Tudo pronto após meses de preparação, roteiro definido, motos acertadas (2 Falcons e 1 Yamaha XT-660R), seguro carta verde feito, família preocupada e o trabalho… Bem o trabalho fica para depois. Enfim, tudo pronto e chega a temida crise. Não dava para adiar, afinal três motociclistas apaixonados pela estrada nunca iriam desistir de rodar mais de 8.000 km
pelo sul do Brasil, Uruguai, Argentina e Chile, só por causa de uma simples crise, que o próprio presidente Lula classificou como apenas uma “marola”.
{loadmodule mod_custom,Anúncios Google Artigos}
Acreditamos nele e partimos de Votorantim (SP), às cinco horas da manhã do dia seis de novembro de 2008, rumo à Lages (SC), nossa primeira pernoite de acordo com o roteiro. Vencidos os primeiros 760 km, deixamos Lages para cruzar o Rio Grande do Sul, chegando até Caçapava do Sul, já bem próximo à Santana do Livramento, de onde no dia seguinte adentraríamos no Uruguai pela cidade de Rivera, avançando até o fim do dia para Paysandu, próximo à divisa com a Argentina.
De lá, entramos em território argentino passando por Colon, Zarate, Campana, Luján, entre outras cidades, procurando desviar do trânsito infernal de Buenos Aires, até chegarmos em Cañuelas, uma cidade não muito grande, mas com uma boa rede hoteleira. Ali pernoitamos num dos melhores hotéis de toda a viagem, aliás um descanso bem merecido, até porque no dia seguinte o que nos aguardava era uma nova tocada de 700 km até Bahia Blanca, a “um passo” da Patagônia.
Chegamos em Bahia Blanca no final da tarde e não foi fácil encontrar um hotel na medida do nosso orçamento. Trânsito complicado, preços abusivos, e até que enfim localizamos um pequeno hotel no centro, cujo gerente gentilmente nos autorizou a guardar as motos num pequeno jardim de inverno, cruzando a recepção, passando por estreitos corredores até alcançar o local. Tudo isso improvisando pequenas rampas nos degraus existentes, mudando móveis de lugar, etc, etc.
Bahia Blanca é uma importante e bela cidade portuária, com ótimos restaurantes, praças lindíssimas e possui uma arquitetura centenária muito bem preservada na região central. No dia seguinte, outra maratona para retirar as motos e lá fomos para a estrada novamente, cada vez mais impacientes em alcançar a cidade de Rio Colorado, o “Portal da Patagônia”.
A partir dali estavam as intermináveis retas do maravilhoso deserto patagônio, sempre acompanhando o rio Limay, de um azul incomparável, justificando seu codinome de “Danúbio do Deserto”. Neste trecho já conhecido por nós, não houve nenhuma surpresa quanto ao calor de 40° C e aos temíveis ventos laterais, salvo o constante perigo que a sonolência causa nos retões de até 150 km. Almoçamos em Piedra del Águila, num pequeno, porém muito acolhedor restaurante, onde saboreamos um inesquecível salmão a escabeche; dali em diante um deserto absoluto até Neuquén.
{loadmodule mod_custom,Anúncios Google Artigos}
Mais algumas dezenas de quilômetros e tudo começa a mudar quando se aproximam os primeiros picos nevados da cordilheira andina. Dormimos em General Roca, uma cidade muito simpática e que tem na fruticultura sua principal atividade. O difícil foi encontrar um hotel razoável que também oferecesse uma “cochera” para nossas motos, a um preço módico. Já ao cair da noite acabamos mesmo dormindo numa pousada meio suspeita, um casarão secular de cômodos enormes, pé direto de 4 metros e cheirando a defumador. No dia seguinte soubemos que o imóvel já havia abrigado o único hospício da região… Tudo bem, estávamos em casa.
Esse trecho da rota 237 é simplesmente maravilhoso, além da pavimentação impecável, a estrada serpenteia por uma cadeia de montanhas e lagos cristalinos. Cruzamos por vales fantásticos, bordeados por incontáveis fazendas cercadas de álamos, com plantações de oliveiras, macieiras e finalmente chegamos próximos às montanhas nevadas, – apesar do verão -, cujos picos contrastavam lindamente com o céu anilado. Um cenário que constantemente nos obrigava a parar para inevitáveis fotos. Afinal, estávamos percorrendo verdadeiros cartões postais, entre os quais se destacava o Valle Encantado, que certamente mereceu uma parada mais prolongada.
{loadmodule mod_custom,Anúncios Google Artigos}
Já em San Carlos de Bariloche, após seis dias de viagem e cerca de 4.000 km percorridos, lembrando que somente viajávamos durante o dia e em média de 650 quilômetros diários. Procuramos imediatamente uma pousada logo na entrada da cidade, à beira do Lago Nahuel Huapi, que juntamente com os inúmeros cerros que compõem a cordilheira andina formam a principal atração turística do lugar.
