Viagem de moto pelas Américas

A odisseia de um septuagenário

Viagem de moto pelas Américas

Motos grandes e rápidas e veículos de apoio são para os fracos. É o que prova o inglês Simon Gandolfi, de 73 anos, quando ele compra uma “pequena moto de entrega de pizza” no México e percorre toda a América Espanhola até chegar a Ushuaia.

Por que um homem razoavelmente são, aos 70 anos, percorre a América latina em uma motocicleta de pequeno porte – um homem que está acima do peso, sofreu dois ataques cardíacos, tem um problema nas costas e sobrevive com uma pequena aposentadoria? A idade tem muito a ver com isso. Minha esposa é mais jovem que eu quase 30 anos. Eu suspeito que os nossos filhos, na adolescência tardia, me consideram um embaraço. Eu sou confundido com o seu avô – ou um velho vagabundo.

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Então, é uma tentativa de provar para mim e para minha família de que eu posso fazê-lo. E para os outros solitários da minha idade que é possível e é uma experiência estimulante.

Eu escolhi uma moto de 125cc da Honda para a viagem, a moto original de entrega de pizza. Eu pude comprar uma moto nova no México por 1.200 Libras, ela é fabricada no Brasil, as peças estão disponíveis em toda a América hispânica, faz mais de 30 km / l; minhas pernas têm força suficiente para mantê-la em pé e eu posso levantá-la após uma queda.

Finanças e tempo regeram meus preparativos. Eu comprei uma roupa grossa e um par de sapatos de igreja forte em uma loja de caridade de Hereford, embalagens térmicas e um estoque de seis meses de medicamentos para o coração. Inseguro? Para um motociclista de 70 anos? Eu não penso assim.

Uma passagem aérea barata com a Aer Lingus me levou para Boston, seguindo para o sul pela Amtrak. Eu havia conhecido cidades grandes dos Estados Unidos em visitas anteriores: Nova York, Los Angeles, Miami, Dallas. O que eu vi? Predominantemente planas, inúmeras cidades pequenas, casas de tábua idênticas, grandes carros gastadores enferrujados e pickups monstro no quintal. Eu comentei com um colega de viagem sobre a bandeira dos EUA na frente de quase todas as casas.

“Os pobres vivem perto da linha férrea. Seus filhos estão nas forças armadas.”

Arkansas foi a surpresa. Eu tinha imaginado fazendas e sujeira. A realidade eram colinas verdes e árvores magníficas.

Finalmente, Dallas e, na casa de um velho amigo, um texano de verdade. Ele e três velhos amigos haviam planejado um fim de semana em motos. Segui em um Hummer como passageiro.

Tijax on bridge

Colombo afirmou que o mundo era redondo, mas ele nunca cruzou o Texas Panhandle. A estrada corre plana e reta, e não tem uma casa, nem animais, nem mesmo uma árvore. Os garotos nas motos subiram em um monte. No Panhandle éramos como pequenas peças em um tabuleiro. Chegamos ao final do tabuleiro e caímos fora.

Eu viajei para o sul no ônibus expresso de Dallas para Veracruz, no Golfo do México: 1200 quilômetros, 36 horas, US$ 115. Os amigos me achavam louco. Um ônibus dirigido por um mexicano – equivale ao suicídio. E andar de moto através de minúsculos países controlados pela bandidagem! Mais policiais corruptos e funcionários da fronteira!

A nova moto me aguardava na agência Honda em Veracruz. Eu fui confrontado com o primeiro oficial ao registrar a moto. Comprovante de residência era obrigatória. Uma conta de energia era suficiente. O oficial apresentou sua própria conta de energia e me chamou de avô. Mantenha nas estradas principais, alertou. Em outros lugares existem bandidos…

Eu levei a moto para um passeio preliminar pela Velha Veracruz, e pelas ruínas da primeira casa de Hernando Cortés. A partir dali que Cortés partiu para a conquista do México. Exércitos astecas devem ter sido um grão de areia comparados com o tráfego na avenida urbana. Esta foi a minha primeira viagem em 40 anos. Três milhas e meu polegar e músculos da coxa doeram. O teste foi ridículo. Hora de admitir a derrota. Volte para casa, rabo entre as pernas. Dê a face para a zombaria dos amigos e vizinhos.

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Fui salvo pela meditação. “Om” nunca fez isso por mim – nem mesmo na mística década de 60. Em um restaurante de beira-rio na Velha Veracruz, eu meditei sobre um prato de camarão perfeitamente preparado com pimentão – camarones el diablo. Eu respirava o familiar e forte perfume tropical de alho e cebola, peixe frito, frutas, folhas em decomposição e terra úmida. Um barco passava rio acima, pássaros cantando, as crianças correndo, um divertido trio tocando músicas mexicanas chorosas. Bliss.

