Toda viagem de moto já é uma aventura, mas a Expedição 6 Fronteiras teve um tempero ainda mais condimentado e foi uma verdadeira prova de resistência e coragem, superados com bravura por Bráulio Oliveira (Baú), Duílio Camilo Soares, Elton Borges (Eltinho), Emílio de Vasconcelos Costa, Warley Lanza (Moca) e por mim.
A partida ocorreu em 6/9/13, com Eltinho, Duílio e eu saindo de Curvelo, com as bênçãos de Deus e São Geraldo, dadas pelo Pe. Toninho, da Basílica, e Bráulio, Warley e Emílio, da Bandeirante Motos, em Sete Lagoas. Encontramo-nos todos no Posto Faisão, no entroncamento da BR-040 com a BR-135, e de lá partirmos rumo ao município de Luz/MG, cerca de 190 km após o ponto de encontro. Chegamos a Luz à tarde, pernoitando no sítio do Sr. Tininho e D. Maria Helena, pais do Bráulio, que nos receberam com toda “pompa e circunstância”. A noite foi regada a vinho e cerveja, combinados com ótimos tira-gostos e deliciosa “galinhada”.
No dia seguinte, feriado do “Dia da Independência do Brasil”, saímos bem “cedinho” e, por volta das 5 horas, já estávamos na estrada, rumo a Santa Rita do Araguaia, cerca de 1.000 km adiante, passando por Araxá e Uberlândia, em Minas, Itumbiara, Rio Verde e Mineiros, em Goiás, sendo que esta última era a pretensa cidade de pernoite, mas, como chegamos ainda cedo, resolvemos estender alguns quilômetros e pernoitar mais à frente, já na divisa com Mato Grosso. No caminho, muito calor, estradas boas e paradas rápidas para abastecimento, alongamento, hidratação e lanche leve foram a tônica do dia, como nos demais dias dentro do Brasil.
Logo na chegada a Santa Rita do Araguaia, onde acontecia um festival náutico e encontro de motociclistas, fomos recepcionados por um dos organizadores deste e convidados para participar do evento, mas devido ao cansaço e necessidade de uma refeição mais substancial, preferimos procurar hotel e um restaurante para jantar, o que foi feito em Alto Araguaia, cidade do outro lado da ponte que divide os estados de Goiás e Mato Grosso.
No outro dia, também muito cedo, seguimos pela movimentada BR-364 com destino a Porto Esperidião, mas aproveitando a vantagem adquirida no dia anterior, conseguimos chegar a Pontes e Lacerda/MT, próxima à divisa com a Bolívia e cerca de 120 km adiante, após passarmos por Rondonópolis, pela região da grande Cuiabá e por Cáceres, sob tráfego e calor intensos, tanto que demandou paradas mais longas, para nos “refazermos” do cansaço. Percorremos cerca de 890 km nesse dia.
De Pontes e Lacerda, partimos também cedinho e percorremos 820 km até Ariquemes/RO, uns 100 km adiante de Jaru, que era a pretensão e, após o abastecimento e lubrificação das motos, pernoitamos num bom hotel depois de um “briefing” noturno à base de cerveja, pizza e Coca Cola, bebida indispensável para um dos integrantes.
No 5º dia, com a vantagem adquirida, houve mudança de planos e a pretensão era passar de Rio Branco/AC, meta original, para dormir já na fronteira com o Peru, mas a partida às 7 horas, um pouco mais tarde do que de costume, e pequenos atrasos como a travessia do Rio Madeira por balsa e o primeiro problema mecânico, quebra da corrente de uma das motos, acarretou a “perda” da vantagem adquirida nos dias anteriores e a parada na aprazível Senador Guiomard/AC, onde pernoitamos numa simples, mas limpa e agradável pousada familiar, após um lanche no “point” da cidade assistindo ao amistoso da seleção brasileira contra a seleção de Portugal.
O dia foi de forte calor, principalmente durante a travessia por balsa, já que havia pouca sombra para nos escondermos. Fato engraçado foi que todos fizemos um lanche numa pequena barraca às margens do rio, antes da travessia, e o Eltinho acabou “descomendo”, bem na rampa de embarque da balsa, o bolinho de aipim/mandioca que tinha ingerido, levamos um susto, mas o “rapaz” tinha apenas se engasgado na pressa de comer, pilotar, embarcar…
No dia seguinte, um apetitoso café da manhã com suco de laranja, leite, café e pães fresquinhos com geléia ou manteiga, preparados pela dona da pousada, e mais estradas, dessa vez com alguns buracos (os primeiros e únicos enfrentados no Brasil durante todo o percurso) causados por chuvas em dias anteriores.
A primeira parada para abastecimento foi em Epitaciolândia, na fronteira com Bolívia e próximo à fronteira com o Peru, onde três integrantes do grupo foram se vacinar contra febre-amarela e os demais, já vacinados, foram trocar os cartões de vacina nacional pelo da ANVISA, válido também no exterior, providência importante no aspecto preventivo, mas desnecessária no aspecto burocrático, já que não foi exigido cartão de vacina em nenhuma das fronteiras ao longo de toda a viagem. Perde-se muito tempo em procedimentos que envolvem o preenchimento de formulários, como a conversão dos cartões de vacina, já que os funcionários encarregados de tais funções, apesar de muitas vezes atenciosos e dedicados, são despreparados e lentos.
