A idéia de fazer uma grande viagem de moto povoa os sonhos de quase todo motociclista. Partindo desta idéia, quatro amigos, Rafael Barata, Márcio Vasconcelos, Maurílio (Lu) Vasconcelos e Duílio Soares foram os primeiros curvelanos ao partirem numa aventura de cerca de 7.700 km que durou quinze dias – de 7 a 21 de setembro de 2012 -, percorrendo estradas e conhecendo cidades dos estados de São Paulo e Paraná, no Brasil, além de outras do Paraguai, Argentina até chegar no Deserto do Atacama no Chile, de onde retornaram por outra rota para conhecer ainda mais lugares.
Na empreitada, os quatro amigos utilizaram suas motocicletas, com características bem distintas, demonstrando que qualquer moto, ainda que de menor cilindrada e potência, pode transpor os obstáculos de uma viagem semelhante. As motos foram uma BMW G 650 GS (dual purpose), uma Honda NX4 Falcon carburada (trail), uma Yamaha XJ6N (naked esportiva) e uma Harley-Davidson Dyna (custom).
Rafael e Márcio partiram de Curvelo, na região central do Estado de Minas Gerais, enquanto Lu e Duílio saíram de Betim, e todos se encontraram no trevo de Formiga, de onde seguiram juntos até o fim da viagem. Apesar da longa distância percorrida no primeiro dia até Marília/SP, cerca de 900 km, a viagem transcorreu sem problemas, a não ser por uma pequena dormência sentida na mão direita pelo Rafael, posteriormente diagnosticada como “Síndrome do Túnel do Carpo”, que foi medicada com corticóide e antiinflamatório devidamente receitados por um médico.
No segundo dia, a pretensão era chegar a Foz do Iguaçu, PR, mas devido a um desvio de rota para esquivar dos caros pedágios paranaenses (R$5,50 por moto), o grupo só conseguiu chegar à Cascavel, PR. O pior é que o desvio, além de mais longo, ainda não evitava todos os pedágios. Nesse dia, o total percorrido foi de cerca de 710km.
No terceiro dia, a turma seguiu de Cascavel até “Foz”, onde cruzou a Ponte da Amizade e deu entrada no Paraguai, através de Ciudad Del Este, tudo tranquilo e sem muita burocracia. Fizeram o câmbio de dólares para guaranis no shopping da fronteira e a partir daí a atenção teve que ser redobrada, não só pela desorganização do trânsito paraguaio nas vias urbanas e rodovias, mas também pelos aspectos culturais e sociais que muito despertaram a atenção e curiosidade dos brasileiros. No Paraguai, devido à violência que não foi presenciada pelos quatro aventureiros, frise-se, era comum ver seguranças particulares com armas de grosso calibre na frente de estabelecimentos comerciais. Quanto à desorganização no trânsito, a maioria dos veículos não têm placas e as motos circulam na contramão de direção e no acostamento em velocidades elevadas. Os “motoqueiros” quase nunca utilizam capacetes e é comum ver famílias inteiras e até bebês sendo transportados sem nenhum equipamento de segurança nas pequenas motos.
Prosseguindo, ainda no terceiro dia, o grupo foi até Asunción, onde pernoitou. Na manhã seguinte, enquanto Rafael levou a G 650 GS para a revisão, Márcio, Lu e Duílio foram conhecer o centro da capital paraguaia, que deixou boa impressão no grupo pela beleza das construções, antigas e bem conservadas, com estilo parecido ao dos prédios públicos americanos e europeus. Os paraguaios também merecem destaque pela simpatia e solicitude com que trataram os brasileiros, e um fato curioso foi que um grupo de crianças que saía de uma escola chegou a pedir autógrafos aos motociclistas curvelanos durante uma parada. A turma percorreu cerca de 480km nesse dia.
No quarto dia a turma saiu de Asunción já no início da tarde, cruzou a fronteira com a Argentina por Clorinda, Província de Formosa, também sem burocracia além dos trâmites normais de saída e entrada de um país para outro e, após fazer novamente o câmbio, desta vez de dólares por pesos, seguiu viagem até chegar ao pueblo (povoado) de Machagai, onde os quatro jantaram no cassino e pernoitaram num pequeno e simples hotel. Total percorrido de aproximadamente 410km no dia.
No quinto dia, devido a um pequeno problema técnico em uma das motos, resolvido com eficiência pelo Márcio, houve atraso na saída do grupo e só foi possível percorrer cerca de 320 km, já que teve que percorrer um trecho de cerca de 35 km de estrada de terra que estava sendo pavimentada, até “Monte Quemado”, na Província de Santiago Del Estero. Como a estrada que corta essa região também cruza um parque nacional, existe um grande risco de encontrar animais na pista, principalmente pequenos jumentos que ficam pastando na beira da estrada e o perigo de seguir viagem após o sol se pôr é grande, tanto que a turma encontrou um argentino que acabara de atropelar um jumento com sua caminhonete Hilux SW4. No hotel, onde jantaram e pernoitaram, os amigos conheceram um motociclista americano que também estava em viagem de moto (uma big trail Kawasaki), dos Estados Unidos até a América do Sul, com destino a Florianópolis.