Chalie and Oops

Tive a sorte de encontrar em Veracruz um gentil policial Federal, com amplo conhecimento das estradas. Ele sugeriu uma rota adequada para um iniciante idoso: para o sul, no primeiro dia ao longo da costa de San Andreas Tuxla, estrada reta, subidas suaves; um segundo dia de baixas colinas seguido de um trecho da rodovia para Tuxtepec; terceiro dia sobre a Sierra Juarez na Rota 175, a minha passagem pela primeira montanha. Ligue-me, disse ele, ligue-me quando chegar a Oaxaca.

Parei três vezes na subida para adicionar roupa. Grampo seguido por grampo, a floresta tropical deu lugar a pinheiros. A moto poderia aguentar? Eu poderia lidar com isso? A dor de faca sobre o meu peito era muscular ou da imaginação?

Minhas pernas tremiam quando eu cheguei a uma casa de tijolos de barro no alto de um monte. A mulher do dono colocou uma cadeira ao sol, serviu-me um copo de suco de laranja espremido na hora e gritou para a filha para verificar se tinha ovos no galinheiro. Um velho ônibus mostrava rostos sociáveis. Onde eu estava indo? Todo o caminho do sul, eu disse – e, pela primeira vez, acreditava que eu poderia ter sucesso.

Oaxaca é a glória latino-americana dos séculos 16 e 17 em pedras verdes iluminadas após as chuvas. O templo jesuíta tem uma beleza austera. Descobri em uma capela lateral nomes conhecidos de nossos jesuítas ingleses gravados entre o rol de mártires: Owen, Oldcorne, Ashley, Campion, Arrowsmith. E eu liguei para o policial de Veracruz avisando que tinha chegado em segurança.

Patagonia road south

“Eu sabia que você conseguiria. Ligue-me de Ushuaia”.

Lembro-me de um amanhecer perfeito, na costa mexicana do Pacífico. A partir de Tehuantepec uma excelente estrada desenrolava para oeste pelas colinas cobertas com flores brancas de frangipani e salpicadas com trepadeiras de fundo rosa e azul brilhantes. A chuva trouxe um gosto afiado e limpo para o ar. Vislumbrei, entre os morros, o mar com ondas brancas quebrando sobre a areia dourada, abutres e urubus voando no céu. Eu andava à vontade entre as memórias da minha moto trail Bultaco na Ibiza da década de 60.

Perder-se nas memórias é perigoso. Meu amigo guatemalteco, Eugenio, possui uma torre maya com vista para Rio Dulce. “A música é ruim”, alertou. “Vou correr-lhe mais tarde na picape.” Como se eu fosse um velho que precisa de ajuda!

Orgulhoso com minhas memórias de Ibiza, acabei caindo da viva Honda. Minutos depois eu estava embaixo da moto, a minha perna direita fritando no tubo do escapamento. As queimaduras se tornaram um campo de batalha entre remédios modernos e antigos, antibióticos versus cataplasmas da selva.

Rocks rice paddy and an English gentleman

As quedas são inevitáveis. A minha segunda veio na Península Nicoya, na Costa Rica, numa estrada íngreme de cascalho. Comensais reunidos em volta de uma mesa em um restaurante da aldeia, como médicos, costuraram a minha mão direita. Sentei-me com os olhos fechados e concentrado na cozinha com seus aromas de alho e pargo grelhado.

Dois dias de descanso “em uma cabine atrás do armazém geral em San Francisco de Coyote e eu estava viajando de novo, por cima da montanha, da Costa do Pacífico ao Caribe – e uma terceira queda, desta vez sobre uma ponte ferroviária da United Fruit Company, no Panamá. A ponte tem 100m de comprimento. Pranchas de cada lado dos trilhos formam a estrada. As pranchas eram escorregadias e irregulares. Algumas estavam faltando. Grande parte da proteção havia sido arrancada. Entrei em pânico e deliberadamente derrubei a moto para dentro dos trilhos. Caminhoneiros me resgataram e me levaram para a Honda da próxima cidade, Almirante.

O chefe da alfândega na fronteira de Honduras foi o único oficial a me segurar. Ele insistiu para que eu assistisse com ele um jogo de futebol da França x México na TV de seu escritório – e bebesse sua cerveja. Eu hesitei na terceira garrafa. Copan era o meu destino. Seis milhas, meu velho. Você pode ir tão longe.

Também não posso reclamar da lei. Perdido em Bogotá, dois policiais motociclistas me conduziram alguns quilômetros até a rodovia com luzes azuis e sirenes. Policiais rodoviários protegeram-me através do deserto costeiro do Peru em uma tempestade de areia e levaram-me para almoçar. Uma patrulha da polícia na Bolívia, me conduziu para fora da cidade. Um oficial de polícia em Salta, Argentina, me beijou em ambas as faces.

