Paso de Jama e Paso de Água Negra

Dia 1 – 26/12/12 Mogi Guaçu – Foz do Iguaçu – 1.100km

Acordei bem cedo, às 3h30 da manhã, e quem disse que consegui dormir? Estava na ansiedade da viagem. Preparei tudo e saí ainda à noite. O tempo estava virando para chuva. Encontrei com o Márcio em Campinas às 5 horas e seguimos viagem.

Foi tudo bem tranquilo, as estradas de São Paulo são ótimas, até entrar no Paraná, todas pedagiadas e algumas em péssimo estado de conservação.

Quase nossa viagem já terminou no primeiro dia, graças a um vacilo meu. Um motorista de uma Tucson, bem estressado, vinha colando na nossa traseira o tempo todo, até que dei passagem para ele e voltei pra pista, mas o cara logo deu uma freada. Para não frear, resolvi passar pelo acostamento e entrar na frente dele, aí que foi o problema, ele havia freado para uma barreira policial. Pronto, o guarda queria recolher minha carta pela ultrapassagem perigosa. Conversa vai, conversa vem, falamos que estávamos indo para o Chile e tudo mais, e ele, muito simpático, só nos disse: “- estou vendo que vocês são motociclista e não motoqueiros, podem seguir sua viagem. Que Deus os acompanhem e, quando voltarem, passem por aqui para tomar um café comigo.” Aquilo me encheu de orgulho.

Seguimos em frente. Em Foz encontramos com o Paulo, motociclista de Curitiba que iria nos acompanhar na viagem.

Dia 2 – 27/12/12 Foz do Iguaçu – Corrientes – 650km

Acordamos logo cedo, tomamos café no hotel e partimos. Tudo muito simples na Aduana Argentina. Já tinha visto na internet que uma forte frente fria castigava o norte argentino. Não deu outra, antes de Posadas, aquele barro vermelho da região fez um estrago em toda a moto e em nossas roupas.

Após posadas, com uma forte chuva e vento lateral, a condução estava complicada, muitas arvores tinham caído. Chegamos em Corrientes no final do dia, procuramos Hotel e encontramos o Corrientes Plaza, o mais luxuoso que ficamos durante a viagem. O bom que demos um trato nas motocas e nas bagagens, pois não tinham condições de levar para o quarto.

Dia 3 – 28/12/12 Corrientes – Salta – 850 km

Tomamos um bom café da manhã no Hotel, durante o qual conhecemos dois casais de motociclistas de Joinville. Conversamos um pouco e resolvemos seguir viagem juntos. Saímos pensando que iríamos encarar o pampa do inferno, nome sugestivo para o calor que faz por lá, mas para nossa sorte, com a frente fria, a temperatura estava agradável.

Logo na saída da cidade, antes de cruzar a ponte de Corrientes para Resistencia, as motos não podem rodar na via principal. Eu estava conduzindo o grupo e não encontrava saída. Aguardei duas motos locais passarem e resolvi segui-las. Pronto, lá vem problema. Pegamos uma barreira policial, os policiais nos informaram que era proibida a circulação de motos naquela via. Eu perguntei o porquê de não pararem as motos que estavam à nossa frente, e ele me disse que somente motos internacionais não podem transitar ali. Já saquei tudo, o safado queria propina. Queria 100 Pesos em uma primeira conversa. Conseguimos negociar por 50. Pegamos o dinheiro e fomos entregar para ele, que recusou receber e disse para colocarmos dentro da guarita, que ele iria parar o tránsito para sairmos. Paulo e Sandro, que estavam com o dinheiro, entraram na guarita e resolveram não colocar dinheiro nenhum. Deixaram dentro da jaqueta. O policial, achando que o dinheiro já estava lá dentro, nos devolveu os documentos e parou o trânsito para seguirmos viagem. Saímos rápido e atravessamos a ponte. Primeiro aprendizado do dia: como passar a perna em um policial argentino.

O Pampa do inferno é muito cansativo, com retas e mais retas, nunca acaba, e uma nuvem de borboletas imenso. Elas ficam o tempo todo na estrada e a moto ficou branca de tanta borboleta. Tivemos que limpar os radiadores, pois estavam impedindo a refrigeração.

Chegamos em Salta ai cair da noite, cidade grande e noite, por experiência própria, parar no primeiro hotel que ver. Fomos entrando e caímos no centro da cidade, com um engarrafamento imenso. As motos carregadas, não sabíamos para onde ir, totalmente exaustos, tivemos que ter nervos de aço e paciência para conseguir sair daquela loucura e encontrar um hotel.

Em um posto de abastecimento, encontramos com mais quatro motociclistas Brasileiros. Foi aí que nossa viagem começou a mudar. Um deles nos indicou o paso Água negra para retorno, e disse para pesquisarmos. Aquilo ficou na minha cabeça e, logo que chegamos ao hotel, fui direto para o computador. Mostrei para os companheiros e ficamos de decidir em San Pedro de Atacama o retorno.