No sexto dia, após um café da manhã ao ar livre comprado de uma vendedora ambulante na praça da cidade, a turma saiu de Monte Quemado e, após percorrer um trecho de asfalto com muitas ondulações e animais cruzando a rodovia, saiu da monótona e sem graça RN16 e pegou a RN9, com belas paisagens de campos floridos e por vezes até perfumados, além de serras avistadas ao longe. Chegaram ao fim da tarde, mas ainda com sol, a San Salvador de Jujuy, bela e aprazível cidade turística, capital da província de Jujuy. Além da boa infraestrutura para receber viajantes, a cidade contava com postos de combustível que aceitavam cartões de crédito, o que foi um alívio para os quatro “motoviajantes” já que os pesos que dispunham estavam acabando. Após o abastecimento e lubrificação das motos, que era feita com frequência pelo Márcio, enquanto Rafael e Duílio saíram para fazer o câmbio de dólares por mais alguns pesos e saber informações de hotéis, Márcio e Lu permaneceram no posto e quando o grupo se reuniu novamente, chegou ao posto um grupo de motociclistas da Serra Gaúcha denominado “É o diabo nas Taquara”, que voltava da Bolívia e orientou os quatro amigos a seguirem viagem por mais uns 70 km até Purmamarca, um povoado no alto da montanha, cercado pela bela “Sierra del Siete Colores”, de clima muito frio e ambiente rústico, mas agradabilíssimo. Foi uma ótima dica, pois os amigos desfrutaram de uma cálida recepção na fria Purmamarca, onde experimentaram pratos típicos como a deliciosa cazuela de jama, uma espécie de cozido de carne de lhama acompanhado de batatas e legumes. A carne, à propósito, é muito saborosa, macia, mas consistente, magra e sem fibras. Após o jantar, foram dormir e as motos tiveram que ser “acomodadas” na recepção do hotel, já que não havia garagem. O total percorrido nesse dia foi de aproximadamente 500 km.
No sétimo dia a turma saiu cedo para abastecer as motos em San Francisco de Tilcara, que dista 25 km e ficava fora da rota a ser seguida, as belas RN52 e RN51, pois não havia postos em Purmamarca. Após o abastecimento, iniciou-se a belíssima subida da Cordilheira, com paisagens incríveis que mudavam a cada cinco ou dez segundos, ora lembrando os “canyons” americanos com as montanhas rochosas, ora lembrando o cenário dos filmes de faroeste americano, com cactos enormes sobre as montanhas de terra, ora com pequenos cursos d’água formados pelo degelo no alto das montanhas e vulcões que serpenteavam paralelamente à pista. A subida teve que ser feita lentamente já que a belíssima estrada é extremamente sinuosa e tem curvas de até 180º, que conduzem a uma altitude máxima de cerca de 4.500m. Nas paradas era preciso descer da moto e se movimentar calmamente para não sentir o cansaço e dificuldade de respirar decorrentes do ar rarefeito. Pela RN51, o caminho mais curto de Purmamarca até a fronteira com o Chile, onde era possível abastecimento, o grupo percorreu uma distância de cerca de 500 km pela cordilheira, numa região belíssima, mas inóspita, a não ser pelas lhamas e vicunhas que atravessavam a pista de vez em quando. A RN51 também “corta” um enorme salar, onde havia um artesão vendendo esculturas feitas de sal. No trecho havia apenas um pequeno posto de combustível e restaurante (muito bom, diga-se de passagem) na metade do caminho.
Após o abastecimento e um bom lanche de tradicionais empanadas argentinas, os quatro amigos seguiram até a fronteira com o Chile, cerca de 200 km adiante, onde reabasteceram as motos e acabaram de chegar a San Pedro do Atacama, já no início da noite.
O porém ficou por conta do intenso frio que o grupo enfrentou na descida da cordilheira antes de chegar a San Pedro. É que os últimos 50 km foram percorridos já após o sol se pôr e a temperatura externa era de cerca de cinco graus negativos, segundo alguns nativos, mas a sensação térmica resultante do vento era de dez ou quinze graus negativos. A solução era parar rapidamente e colocar as mãos no escapamento das motos para dar uma aquecida, apesar de todos estarem usando camiseta e/ou segunda pele, jaqueta com forro e capa de chuva para diminuir a sensação causada pelo vento.