Permanecemos por dois dias na cidade e não encontramos nenhum brasileiro, algo inédito uma vez que ela tem até o apelido de “Brasiloche”. A única explicação plausível era o efeito da “marola” do Lula. Dois dias curtindo as belezas de Bariloche, que na primavera ou verão é ainda mais bonita que no inverno; visitando alguns de seus bares temáticos, centro cívico, restaurantes e as chocolaterias (ah… as chocolaterias). Desta vez não percorremos os tradicionais circuitos, preferindo descansar na cidade, pois nosso objetivo principal era San Martin de los Andes, distante uns 200 km e que ainda não conhecíamos.
A ansiedade em percorrer o decantado “Caminho dos Sete Lagos” era quase incontida, as fotos das revistas e folders nos animava cada vez mais e a ideia de percorrer um trecho de aproximadamente 70 km de rípio (cascalho arredondado bem peculiar da patagônia), aditivava a adrenalina de todos. Ali todo cuidado era pouco, a primeira providência foi baixar a pressão dos pneus e tentar evitar ao máximo a aceleração demasiada ou frenagens bruscas.
De Bariloche até Villa Angostura, a estrada já encantava pelas paisagens montanhosas e o encontro com os grandes lagos. Mais um trecho pavimentado excelente e depois o temível rípio. Nesse trecho o sabor de aventura é sentido em plenitude. A estrada, que alternava trechos de pedras e areião, cruzava uma floresta luxuriante e intocada da cordilheira, rios caudalosos pela neve derretida naquela estação e nenhum tipo de apoio. Não havia postos de serviço, oficina ou borracheiro ou mesmo postos de policia “caminera”, enfim você se sente realmente em contato com a natureza plena. Nosso almoço naquele dia restringiu-se a uma caixa de suco de laranja, o saldo dos frios e pães do último café da manhã e algumas bolachas, degustados à beira de um riacho de neve derretida, à sombra das lengas e pinheiros gigantescos. Quer melhor cenário?
Fim de tarde e fim da estrada de terra, outra vez o asfalto impecável, novos lagos, cascatas e finalmente começava a destacar-se o verde esmeralda do Lago Lácar e às margens dele a encantadora San Martin de los Andes com sua arquitetura tipicamente andina, uma Bariloche de 50 anos atrás, sem agito ou badalações, dominada pelo Cerro Chapelco, sua principal atração para os esportes de inverno.
Chalés em estilo europeu, jardins bem cuidados, ruas e avenidas muito limpas, ótimos restaurantes, hotéis e cabanas a preços convidativos.
{loadmodule mod_custom,Anúncios Google Artigos}
Enfim, um local para as férias perfeitas. Infelizmente, tínhamos apenas dois dias para permanecer ali e nosso parco tempo foi gasto no cuidado das motos, uma geral no lavador, esticar e engraxar as correntes para a viagem de volta. Depois de alguns giros pela cidade, sem abrir mão de um roteiro gastronômico, em que pudemos degustar alguns pratos típicos da patagônia, como churrasco de cordero, ciervo y jabali, trutas, doces maravilhosos e adeus San Martin.
{loadmodule mod_custom,Anúncios Google Artigos}
Só para não sentir a tristeza de voltar, resolvemos fazer um caminho diferente, seguindo em frente até Junin de los Andes, passando pelo Parque Nacional Lanín, onde pudemos observar o impressionante Vulcão Lanín, com seus 3.776 metros de altura, ostentando em pleno verão um verdadeiro iceberg apontando ao céu.
Seguimos pela nova rota, enfrentando o inóspito deserto de La Negra com uma grande serra, um verdadeiro paraíso dos condores. Numa bobeada incrível, duas das motos acabaram ficando sem combustível a 60 km de Zapala, a cidade mais próxima. Depois de várias tentativas infrutíferas de conseguir combustível em pequenas propriedades rurais às margens da estrada (os veículos que tinham eram movidos a gás). Já “pescando” gasolina nos tanques, conseguimos chegar a um solitário posto policial, onde um “santo” cabo da “caminera” nos forneceu do próprio carro, 5 litros do precioso líquido e ainda fez questão de nada cobrar, nos dizendo que aquilo era uma “gauchada” (camaradagem) que fazia conosco!
De Zapala nos dirigimos novamente a Neuquén e de lá de volta para Bahia Blanca. A partir daí outra vez por novos caminhos fomos, para Buenos Aires, cruzamos o Rio da Prata de buquebus (um ferry boat muito chique), retornando pelo Uruguai, através de Colônia Del Sacramento, Montevideo, Punta Del Este e Chuy (Uruguai).
Entramos no Brasil por Chuí, percorrendo a maravilhosa Reserva Ecológica do Taím e que venha estrada! Tudo beleza até que encontramos em Santa Catarina um dos maiores desastres naturais da sua história, as enchentes do final de novembro de 2008. Um sufoco na BR-101, que já é impraticável até com tempo bom, imaginem com dilúvio. Apesar da tristeza pelos estragos e sofrimento dos nossos irmãos catarinenses, nossa determinação e espírito de aventura foram mais fortes e chegamos, graças a Deus, sãos e salvos de volta à nossa terrinha. Esses percalços serviram para reforçar nossa confiança em outras viagens que certamente virão.
{gallery}0712/bariloche{/gallery}
Deixe um comentário