Dia 4 – 29/12/12 Salta – Susques – 350km

Tomamos café e já estávamos rodando. A idéia inicial era chegar em San Pedro de Atacama, mas como sabíamos que seriam lugares maravilhosos a visitar, e muitas fotos para tirar, talvez os planos fossem alterados.

Depois da região de Purmamarca, onde fica o Cerro de Las Siete Colores, é necessário fazer o abastecimento em Tilcara na quebrada de Humauaca, pois você ficará sem gasolina. São 40 km de desvio, 20 para ir e 20 para voltar. Já que vai estar lá, aproveite e siga pela rua lateral do posto YPF e vá visitar o sitio arqueológico El Pucará, é muito bonito e tem uma vista maravilhosa para o Cerro de Las Siete Colores.

Após abastecimento, começou a subida da cordilheira. Subimos bem, sem nenhum problema com a altitude. Neste caminho, encontramos um Brasileiro viajando com a família. O carro estava superaquecendo. Ele resolveu abrir o capô e fazer um apoio para refrigerar. Ajudamos e seguimos viagem.

Neste percurso, temos uma surpresa a cada curva. Assim que a cordilheira termina e o deserto se abre à frente de nossos olhos, a emoção é enorme. Não pude conter algumas lagrimas dentro do capacete. Passamos pelo salar e eu particularmente fiquei impressionado. Lembra do nosso amigo com a família? O capô se soltou ao cruzar com um caminhão e estilhaçou o vidro inteiro. Paramos novamente para ajudá-lo. Com isso, o dia já estava comprometido. Resolvemos dormir em Susques.

A esposa de um de nossos amigos apresentou o mal de puna e teve que ser levada para o Hospital, em Susques. Aproveitamos para dar uma volta e conhecer melhor a cidade.

Uma loucura, nunca tinha visto algo parecido. Parecia cenário de cinema: ruas de terra em meio ao deserto; casas de barro; a energia é gerada através de um gerador enorme. A igrejinha da cidade é um espetáculo à parte, quem for para o deserto não deixe de conhecer, é surpreendente.

O hotel era razoável. Neste dia, ficamos sem comer, passamos apenas com um refrigerante e barras de cereal, que nossas esposas deixaram dentro do baú para uma emergência.

Dia 5 – 30/12/12 Susques – San Pedro de Atacama – 300 km

Começamos a rodar assim que amanheceu, apesar dos conselhos de alguns colegas sobre o frio. Assim que começou a aumentar a altitude, o frio também aumentou. Neste dia, pensei que ia perder as pontas dos dedos, era uma dor terrível, parecia que estava rasgando. Parava para colocar a mão no motor e a dor continuava.

Chegamos na aduana argentina para dar a saída, tudo muito rápido e tranquilo. Cruzamos a fronteira e rodamos por mais uns 170 km até San Pedro de Atacama, onde demos entrada no Chile. Também super tranquilo, todos muito educados.

Fomos para o Hotel reservado antecipadamente. No final deste mesmo dia, resolvemos fazer o Passeio do Valle de La Luna, para ver o sol se pôr. É maravilhoso.

Dia 6 – 31/12/12 San Pedro de Atacama – 0 km

Às 4 da manhã, a van já estava nos pegando para ir conhecer os Geyser del Tatio. Muito bacana e interessante. Tomamos café por lá e conhecemos o povoado Machuca. Neste dia, o retorno para San Pedro foi em torno do meio dia. Procuramos algo para comer e aproveitamos a tarde para comprar lembranças para a família e descansar, pois à noite seria reveiilon. Saímos do Hotel a procura de algum lugar para comemorar, mas estava tudo muito caro e inflacionado devido ao dia. Achamos um pequeno restaurante com musica ao vivo, onde um peruano estava cantando. Passamos a virada neste local. Foi bem diferente do que estávamos acostumados. Depois, saímos pelas ruas para admirar os costumes locais e a queima de bonecos. Ficamos impressionados.

Dia 7 – 01/01/13 San Pedro de Atacama – 0 km

No dia D da viagem, acordamos mais tarde e fomos dar uma volta pela cidade. Almoçamos, voltamos ao Hotel. Computador na mão e reunião para decidir o que iremos fazer, qual o caminho da volta e tudo mais. Muita discussão para entrar em um acordo, até que surgiu a ideia e resolvemos conhecer o paso de água negra. Começamos a pesquisar e achamos algumas informações sobre ele: 50km de ripio, achei tranquilo, resolvemos pagar para ver. Montamos mapas e roteiros dia a dia, tudo isso em algumas horas de pesquisa.

No final deste mesmo dia, fomos conhecer o Vale da Morte. Muito bonito também.

Dia 8 – 02/01/13 San Pedro de Atacama – Chañaral – 850km

A descoberta do Pacifico. Rodamos pelo Deserto do Atacama até La Mano Del Desierto, muito famosa entre os motociclistas. Depois, fomos até Chañaral, para a primeira visão do Pacifico. Neste dia, tivemos um perrengue com combustível. Abastecemos e após 80 km existia um posto. Achei que não seria necessário parar, foram 320km sem postos. As motos chegaram quase sem gasolina, a Transalp tinha 600ml no tanque. Sempre que ver postos, abasteça.