A chegada à agitada San Pedro foi interessante, depois de mais de hora aguardando na fila, para passar pelo criterioso e burocrático serviço de imigração chileno, chegaram ao centro da cidade já bem tarde e os restaurantes já estavam fechando. Nenhum dos quatro amigos havia feito o câmbio pela moeda chilena e o único restaurante que encontraram ainda aberto após se instalarem num hotel não aceitava cartões de crédito. O problema foi contornado pelo velho jeitinho brasileiro. Após alguma conversa o grupo conseguiu convencer o gerente a aceitar o pagamento em pesos argentinos com a condição de retorno no dia seguinte para troca por peso chileno. Com a fome que todos estavam, algumas cervejas, coca cola e uma estranha panqueca recheada com carne e acompanhada de salada foi uma iguaria muito apreciada.
O grupo passou duas noites em San Pedro, tendo deixado as motos num merecido “descanso” no hotel enquanto fez alguns dos vários passeios turísticos oferecidos na cidade, como os belos “Vale de la Luna” e “Geisers del Tatio”. A cidade, apesar de aparentar o contrário pelas suas ruas de terra, oferece boa infraestrutura e é povoada por mochileiros e turistas de várias partes do mundo, principalmente europeus. Em San Pedro os quatro curvelanos conheceram mais dois motociclistas, os brasilienses Júlio e Barão, que também estavam em viagem e retornavam de Machu Pichu (Peru). O grupo logo fez amizade com os dois e todos juntos almoçaram pratos à base de carne regados a Pisco Sours, deliciosa bebida típica à base de limão e pisco, a “cachaça” chilena, num bom restaurante típico cujo simpático garçom, que era nativo, já havia morado nas ruas em várias cidades brasileiras fazendo malabarismos nos sinais de trânsito. O garçom era realmente boa praça e conhecia todas as gírias das ruas brasileiras. Após trocarem informações sobre as histórias, as estradas, os destinos e se aconselharem mutuamente, os brasilienses e curvelanos se separaram, já que estavam hospedados em hotéis diferentes.
O retorno se iniciou no nono dia, após os quatro amigos aguardarem por mais de duas horas na fila do serviço de imigração para “dar saída” do Chile e, por orientação de alguns locais, a turma resolveu seguir uma rota diferente da percorrida na ida. A informação de que a estrada era boa e que havia postos de abastecimento não se confirmou. Após percorrerem cerca de 100 km em estradas realmente boas, o asfalto foi piorando até acabar, iniciando uma estrada de sal, o qual o grupo percorreu por mais uns 50 km. A partir daí a estrada passou a ser de terra e foi piorando gradualmente, de forma que era impossível atingir velocidades acima dos 50 km/h. Como a velocidade imprimida diminuiu drasticamente, aumentou o tempo gasto no percurso e, à medida que o sol se punha, a temperatura baixava drasticamente. Quando o grupo passou pelo posto militar do Ministério do Interior Argentino, em Paso Sico, ainda numa região de deserto, achou por bem pedir abrigo aos militares argentinos, que cederam um velho alojamento abandonado, mas limpo, com colchões e cobertores para os brasileiros passassem a noite abrigados do tempo. E o frio foi tanto que a água do vaso sanitário e das torneiras do alojamento congelou durante a noite. Se o grupo tivesse insistido em seguir viagem ao invés de pedir abrigo, certamente teria passado por apuros, já que não portavam roupas apropriadas para o clima noturno do deserto e o povoado mais próximo onde poderiam encontrar abrigo, comida e combustível, ficava a cerca de 70 km adiante. Nesse dia o grupo percorreu apenas 250 km, aproximadamente, devido à condição da estrada e à chegada da noite.
No décimo dia, após muito agradecer aos piedosos militares hermanos, o grupo prosseguiu, indo da base argentina em Paso Sico até o próximo povoado, 63 km à frente, onde foi necessário adquirir nafta (gasolina) a um preço bem mais alto que o usual através de locais que estocavam combustível para venda a quem precisasse, já que o posto mais próximo ficava quase 100 km adiante, onde foi necessária nova parada antes de chegar a Salta, grande e bonita cidade turística argentina, onde o grupo pernoitou após finalmente experimentar um delicioso bife de “chorizo”. Até Salta o grupo percorreu cerca de 300/350km.
No dia seguinte (décimo primeiro) a turma fez um passeio para conhecer os pontos turísticos da cidade, como a “Plaza Nove de Julho” e a belíssima Basílica de Salta, construída no fim da década de 40 pelo povo e pelo governo da província em homenagem à “Virgem del Milagro”, que teria salvado a vida de milhares de habitantes em agosto de 1948, quando um forte terremoto sacudiu a cidade.
