o Rock in Rio no domingo estava na bagagem! Ficou uma vontade enorme de voltar e passar mais tempo na cidade.

Paraty – Rio de Janeiro

No Rio não fizemos passeios turísticos, pois sou de lá e a ideia era curtir o Rock in Rio, descansar um pouco e matar a saudade da família. O que vale a pena destacar agora é a estrada até lá.

A Rio-Santos tem trechos deslumbrantes e a pista está muito boa. Há um trecho um pouco chato até Angra dos Reis pelo excesso de pardais que limitam a velocidade a 40 km/h. Fora isso, é só curtir o visual. Maravilhoso. Aproveitamos para parar um pouquinho na Usina Nuclear de Angra e conhecer um pouco a sua história. Não marcamos com antecedência, por isso não foi possível conhecer todo o complexo, mas fomos recebidos num centro de visitação, assistimos um vídeo institucional e conversamos bastante com um servidor que demonstrou muito orgulho de trabalhar ali.

Visita à Usina Nuclear de Angra

A chegada ao Rio foi um pouco tensa. Eu queria chegar pela Barra da Tijuca, passar por São Conrado e demais praias da zona sul, etc. Fiz esse caminho e chegamos bem, mas após passar por Itaguaí enfrentamos um trânsito caótico em Santa Cruz até chegar em Guaratiba e de lá para Barra, etc. Talvez se tivesse pego a Avenida Brasil a chegada teria sido mais tranquila.

chegada ao Rio
Encontrando um brother no Rock in Rio

Rio – Itaipava – Belo Horizonte – Brasília

Saindo do Rio fizemos uma pequena pausa na entrada de Petrópolis para matar a saudade do famoso croquete de carne de uma tradicional casa de lanches e seguimos para encontrar familiares em Itaipava. A cidade é um charme e a estrada até lá, idem. Um tapete.

Rio – Petrópolis
Rio – Petrópolis
Chegando a Itaipava
Voltando pra casa

Acabamos engrenando na conversa e demoramos muito pra seguir viagem. A BR-040 está em boas condições, mas quando estávamos em Conselheiro Lafaiete (MG) anoiteceu, faltando 100km pela frente e muitos caminhões até Belo Horizonte. De lá eu seguiria sozinho até Brasília.

Viajar de moto não é uma escolha racional. Você passa por dificuldades algumas vezes, sente medo em outras, tem vontade de comprar algo que não pode carregar. Sente calor, frio, um vento que às vezes quer te derrubar, uma zoeira absurda dentro do capacete muitas vezes, um monte de inseto morrendo na sua viseira, sente cheiros dos mais diversos, muito cansaço…

Andar de moto tem tudo isso aí, mas acima de tudo dá muito prazer. Você fica louco pra chegar o outro dia e pegar a estrada novamente.


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