O motociclismo é composto por várias tribos, por assim dizer. Há aqueles que adoram altas velocidades; os que perfazem grandes distâncias; os profissionais urbanos, que transitam entre os carros driblando os congestionamentos; há também os esportistas “on e off road” e por aí vai. O que há em comum entre as tribos é que todas são amantes dessa máquina maravilhosa chamada motocicleta, procuram se ajudar e se respeitam mutuamente.
Atualmente (2019) estou com 61 anos de idade e, contrariando o que muitos imaginam, apesar da idade, me enquadro naqueles que realizam grandes viagens, percorrendo grandes distâncias. Não há uma definição explicita do que seria uma grande distância. Penso que uma viagem superior a três mil quilômetros já se pode considerar uma grande viagem, mas, esse é o meu conceito.
No início de 2019 passei a ter interesse pela passagem de Butch Cassidy e Sundance Kid na Patagônia. Não sei exatamente o que foi que me levou a ler e pesquisar sobre esses dois personagens de um filme de 1969, estrelado por Paul Newman (Cassidy) e Robert Redford (Sundance), dois foras da lei dos Estados Unidos que, após vários assaltos a bancos e trens resolveram fugir dos Estados Unidos para Argentina (no filme eles fogem direto para a Bolívia).
Imagino os percalços que passaram em desbravar uma terra desconhecida, com idioma completamente diferente, sem a tecnologia que hoje podemos contar e, apesar disso tudo, eles chegaram aos confins da Patagônia. Resolvi vivenciar isso e tentar percorrer seus passos, captar a atmosfera que os cercava durante aquela aventura, a bordo da minha motocicleta e acompanhado de minha eterna garupa, companheira e parceira de todas as horas e situações, minha mulher Edna, que carinhosamente chamo de Edinha.
As pesquisas sobre a região sudoeste da Patagônia me fizeram prestar mais atenção nessa área isolada, quase virgem, da Argentina, mais precisamente as cercanias da cidade de Cholila, que fica praticamente aos pés da Cordilheira dos Andes, local onde a dupla se escondeu. De acordo com as informações obtidas, o local é lindíssimo; a vegetação promove um coquetel de cores e formas sem igual. Trata-se de uma região ainda em seu estado natural, sem ter sofrido com a ação do Homem e que ainda preserva sua aparência tal qual a dupla encontrou em 1901.
É uma viagem ao passado, o que transforma minha Harley-Davidson em uma máquina do tempo.
As pesquisas sobre o bando me levaram a conhecer a excelente reportagem de setembro de 2004 realizada por Luis Sepúlveda (Na Patagônia, em busca de Butch Cassidy e Sundance Kid) onde descobri outros personagens tão impactantes quanto os dois foras da lei, protagonistas dessa jornada e que acabaram influenciando no planejamento. Não podíamos deixar de visitar os lugares por onde transitaram os novos integrantes desse enredo.
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Frank Dimaio: foi o primeiro agente enviado pela Agência de Detetives Pinkerton dos Estados Unidos (era quase um FBI da época) para iniciar a caçada aos dois foragidos da justiça. Entretanto, o referido detetive se enrabichou por uma “chica”, jogou tudo para o alto e se estabeleceu em Buenos Aires. Abriu um comércio de calçados e optou por uma vida mais pacata, ao invés de trocar tiros com bandidos. Reza a lenda que até 1976, no bairro de San Telmo, em Buenos Aires, próximo à praça em que todo domingo se realiza a melhor feira de antiguidades do mundo, encontrava-se a loja “Calçados Dimaio”. Nessa loja, exposta de maneira bem visível, havia uma placa de detetive de seu fundador. Obviamente, terei que verificar e documentar, caso ainda esteja lá, e para isso, ao menos um pernoite se fará necessária em Buenos Aires.
Martin Sheffields: Esse era o verdadeiro caçador de recompensas, típico dos filmes de bang bang. Movido pelo prêmio de US$ 50 mil oferecido pela captura de Butch Cassidy, Sheffields chegou a Buenos Aires no dia 6 de fevereiro de 1902 e registrou-se no Hotel do Porto como “Xerife dos Estados Unidos”. Exímio atirador, era capaz de fazer explodir um cigarro na boca de homem sem sequer chamuscar seu bigode e fazia isso com um revólver de calibre 45. Ninguém sabe ao certo como foi sua morte, mas, seus restos mortais estão em uma sepultura simples, sem qualquer identificação, no cemitério da cidade El Bolson, outro destino obrigatório nessa jornada. Acredito que, caso me dedique a recontar a história desse personagem, teremos mais um enredo riquíssimo a ser explorado. Com a Pinkerton em seu encalço, a dupla em fuga entrou pelo Chile e subiu rumo norte até a Bolívia e de lá tiveram o desfecho que, quem assistiu ao filme saberá que foram mortos em confronto com o exército boliviano. Mas há controvérsias. Juntou a fome com a vontade de comer. Resolvi segui-los até San Vicente na Bolívia pela Carretera Austral, afinal de contas, “o que é mais uma flechada para São Sebastião?” Já que estarei por lá mesmo, então, vou esticar um pouco mais e entrar na Bolívia, conhecer o Salar de Uyuni e chegar até o local onde se deu o desfecho fatal desse enredo.
Na minha opinião, a Carretera Austral (Ruta 7) é para motoviajantes quase como Meca é para os mulçumanos. Está localizada no sul do Chile, região de Los Lagos e conecta as cidades de Puerto Montt e Villa O’Higgins, com 1.255km, sendo que cerca de 769km desses não estão pavimentados.
No início de 2017, ou seja, antes da decisão de perseguir os passos de Butch Cassidy e Sundance Kid pela América do Sul, a ideia era conhecer o Salar de Uyuni, suas noites estreladas e, se possível, o fenômeno causado pelo alagamento devido às chuvas na região desértica, provocando um efeito de espelho. Escolhi na internet uma imagem para exemplificar o que seria esse efeito espelho, citado anteriormente. A imagem (e que imagem!) foi gentilmente autorizada pela sua autora (Postado em 11 de março de 2015 por Leticia Biccas – https://girosporai.com.br.
De dezembro a fevereiro, o altiplano da Bolívia, Peru, Chile e Argentina sofre com o chamado inverno boliviano. Durante todo o ano o clima na região é seco. Entretanto, no verão, principalmente em janeiro, devido ao calor e à umidade vindos da floresta amazônica, as precipitações pluviométricas são altíssimas e podem prejudicar, inclusive, passeios pelo Salar. Provavelmente não veremos esse fenômeno.
De Uyuni tomarei rumo de casa, dando fim a mais essa jornada. O mapa com todo roteiro previsto pode ser assim demonstrado:
Para você que busca uma boa aventura, deixo aqui o meu convite. Não importa o tamanho de sua moto, marca, modelo ou potência. Caso queira se aventurar, basta me procurar. A única exigência que faço: comporte-se como um bom motociclista. O resto fica fácil. Forte abraço.
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