Após lavarem e lubrificarem as motos, partiram novamente em direção à região “del Chaco”, com destino a Presidente Roque Sáenz Peña, que é a segunda cidade mais populosa da província de Chaco, com cerca de oitenta mil habitantes. Ali, como em toda região do Chaco, o clima é extremamente quente e úmido e, devido ao desconforto causado pelo calor, esse foi um dos dias mais cansativos da viagem. Contudo, os quatro brasileiros chegaram à cidade já à noite e só precisaram de um bom banho frio e um lanche para dormirem tranqüilos no conforto do ar-condicionado do quarto do hotel. O total percorrido no dia foi de aproximadamente 665km.
No décimo segundo dia a jornada se reiniciou cedo e o grupo seguiu pela RN16 e RN12 com destino à fronteira com o Brasil. A parada para almoço se deu na pitoresca cidade de Ituzaingó, cujo povo, seguindo a tradição dos colonizadores espanhóis, interrompe todas as atividades das 12 às 16hs para a “siesta”. A cidade é bem cuidada, tranqüila, e possui uma bela represa como atração turística e um suntuoso “casino” às margens da mesma. O grupo ainda cruzou grandes cidades argentinas como Posadas e Corrientes até chegar por volta das 22 horas à Puerto Iguazu, do lado argentino, que faz fronteira com Foz do Iguaçu, do lado brasileiro. Lá se deu o último abastecimento em terras argentinas para “torrar” os pesos que restavam à turma e a viagem prosseguiu com o cruzamento da fronteira, sem problemas. O senão ficou por conta de um pequeno contratempo com corruptos policiais argentinos, ainda em Corrientes, que tentaram extorquir algum dinheiro do grupo sob a alegação de que este tinha cometido infração de trânsito ao ultrapassar na faixa contínua numa ponte, fato que não ocorreu. Após algum tempo conversando educadamente com os policiais e explicando que nenhum dos integrantes do grupo tinha cometido a alegada infração, todos foram liberados independente de multa ou do pagamento de propina. A chegada ao hotel em Foz do Iguaçu se deu por volta das 23 horas e, de tão cansados, os quatro aventureiros preferiram pedir uns sanduíches e comer no próprio hotel. O grupo percorreu cerca de 820 km nesse dia.
No décimo terceiro dia os quatro saíram de “Foz” e seguiram pelas ótimas estradas do Paraná com a pretensão de chegar a Assis, no estado de São Paulo, mas devido ao trânsito e a uma pesada chuva, pararam em Maringá já no fim da tarde, onde pernoitaram. Apesar das boas estradas, o preço do pedágio é extorsivo, como dito anteriormente e a cada 70/80 km existe um posto de controle. Foram cerca de seis pedágios até o estado de São Paulo e o total percorrido foi de cerca de 420 km.
No décimo quarto dia o grupo saiu novamente cedo de Maringá, atravessou todo o estado de São Paulo pelas rodovias Castelo Branco e Fernão Dias até as Minas Gerais e parou, já no início da noite, em Estiva, pequena cidade próxima a Pouso Alegre. Após um bom lanche na padaria da cidade sob olhares de muitos curiosos, que assim como os demais habitantes de todas as cidades que o grupo passou, ficavam admirados com a distância e o tempo gasto na viagem, bem como com a coragem dos motociclistas, estes foram dormir numa pensão. O grupo percorreu uns 800km neste penúltimo dia.
No décimo quinto e último dia de viagem, o grupo saiu logo após o café da manhã e cruzou a movimentada Fernão Dias até chegar, ainda cedo, a Betim/MG, onde teve um delicioso almoço caseiro na residência do Lu, na companhia do seu filho e também motociclista (trilheiro) José Victor, de 12 anos, que recebeu a todos com muito entusiasmo e carinho. Ali permaneceram Lu e Duílio, seguindo Rafael e Márcio até Curvelo, onde também foram recebidos carinhosamente por seus respectivos familiares, saudosos e aliviados pelo retorno dos “bravos”. A distância percorrida até Betim foi de 390 km e até Curvelo foi de 550 km.
A aventura foi fechada com chave de ouro no dia seguinte por um churrasco oferecido pelos queridos Dircélia e Dirceu, pais do aventureiro Duílio, que na companhia dos outros três integrantes da aventura e de seus familiares, foram homenageados com uma bela faixa oferecida pelo Lito, irmão do Lu e do Márcio.
Na ordem, Maurílio (Lú), Duílio, Rafael e Márcio
Essa foi a história de aventura de quatro amigos que, com determinação, força de vontade, coragem e apoio de seus queridos familiares, cruzaram várias estradas de três países sul-americanos, além do Brasil, pilotando suas motocicletas em busca de um sonho. E se você pensa que eles estão cansados após tanto tempo e tamanha distância sobre uma moto, a resposta é que eles já planejam uma nova aventura ainda maior para o próximo ano.
Deixe um comentário