Ficamos em uma pousada em frente ao mar. Chañaral é uma cidade sem estrutura, nada para comer, a água muito salobra para banho. Resolvemos cair fora logo dali.

Dia 9 – 03/01/13 Chañaral – La Serena – 500km

Trecho tranquilo, mescla um pouco de deserto com mar. La Serena é uma cidade muito bonita com muitos prédios e restaurantes uma orla muito bem cuidada e uma praia muito bela.

Ficamos em uma Cabaña, como eles chamam os Chalés por lá. Tem muitas opções, mas preços salgados.

Dia 10 – 04/01/13 La Serena – Villa Union – 650km

A inesperada passagem pelo Água Negra. Tudo começou com uma estradinha bem sinuosa, que iria terminar na Aduana de saída do Chile. Fomos informados que a partir dali seriam 170km de estrada sem pavimento. Fiz alguns cálculos na hora e já esperava de 6 a 7 horas para percorrer. Gastamos o dia todo, mas cada minuto e cada km valeu a pena. Nunca imaginei ver uma imagem daquela. O Paso Jama já tinha me surpreendido com a sua beleza, mas o Água Negra fez com que eu me esquecesse rapidinho do Jama. Atravessar a cordilheira sobre uma motocicleta, com gelo, é maravilhoso, indescritível!

A estrada é muito perigosa, andava de 40 a 50km/h no começo, senti muito frio na barriga, mas depois fui acostumando, aí era só curtir a paisagem. Chegamos na altitude máxima de 4850 metros. Encontramos um grupo de ciclistas cruzando o Paso. Fiquei impressionado com a coragem deles.

Chegamos na aduana da Argentina e, enfim, se iniciou o asfalto novamente, sem antes passarmos por uma dificuldade danada em um trecho que estava em reforma, mas as motos foram valentes e conseguimos passar sem nenhuma queda. A primeira cidade se chama Las Flores. Abastecemos por lá e seguimos viagem.

Ainda teríamos umas 3 horas de dia para rodar, então resolvemos chegar até Villa Union. Pegamos uma estrada de serra muito bonita e depois a famosa Ruta 40, que corta toda a Argentina, muito bela, mas muito perigosa e deserta. Antes de chegar na cidade, fomos parados em uma barreira policial. Muito papo furado e nada de pedir propina ou nos liberar. Após 30 minutos fomos liberados. Rodamos um trecho à noite e chegamos ao destino.

Ficamos em uma Cabaña, o proprietário se chamava Pancho, um motociclista muito gente boa.

Dia 11 – 05/01/13 Villa Union – Presidencia Roque Saenz Peña – 1.100km

Acordamos cedo, pois 1100 km é muita estrada. E como foram difíceis para mim. Posso considerar este o pior dia da viagem. Muita estradinha, muita quebrada, cidades lotadas, mas muito pobres, desvios de estradas péssimos muito cansaço e, para finalizar, chegamos em Saenz Peña sem dinheiro e à noite. Sorte encontrarmos um motociclista argentino que nos ajudou a encontrar Hotel e um bom lugar para comer.

Dia 12 – 06/01/13 Saenz Pena – Foz do Iguaçu – 800km

Ultimo dia de Argentina, uma chuvinha nos acompanhou por vários trechos. Apenas um problema no parafuso que segura o slider da Versys, que acabou quebrando, mas foi rapidamente solucionado.

Quando for passar por Posadas, não entre na cidade, pegue uma estrada nova, um desvio que acaba ganhando em torno de 40km e evita passar pela cidade, que é um caos, tanto no transito quanto de sujeira.

Neste dia conhecemos mais um motociclista, o Carlos Abraão, que viajava a Argentina com uma Harley 883. Muito gente boa, nos acompanhou até Foz.

Dia 13 – 07/01/13 Foz do Iguaçu e Paraguai – 0 km

Estávamos em Foz, porque não conhecer o Paraguai e fazer umas comprinhas? Lá fomos nós dar uma volta, aproveitamos e compramos pneus para as motos. Um absurdo a diferença de preço. O dia foi tranquilo.

Dia 14 – 08/01/13 Foz do Iguaçu – Mogi Guaçu – 1040km

Acordei às três da manhã com uma tempestade absurda. Estava com medo do vento derrubar as motos. A previsão de saída era para as 5 da manhã. Dei mais um cochilo e, quando acordei, o Marcio já estava colocando as roupas de chuva. Sem muito pensar, pegamos as motos e saímos. Até Cascavel, foi uma chuva muito pesada.

Encontramos com a motociclista Carla pilotando uma Super Ténéré 1200. E como pilota. Muito gente boa, sabe muito e está sempre na estrada.

A chuva nos perseguiu até em casa. Foram 1040km de chuva, 17 horas de viagem. Cheguei em casa muito cansado, mas com o prazer do dever cumprido e muito feliz por ter realizado um sonho.

Para quem também pretende fazer essa viagem, estamos à disposição para qualquer dúvida.

Gustavo Lemos Kawasaki Versys
Marcio Pexe BMW 650 GS
Paulo Bohler Suzuki VStrom 650


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