Expedição la Rinconada

La Rinconada fica no Peru, a 5.100 metros de altitude, e é considerada a cidade mais alta do mundo. No ano passado, eu, Lygia Cidin e Eduardo Gomes fizemos uma viagem de moto até aquela cidade em duas Yamaha Tenere 250cc.
Foram 20 dias para percorrer 6.400 km de estradas do Brasil, Peru e Bolívia.

O projeto teve início por causa da minha paixão por desafios. Navegando pela internet, encontrei a cidade de La Rinconada, localizada no Peru, país próximo da minha residência. Bastou tal descoberta para querer conhecê-la.

A partir de então, começaram os preparativos para a aventura: definição do trajeto, escolha da moto, cálculos com combustível, alimentação, hospedagem, etc.

Inicialmente o trajeto foi definido em 4.000 km, a serem percorridos em vinte dias, saindo pelo Estado do Acre e retornando por Guajará-Mirim, na fronteira com a Bolívia. Após a definição do trajeto, cheguei à conclusão que a moto mais adequada para fazer o trajeto seria uma da categoria off-road. Em razão disso, a moto escolhida foi a Yamaha XTZ Ténéré 250cc por sua versatilidade (econômica, leve e anda bem em qualquer terreno).

A princípio eu faria a expedição com a Lygia na garupa. Entretanto, um antigo amigo, Eduardo Gomes, ao saber do projeto, resolveu também embarcar na aventura de conhecer a cidade mais alta do mundo.

Assim, depois de alguns meses de preparação e com as motos devidamente equipadas, saímos de Porto Velho (RO) no dia 7 de outubro rumo à La Rinconada.

No dia seguinte, por volta das 17h, chegamos à cidade de Assis Brasil (AC), que faz fronteira com a cidade de Iñapari no Peru. Passamos pela imigração e fomos orientados, no posto da Polícia Federal, a pernoitar em Iñapari, por ter mais estrutura de hospedagem e alimentação, o que realmente se confirmou.

Depois de uma boa noite de sono e de um excelente café da manhã, a expedição seguiu para a cidade de Puerto Maldonado, a 229km de Iñapari. A chegada foi por volta das três horas da tarde do dia 9, debaixo de uma chuva fina. A primeira bela visão da cidade foi a partir da Puente Continental, que atravessa o rio Madre de Dios.

A estadia em Puerto Maldonado foi curta: no dia 10, uma segunda-feira, seguimos viagem. Estávamos bastante ansiosos, especialmente a Lygia e o Eduardo, pois no próximo trecho do trajeto começaríamos a subir a Cordilheira dos Andes. Já experiente nesse quesito, sugeri que todos tomássemos uma xícara de chá de coca na cidadezinha de Quincemil, primeira parada antes da subida. Tal chá ajuda a prevenir e amenizar os efeitos da altitude pois, sendo vasodilatador, abre os brônquios. Pode-se utilizar também um comprimido chamado Soroschi Pill, que provoca o mesmo efeito.

Mais um pouco chegamos à cidade de Marcapata. Chovia e fazia muito frio. Então, resolvemos nos abrigar no mercado central, onde tomamos outra xícara de chá de coca, (té, como é chamado pelos peruanos). Marcapata fica a 3.150 metros acima do nível do mar. Ninguém até então, sentiu qualquer efeito da altitude.

Em seguida passamos por Abra Pirhuayani que fica a 4.725 m de altitude, onde fomos presenteados com o que a princípio parecia garoa, mas logo constatamos que era neve. Nos comportamos como crianças diante daquele espetáculo da natureza. A temperatura estava em torno dos 4 graus positivos, bem frio.

Seguimos até Cusco, onde chegamos por volta das 18h30, já escurecendo, debaixo de uma fina garoa e de muito frio. Só conseguimos um lugar pra ficar horas depois, já que a cidade estava lotada de turistas. Ficamos na cidade por dois dias. Ela é bastante pitoresca, especialmente a parte histórica, onde fica a Plaza de Armas, local cercado por barzinhos, restaurantes, hotéis, teatros e boates; é onde tudo acontece.