Peru best shoe shine

Perigos? Colón, Panamá, era perigosa. Policiais armados para uma zona de guerra patrulhavam em pares e pelo rádio me escoltaram em um único bloco até um banco. Eu conheci um ciclista chinês-americano que foi assaltado com uma faca. Ele e eu estávamos procurando passagem ao redor de Darien Gap. Nós pegamos um pequeno barco de banana que depois descobrimos ser de contrabandistas. Tínhamos pago para nos levarem para Cartagena. Eles sumiram em uma praia no meio da noite. Estávamos na Colômbia ilegalmente. A cidade mais próxima, São Bernardo, ficava uma hora de viagem por um caminho de lama. Mais seis horas e estávamos em Cartagena para sermos repreendidos pelo chefe da imigração: “era mais seguro para eles cortarem sua garganta. Você não aprendeu nada em seu 70 anos?”.

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A Colômbia tem um problema de imagem criado por Hollywood. “O cenário é selva. Homens suados usando gordura em seus cabelos. Intrépido herói americano (Harrison Ford) luta contra os cartéis da cocaína.” Passando pelo interior eu atravessei um vasto parque de árvores de grande porte, piquetes exuberantes, gado gordo, cavalos brilhantes – seguidos dias de montanhas e pastagens altas lembrando o inglês Lake District.

E a tal arquitetura urbana – da simplicidade de cidades pequenas, de pedras e cal para as glórias do século 17 de Cartagena e Popayán. Acho Popayán, fundada no século 16, a mais perfeita das cidades coloniais latino-americanas. As ruas de casas barrocas e mansões permanecem sem mácula pelos desenvolvedores. Suas igrejas possuem uma beleza serena.

O Equador apresenta as glórias de Quito e, no Museu Nacional, a maior coleção da América Hispânica de cerâmica pré-colombiana. Peru e Bolívia tem pequenos lagos e colinas do Alto Plano, picos nevados e o quinto dia de um piquete de mineiros que haviam fechado a rodovia. Os mineiros receberam-me como seu avô. Nos sentamos em um banco de relva, tomamos um gole de mate, a bebida antiga da saúde e da amizade, e fotografamos um ao outro.

Argentina e Salta são um choque cultural de encontrar-me em uma cidade aparentemente Europeia, o deserto de Mendoza, delicioso vinho, os bifes enormes, a barreira da Cordilheira dos Andes, a extraordinária clareza da luz na Patagônia e, na chuva de granizo, surpresa com um bando de papagaios verdes nas árvores ao longo da margem do rio. 

SGOMONAB

Agora, voltando para a segurança de minha amada Herefordshire, eu me lembro de fragmentos de conversas:

Um empresário mexicano de Veracruz comentando sobre a raça: “Os únicos sangues puros são os cavalos.”

Um surfista californiano de meados dos anos 50 com o cérebro quimicamente recalibrado insistindo que sete alienígenas tinham sido descobertos em sarcófagos de pirâmides maias.

Num banco de praça da catedral do Panamá e um professor idoso narra a invasão dos EUA: “Nenhum dos chefes foram mortos apenas as pessoas pobres. Meus vizinhos estavam todos mortos A menina mais nova tinha seis anos. A avó tinha 73 anos….. E minha irmã… “

Meu companheiro chinês-americano no barco dos contrabandistas de Colón para a Colômbia observava em cada situação de perigo: “Simon, nós procuramos uma aventura…”

Puerto San Julian, Patagônia, uma mãe idosa no monumento aos heróis da Força Aérea Argentina na guerra das Malvinas: “Foi uma guerra de políticos ‘Não houve heróis, apenas vítimas.”.

Finalmente, o gerente da agência Honda em Ushuaia: “Nós estávamos esperando por você, senhor Gandolfi.”

Minha viagem foi completa: seis meses na estrada, 25.600 km no hodômetro, uma subida máxima (na Bolívia) de 4.700 metros. Sempre fui tratado, mesmo em Colón, pelos burocratas e pelas pessoas comuns, sempre com uma verdadeira bondade e consideração. Dormi em pequenos hotéis familiares recomendado pelos habitantes locais, invariavelmente, um quarto com banheira. Preço do apartamentos variou de país para país: US$ 18 em Veracruz, metade na Bolívia.

Eu venho de uma família protestante e fui educado em escolas católicas. Nas igrejas da América hispânica, descobri o quão profundamente imbuído estou com a cultura do catolicismo… E, viajando sozinho através dos vastos espaços, descobri em mim uma admiração fora de moda por essas bandas escassas dos espanhóis, os conquistadores. São homens pequenos de baixa escolaridade e muitas superstições. Julgue-os como quiser, mas nunca duvide da sua extraordinária coragem e imaginação.

E eles diferem em um aspecto essencial dos Padres britânicos fundadores dos Estados Unidos. Os conquistadores se misturaram com a população indígena… Sim, incluindo Hernando Cortés.

* Traduzido do guardian.co.uk/


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