Este é um breve resumo, conclusivo, de uma viagem que eu (Gilberto) e o primo Pedro fizemos de moto. Uma pequena descrição das percepções e lições que tivemos na nossa viagem. Em setembro de 2013 empreendemos uma jornada de quase 11 mil km e realizamos nossa primeira grande viagem de moto passando por vários estados brasileiros e cinco países da América do Sul (Brasil, Bolívia, Peru, Chile e Argentina). Espero que esse pequeno resumo permita que aqueles que já fizeram uma viagem desse tipo tenham boas recordações e que, ao mesmo tempo, possa encorajar e estimular os motociclistas que ainda sonham em concretizar uma empreitada como essa.
Boas viagens para todos!
Ainda no quintal, fui recebido pelos meus pais, satisfeitos pelo retorno em segurança. Subindo as escadas, cheguei em casa, definitivamente, e cumprimentei meu irmão e irmã. Todos estavam ansiosos por ver as fotos e vídeos registrados e de saber sobre os acontecimentos. Então, daí em diante, a história que se iniciou como um belo passeio, e terminou como uma empolgante aventura, começou a ser contada.
Foi possível retroceder os pensamentos e fazer uma pequena retrospectiva, desde a época em que decidimos realizar essa viagem, e refletir um pouco a respeito e acerca das circunstâncias e atitudes que a fizeram se concretizar. No decorrer de alguns minutos, a recordação de vários meses de preparação e, por conseguinte, a lembrança dos dias de execução da viagem – até aquele momento – passaram pela minha mente… como um filme que se assiste na própria consciência, e foram traduzidas por mim para a tela da imaginação dos que ouviam.
Há algum tempo, quando decidi enfrentar e participar dessa empreitada, muitas emoções e sentimentos se manifestaram: euforia, apreensão, medo, confiança, empolgação, dúvida.
Nos primeiros dias, mesmo antes de começar a planejar a viagem, predominaram o medo e a apreensão. A falta de conhecimento e experiência sobre grandes viagens era enorme. Não sabia como iríamos concluir uma expedição desse tamanho. Não poderia ser, simplesmente, pegar a moto e ir “tocando”. Tínhamos prazo e recursos limitados. Tudo deveria ser minimamente pensado e calculado. Tudo bem que já havia realizado um pequeno passeio, de menor porte, para o sul do Brasil (passando por Foz do Iguaçu, parque do Beto Carreiro e Curitiba), mas, do quintal de casa a uma jornada internacional, de milhares de km e passando por diversos países, seria outra estória.
Ousadia demais? Uma grande pretensão? Assunto apenas para especialistas? Entre um e outro desses pensamentos que me ocorriam, naquela época, cavucara minha cachola tentando encontrar uma rota de fuga e, assim, pensei que se outras pessoas, outrora, tiveram a mesma intenção que a nossa e foram muito bem sucedidas em concretizar seus planos, e por diversas vezes ainda em condições bastante mais precárias, então, porque razão não poderíamos fazê-lo também.
No entanto, como chuva torrencial de verão, muitos receios e preocupações ainda batiam à porta da consciência. Qual seria o percurso? Com que motos? Quais equipamentos instalar? O que levar de bagagem? Quanto custaria? E a documentação? Estava preparado fisicamente? As pessoas serão cordiais? Será que teremos problemas com bandidos ou com as próprias motocicletas?
Num determinado momento pensei que se deixasse por conta dos medos, que sempre tendem a nos engaiolar em nossa zona de conforto; se permitisse que as tantas dúvidas surgidas me desanimassem e me fizessem resistir ao confronto com as muitas situações desconhecidas que uma viagem dessas proporcionaria; se me conformasse com o que já conquistara até o momento, sem arriscar avançar a altura do sarrafo alguns centímetros mais, como o fazem os atletas saltadores, então, jamais seria possível tornar real tal empreendimento ou qualquer outro de igual tamanho.
Assim, subitamente, como num “chacoalhão” instantâneo que de tempos em tempos a vida faz se abater sobre nós, em seguida, me percebi imaginando sobre o que pensaria (ou lamentaria) lá no futuro, ainda longe, nos meus 130 anos. Seria eu um velho manco e cambaleante a lamentar as oportunidades conscientemente deixadas de lado, quando mais jovem e em condições físicas melhores, e ainda angustiado pela impossibilidade de fazer voltar o tempo para dar outro rumo, mais feliz, à história de sua vida? Ou, sim, um velhote descadeirado e descoordenado, porém, munido até os dentes do contentamento de poder lembrar, em paz de espírito, das conquistas que lhe valeram grandes alegrias?