De Cusco seguimos pra Julliaca, cidade com um dos trânsitos mais “loucos” que presenciamos durante a viagem. Tuk tuks ( triciclo made in Índia) para todos os lados, vans, carros, buzinas sem fim e faixas de pedestres que só servem de enfeite e ninguém respeita. Aconselho jamais chegar naquela cidade à noite.

Pernoitamos em Julliaca, mas antes de dormir fizemos um passeio rápido pela cidade, que estava comemorando o dia dos estudantes. Assistimos a uma parada de estudantes universitários que, vestidos com roupas típicas, dançavam e cantavam com muita empolgação os hinos dos seus cursos. Presenciamos um concurso de dança na praça principal. Por volta do meio dia seguimos para a cidade de San Antonio de Putina, onde chegamos por volta das 14h. Deixamos as coisas no hotel, almoçamos e fomos até um mirante no topo de uma pequena montanha. Registramos lindas imagens com um drone da região. No local há um Cristo redentor e uma linda capelinha, onde se pode rezar e escrever seus pedidos de oração no livro de visitas.

No dia seguinte seguimos para a tão esperada La Rinconada. O tempo estava bom e fazia um friozinho suportável. A estrada estreita e cheia de curvas ajudou a aumentar a adrenalina de todos, sem falar na linda paisagem ao longo do caminho, com vilarejos construídos de pedras, plantações de eucaliptos, ovelhas, alpacas, um cenário de encher os olhos e o coração.

Após duas horas, finalmente tivemos a visão de uma imensa montanha de neve, onde milhares de pessoas labutam diariamente para extrair ouro.

Quanta alegria sentimos ao cumprir o propósito de conhecer a cidade mais alta do mundo. Eu não me contive e as lágrimas caíram de emoção. La Rinconada, a 5.100m acima do nível do mar. Diferente do que imaginamos, não sentimos tanto a altitude.

As pessoas de um modo geral, apesar de desconfiadas, prestaram informações. A única frustração foi a de não conseguirmos subir a montanha, pois as ruas da cidade são cheias de lama e muito íngremes e tentar subir forçaria muito as motos. Por outro lado, não havia como subir e deixá-las, pois nos alertaram a respeito do perigo de assalto, por ser uma área de garimpo. Mesmo assim, ainda insistimos e chegamos a 5.280 metros, quando a embreagem das motos deram sinais de queima. Apesar de não ter como prosseguir até a montanha, ficamos realizados com o feito.

Na volta paramos na cidadezinha de Ananea, onde a temperatura estava em torno de -1°C, às 16h.

Depois retornamos a San Antonio de Putina, onde pernoitamos. No dia seguinte seguimos para Puno, última cidade peruana a ser visitada. Chegamos na cidade no fim da manhã e na entrada da cidade avistamos o lago Titicaca. Belíssima a paisagem. Depois das fotos e filmagens do local, nos acomodamos no hotel e depois fomos almoçar no restaurante Mojas, que fica na Plaza de Armas. Indico a todos que forem a Puno (o ceviche e truta são fantásticos). À noite saímos para jantar com o casal de brasileiros, Danilo e Bruna, que estão viajando há seis meses pela América do Sul em uma Land Rover. No dia seguinte demos uma geral nas motos enquanto Lygia foi ao tradicional passeio nas ilhas flutuantes do Lago Titicaca.

No dia 18 saímos cedo rumo à Bolívia. Todo o trajeto foi ao longo do lago Titicaca. Tudo certo na imigração, seguimos para Copacabana, uma cidade que fica à beira do lago. Os melhores hotéis ficam na orla. De lá saem os passeios para as ilhas do Sol e da Lua (ilhas sagradas dos Incas). Sem dúvidas, o Titicaca do lado boliviano é bem mais bonito. Na cidade encontra-se a Basílica de Nossa Senhora de Copacabana; uma construção enorme datada de 1550, de estilo renascentista, que fica em frente à praça principal. Outra atração da cidade é o Cerro Calvário que reproduz a Via Crucis. Ficamos encantados com a vista panorâmica da cidade e do lago. Imperdível!

