Estranha essa sensação de sentir o coração batendo um pouquinho mais rápido, um friozinho no estômago e me flagrar sorrindo sozinha com um brilho nos olhos sempre que me lembro da nossa desajeitada primeira viagem de moto pela Europa em junho de 2018.
De vez em quando olho pro Gilson e vejo na sua expressão que está lembrando também, aí ele fala assim, do nada:
“Ano que vem vamos de novo!”
Não faz nem sete meses que voltamos e já parece que faz uma eternidade… Mesmo assim as sensações ainda estão vivas e presentes.
Nossa primeira viagem de moto nos envolveu por completo e nos fez lembrar que somos mais que a rotina revela. Passamos por muitos perrengues, que nos testaram de várias formas, e por momentos fantásticos e únicos, que não poderiam ter sido planejados. Voltamos unidos, felizes, descansados e com vontade de repetir a dose. Foi bom demais!
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Este relato dia-a-dia foi feito de uma forma muito pessoal, descrevendo os deslocamentos, as paisagens, os encontros com as pessoas e as impressões que tivemos, com muitas fotos e alguns vídeos. Descrevi os defeitos que a moto apresentou e os reparos que nós mesmos fizemos. Ao final de cada dia relatado há uma seção com planilha de despesas diárias e distâncias percorridas. Não era intenção expor esse relato, mas Gilson gostou e achou que seria uma pena não dividir essa experiência com vocês. Talvez ajude alguém a quebrar sua inércia e partir para sua primeira aventura da mesma forma que aconteceu conosco.
Vejam como foi:
O INÍCIO
Tudo começou com a tarefa de levar minha mãe de Florianópolis a Hamburg, no norte da Alemanha. Pensamos em aproveitar a oportunidade e fazer um roteiro turístico de moto. Era apenas uma divagação, mas as informações mostraram que seria mais simples do que parecia. Contamos com conselhos e ajuda de um primo motociclista, que cuidou da compra e documentação da moto, facilitando muito a realização desse sonho.
Compramos a BMW F650, ano 1999, com 24.400 km acumulados e muito conservada. O custo da compra, seguros e documentos foi um pouco abaixo de € 1.600. O objetivo era vendê-la logo depois de terminar a viagem, mas estamos considerando ficar com ela por mais algum tempo para fazer outra viagem.
Traçamos um roteiro para o sul, com foco nos Alpes e por onde as paisagens são protagonistas. Viajamos em junho e tivemos dias de clima ameno na maior parte do tempo, mas também dias de calor extremo e baixa umidade atmosférica, outros nublados e frios, ou com chuva torrencial, afinal, era primavera.
Os primeiros dias seriam para fazer a revisão na moto, mas só tivemos acesso a ela pouco antes de iniciarmos o roteiro, isso interferiu nos nossos planos e tivemos que adaptá-los.
O ritmo da viagem também transcorreu mais lentamente que o planejado, pois alguns dias antes do embarque, Gilson teve um problema de saúde que nos fez pensar em adiar a viagem. Quando decidimos ir, apesar dessa condição, estávamos prontos para nos adaptar ao que fosse necessário.
PAISAGENS E CAMINHOS COMO DESTINO
Voamos para Hamburg, onde ficamos com a família nas primeiras oito noites. Nesse tempo pudemos vivenciar o cotidiano dos alemães e conhecer um pouco desse povo capaz de reconstruir o país após duas derrotas consecutivas em guerras mundiais.
O 1° dia foi de aclimatação e providências básicas. Nos dias seguintes compramos o equipamento de proteção individual numa loja que parecia a Disneylândia dos motociclistas. Também fizemos turismo conhecendo o enorme porto de Hamburg e o Memorial da Segunda Guerra mundial, caminhamos pela Hafencity e Speicherstadt, o maior complexo de depósitos portuários contíguo do mundo e classificado como patrimônio cultural da humanidade pela UNESCO.
Fizemos um passeio de carro para conhecer uma região da antiga Alemanha Oriental, uma área de agricultura desenvolvida com sustentabilidade aplicada.
O 5° dia foi o tão esperado momento de buscar a moto e fazer o primeiro passeio, quando aprendemos o cumprimento dos motociclistas alemães. Nos dias seguintes preparamos a moto, providenciamos o que estava faltando e tivemos uma pequena pane em plena hora do rush que nos alertou que a revisão adiada poderia revelar outros problemas ao longo do percurso. Tentamos retribuir as gentilezas de nosso anfitrião e, entre máquinas que não funcionam, proibições de trânsito e taças de vinho, aprendemos algumas lições.
No 8º dia seguimos de moto o primeiro trecho rumo ao sul, para a minúscula Epscheid, nas montanhas de Sauerland, próximo a Colônia, onde nos hospedamos com a família por quatro noites, participamos de um encontro de família programado para aquele final de semana e batizamos nossa companheira de duas rodas.