Tínhamos pela frente a oportunidade de uma grande aventura, uma enorme conquista, no mínimo, um belíssimo passeio. Medo? Todos temos, em maior ou menor grau. Das outras pessoas não sei, se precisar ajudo no que puder, porém, no que me diz respeito, ao me perguntarem sobre algum receio do que possa acontecer, eu digo: “Ora, medo? Tenho, sem dúvida, mas, vou assim mesmo!”
Consequentemente, uma vez estando decidido por realizar a viagem, à medida que o planejamento avançava, as dúvidas e o desconhecimento inicial foram cedendo lugar à certeza do que fazer. A consulta a diversos relatos de outros motociclistas, que descreviam facilidades e dificuldades enfrentadas em suas viagens, nos havia esclarecido por demais. Aprendemos sobre que equipamentos seriam mais adequados para as nossas condições; a distinguir o que seria mais necessário levar como bagagem; tomamos ciência das situações de maior risco pelas quais poderíamos passar; identificamos os custos e a documentação obrigatória.
Enfim, o mais essencial foi que, com conhecimento, uma grande confiança se tornou presente. A certeza de saber que tudo fora muito bem estudado e planejado nos confortava, e qualquer inconveniente que tivéssemos durante a execução do plano de viagem seria percebido e aceitado apenas como uma infeliz fatalidade, um infortúnio de percurso. Dessa forma, com espírito aventureiro e bastante empolgados, colocamos o pé na estrada e seguimos rumo à realização dessa aventura sabendo que a mente deveria estar aberta para todo e qualquer tipo de acontecimento.
Passamos por inúmeros tipos de paisagens; vimos lugares com muita vegetação e outros com quase nenhuma, e até mesmo desérticas; transpusemos montanhas altíssimas e percorremos retas infindáveis; margeamos o oceano pacífico e tangenciamos uma variedade de lagos, alguns, por vezes, até congelados; andamos no asfalto, na terra, na areia e no barro; fomos rápido e devagar, nos desequilibramos e, certa feita, até tombamos, mas levantamos; acertamos muitos caminhos, porém, nos confundimos em outros; estivemos atrasados ali e adiantados acolá; sentimos frio intenso e congelante e, por outro lado, muito calor, até sufocante por assim dizer; enfrentamos diversos tipos de condições climáticas: chuva, sol, neblina, neve e, ainda, tempestades de areia; surpreendemo-nos positivamente e, de outra forma, nos frustramos também; bem-vindos, nos saudavam alguns, outros, no entanto, rangiam os dentes e até rosnavam; ficamos perdidos e, depois, nos reencontramos; peças quebraram e foram consertadas; tivemos muitos momentos de empolgação, outros, nem tanto, e até com algum estresse, confesso…
Em síntese, fomos expostos a um cataclismo de eventos naturais e interações sociais dos quais não tínhamos controle ou influência alguma e cujo propósito, penso assim, além de nos permitir a contemplação do mundo, nos fez passar por uma grande lição de flexibilidade mental que devemos ter para com os eventos imprevisíveis da vida. Ou seja, possibilitou-nos entender que por mais que tentemos controlar nosso próprio mundo, muitas vezes, até expandindo tal feito para o que está à nossa volta, isso será apenas um ínfimo grão de areia frente ao controle e influência que o mundo exerce, contrariamente, sobre nós.
Pude perceber-me como um canoísta em meio ao mar revolto, numa competição consigo mesmo, onde se larga de terra firme, em linha reta, no sentido mar adentro; com várias ondas, umas maiores e outras nem tanto, batendo de frente e nas costas ou dos lados, fazendo o esportista chacoalhar em todas as direções. Para cima, para baixo, de um lado a outro. Nessa competição não há tempo cronometrado para se chegar ao destino final. O objetivo é o de apenas competir e participar, seguindo o rumo estipulado e tentando superar o vai e vem das ondas; e, com algum esforço de reflexão, se empenhar para entender que uma mente rígida, ou turrona, poderá até transpor os altos e baixos das ondas no caminho – furando-as, se debatendo, remando contra a correnteza do momento – porém, com muito mais dificuldade e sofrimento do que se tivesse compreendido melhor a se comportar de forma mais resiliente.
A fim de compartilhar nossas experiências e poder motivar quem ainda tem vontade de fazer uma viagem como essa, criei um site (www.kallasweb.com) para descrever, de forma detalhada, todas as dificuldades e problemas que tivemos e, também, os momentos de alegria sentidos durante a viagem. Além disso, disponibilizei uma enorme quantidade de fotos que foram registradas durante o percurso, algumas delas mostradas aqui.
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