Após desbravar Copacabana, viajamos até Oruro, cidade que fica entre La Paz e o Salar de Uyuni. Descansamos no lugar para, no outro dia 21, continuarmos nossa viagem rumo ao Salar.

A paisagem da região é desértica, com montanhas cheias de cactos, na qual habitam as vicuñas. Encontramos várias no caminho.

Chegamos ao Salar no finalzinho da manhã e fomos para o marco das bandeiras, local em frente ao primeiro hotel de sal. Ficamos deslumbrados com todo aquele sal, que ora parecia neve ora areia. O Salar nesse ano de 2016 fez parte do Rally Dakar. Em razão disso esculpiram, em sal, o símbolo do rally. As fotos tiradas com o drone ficaram um espetáculo.

Pernoitamos na cidade de Uyuni e seguimos no outro dia para La Paz, cidade dividida em partes alta e baixa. A parte baixa é onde ficam os enormes edifícios. É o lado desenvolvido da cidade, com largas avenidas e prédios históricos, onde fazem a melhor saltenha que já experimentamos. Local bacana para conhecer.

De La Paz fomos até Coroico pela “Carretera de La Muerte” (Camino a Los Yungas). Estrada de chão, de mão inglesa, com aproximadamente três metros de largura, estando a mais ou menos 600 metros do nível do mar. Descemos com muita calma e apreciando a paisagem de selva. Chegamos a fazer um rápido racha, para desespero da Lygia, mas tudo terminou bem. Presenciamos turistas fazendo downhill. Momentos de pura adrenalina.

Descansamos em Coroico, onde comemos um maravilhoso fondue e, no dia seguinte, fomos para Rurrenabaque. A poucos quilômetros da cidade a estrada estava interditada, em razão de obras. Tal fato fez com que ficássemos das 10h da manhã às 17h da tarde aguardando a liberação da via para prosseguirmos. Por sorte, uns 20 minutos antes da abertura, os responsáveis pela barreira liberaram as motos, o que foi fundamental, porque do contrário pegaríamos um trânsito terrível, já havia no local uma fila imensa de veículos.

Teríamos que percorrer 328 km até a próxima cidade. Foi o trecho mais cansativo e estressante, pois a estrada, além de ser em uma serra, tinha trechos de mão inglesa, com seixos e terra soltos, com muitas subidas e sem visibilidade, pois logo anoiteceu. Só chegamos a Rurrenabaque à 1h da manhã. Exaustos, com fome e loucos por um banho, só conseguimos um hotel quase uma hora e meia depois.

No dia 26, abastecemos as motos e seguimos para Guayaramerín. A distância a ser percorrida era a de aproximadamente 600 km. Entretanto, em razão de se tratar de estrada de chão, tivemos que pernoitar na vila Yata. Choveu e a estrada virou um tapete de lama. Foi também um trecho cansativo em razão da lama, que podia derrubar-nos no mínimo vacilo. Aliás, Eduardo caiu algumas vezes (cinco no total), mas sem grandes consequências.

No caminho, ficamos impressionados com a quantidade de aves, jacarés, porcos do mato e capivaras que vivem na região, um verdadeiro Pantanal.

Por volta das 15h chegamos ao pequeno vilarejo, onde pernoitamos numa espécie de hospedaria/alojamento. Apesar da precariedade do local, jantamos um delicioso peixe feito pela dona do estabelecimento, que nos recebeu com muita gentileza. No dia seguinte, após passarmos por Riberalta, onde comemos deliciosas empanadas, finalmente chegamos a Guayaramerín.

Lá pernoitamos e, nos dia 28, após procedermos os trâmites legais para deixar a Bolívia, seguimos para Porto Velho, cheios de lembranças inesquecíveis de uma maravilhosa e bem sucedida aventura.

As motos Yamaha Ténéré 250cc, foram as grandes aliadas do sucesso da viagem e não apresentaram qualquer defeito mecânico. Extremamente econômicas, chegaram a fazer com a gasolina do Peru e Bolívia uma média de 30 km por litro. Provaram que realmente são versáteis e, de fato, cumpriram seu papel com maestria.


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