Seguimos nosso roteiro percorrendo a intrincada rede de autoestradas alemãs, de superfícies perfeitas e sem limite de velocidade, para chegar à Rota Liebliches Taubertal no caminho até a medieval cidade-museu de Rothenburg ob der Tauber, onde dormimos duas noites.
Continuamos a sul pela Romantische Straβe, onde conhecemos a colorida e vivaz Dinkelsbühl, e seguimos por autoestrada até os pés dos Alpes Bávaros, onde ficamos seis noites em Bad Bayersoien.
A estrela desta região é o pico Alpspitze com 2.628 m de altitude. Subimos de teleférico até a Alpspix, sensacional plataforma de contemplação em balanço sobre o precipício varrido pelo vento, e fomos engolidos por uma tempestade durante a descida ao vale. Ficamos encantados com o exemplar perfeito do rococó bávaro, a pequena igreja de peregrinação de Wies, classificada patrimônio cultural da humanidade pela UNESCO.
Ao longo dos passeios constatamos que o freio traseiro da moto ficou travado e nós mesmos fizemos a manutenção. Depois relaxamos os músculos tensos nas piscinas de águas termais com vista para o castelo de Neuschwanstein em Schwangau, nas proximidades de Füssen.
Visitamos o Palácio Linderhof, no coração do Parque Natural dos Alpes de Ammergau, onde as formas do ambiente natural são um contraste absoluto com o projeto calmo, linear e simétrico do palácio barroco e seus jardins. Parados ali no enorme estacionamento vazio ao fim da tarde, tivemos o raro privilégio de encontrar um casal de águias-reais livres em seu habitat natural.
A sequência da viagem nos levou a cruzar os Alpes. Percorremos o belo Ettaler Sattel, entramos na Áustria por Mittenwald e Scharnitz e atravessamos todo país de norte a sul, passando pelo vale de Ötz, onde foi encontrado Ötzi, o homem do gelo de 5.300 anos. Percorremos a inesquecível passagem de montanha Timmelsjoch/Passo Rombo para chegar a Merano, na Itália, cidade repleta de motociclistas, onde ficamos duas noites.
Gilson intuiu em Merano que era necessário voltar à Alemanha mais cedo e o fizemos pelo Passo Brennero/Brennerpass que nos surpreendeu com a beleza de sua topografia, e pela Deutsche Alpenstraβe, trajeto que transcorreu debaixo de uma chuva torrencial, interrompendo nosso percurso em Walchensee onde ficamos duas noites à beira de um lindo lago. Nesse cenário de beleza, serenidade e isolamento o carburador da moto apresentou um defeito que impediu a continuidade da viagem e tivemos que fazer um pequeno e engenhoso reparo de emergência a quatro mãos que testou nossos limites.
Chegamos a Munique na continuação da Deutsche Alpenstraβe, onde descansamos por uma noite.
O retorno a Hamburg se deu em dois dias. Dormindo a primeira noite na cidade universitária de Würzburg, onde vivenciamos um happy hour muito bom no antigo porto convertido em Centro Cultural às margens do Rio Main e fizemos a substituição da transmissão secundária numa oficina exemplar. Na segunda noite dormimos em Göttingen, uma cidade universitária onde Göthe, o escritor alemão mais respeitado de todos os tempos, foi professor, e onde tivemos alguns encontros memoráveis. Em Hamburg pernoitamos mais 2 noites antes de embarcar de volta ao Brasil.
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A VIAGEM EM NÚMEROS
Configuração Geral:
- 28 dias de férias
- 12 dias com família
- 16 dias on The Road
- 3 países visitados
- 7 estradas turísticas/cênicas
- 15 regiões turísticas/paisagens marcantes
- 9 bases de hospedagem
- 9 cidades
- 2 sítios classificados patrimônio cultural da humanidade pela UNESCO
- 5 Centros históricos
- 9 parques naturais/jardins históricos
- 8 museus/construções históricas
Deslocamento:
- Duração da viagem com moto: 24 dias
- Distância percorrida de moto: 3.507 km
- Combustível consumido: 166,20 litros
- maior distância percorrida em 1 dia: 395 km
- menor altitude: 5 m
- maior altitude: 2.509 m
Despesas Essenciais:
- Deslocamento € 399,40 (transporte público, combustível, pedágio, estacionamento)
- Hospedagem € 1.137,00
- Alimentação € 825,15
- Ingressos € 134,40 (teleférico e termas estão incluídos aqui)
- TOTAL € 2.495,95
Piloto e mecânico: Gilson Maia, 59 anos
Garupa e navegadora: Bárbara Schiemann, 49 anos
Quer saber mais? Continue a leitura e viaje conosco em: Memórias de Uma Garupa
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