Tudo pronto, hora se seguir mais alguns quilômetros até a fronteira com o Peru, onde mais uma demorada parada para entrada na documentação pessoal e das motos, após a saída do Brasil, foi necessária. Aproveitamos para fazer o câmbio, obviamente em condição menos favoráveis que no interior do País.
Os servidores da imigração e da aduana Peruana se mostraram íntegros e honestos, embora lentos e sem aparato que lhes desse boas condições de trabalho.
As estradas peruanas são excelentes e, logo na fronteira, “pegamos” a “Carretera do Pacífico”, rumo a Puerto Maldonado. Como de hábito nos primeiros dias da viagem, chegamos antes do previsto e, após abastecimento e informações recebidas de um pastor paulistano que reside no Peru há vários anos e nos interpelou no semáforo, e que solicitamente também nos alertou sobre o longo tempo gasto entre Puerto Maldonado e Cuzco devido à subida da “serra de selva” e da cordilheira, permeada por muitas curvas “fechadas”, resolvemos seguir até Mazuko (pronuncia-se Massúco), 170 km adiante, onde chegamos já no início da noite. Mazuko, apesar de muito pobre e com pouca infra-estrutura, comum na maioria das cidades peruanas pelas quais passamos, possui um bom hotel.
Após deixarmos por lá nossa bagagem, nos separamos em dois grupos e fomos todos jantar. Fomos a um bom restaurante típico na entrada da cidade, onde comemos pollo (poio/frango frito) e “lomo saltado”, prato típico à base de filé de carne de boi e batatas. O restante do grupo preferiu comer pollo num restaurante mais simples bem ao lado do hotel. O preço da alimentação é muito baixo, e com o equivalente a menos de R$10,00 por pessoa faz-se uma refeição farta de algum prato típico, principalmente nos restaurantes populares.
No 7º dia, saímos cedo e continuamos a subida da cordilheira, desta vez com a temperatura bem mais amena e sem tanta vegetação quanto no dia anterior, quando ainda atravessávamos a Amazônia Peruana, mas não menos bela. Aliás, pode-se dizer que foi um dos dias em que vimos as paisagens mais bonitas, já que estávamos rodeados de montanhas altíssimas, algumas com os picos cobertos de neve.
Pegamos uma chuva fina ao longo dos primeiros quilômetros e, mesmo após a estiagem, em várias curvas haviam depressões na pista por onde passavam “filetes” de água que escorriam das montanhas, o que era sempre um risco para nós motociclistas, ainda mais depois do alerta do amigo Rômulo Provetti, cujo companheiro de viagem se acidentou e foi ao chão em um desses trechos em viagem pretérita.
Passamos pelo pueblo de Marcapata, onde paramos para fotos, lanche e aclimatação, tomando um chá de folha de coca que certamente deve ter contribuído para abertura dos brônquios e para que não sofrêssemos com o mal da altitude. Por falar nela, seguimos até a altitude máxima de 4.725 m, e de lá continuamos um desce e sobe na cordilheira até chegarmos a Cuzco, por volta das 15 horas. Apesar de Cuzco ter se mostrado uma cidade cosmopolita e com ótima infra-estrutura, almoçamos por lá, fizemos uma pausa para a “siesta” e algumas fotos na Plaza de Armas, mas seguimos rumo a Ollantaytambo, como programado, por ser mais próximo do parque sagrado de Machu Picchu (metade do caminho de Cuzco até lá) e por ter acomodações tão boas quanto e bem mais baratas. Só não contávamos com um erro de cálculo do GPS, que indicou o caminho mais curto, mas não avisou que era estrada de terra.
Logo no início do trecho não pavimentado, aliás, de pura lama e barro, fomos solicitamente avisados por um nativo que seriam apenas 7 km de estrada de terra, em boas condições, e que teríamos que atravessar (por dentro) um rio, que aparentemente é o mesmo que margeia os trilhos que levam a Machu Picchu. Iniciamos o percurso e houve o ímpeto de desistir e voltar, mas a informação de que o outro caminho era de mais de 100 km e mais de 2 horas nos demoveu da ideia e continuamos a “trilha”.
Como havia muita lama e barro e a maioria das motos eram pesadas e com pneus largos, as rodas traseiras dançavam ao som do ruído do motor e, não bastasse o tipo de pavimentação, a estrada ainda era no alto de uma grande montanha, em acentuado declive até o leito do rio, cuja travessia foi necessária em dois trechos, já que o mesmo serpenteava pela estrada. E não foi só, o sol se foi e a noite caiu sem cerimônia, dificultando e impondo ainda mais responsabilidade na travessia. Foi pedreira, mas vencemos e chegamos a Ollantaytambo após 2 horas e mais de 20 km de trilha noturna, contrariando as informações dos nativos e com descida de despenhadeiro, travessia de rios e tudo mais que uma boa trilha tem direito, e de moto grande.
A chegada a Ollantaytambo foi um alívio, e também o foi o ótimo jantar num bom restaurante típico na Plaza de Armas (toda cidade andina tem uma), onde comemos “ceviche de truta” e “bisteck a lo pobre”.
O senão ficou por conta de, apesar do cansaço, só encontramos passagem para Águas Calientes/Machu Picchu para um dos primeiros horários do trem, às 5 horas do dia seguinte, impedindo que colocássemos o sono em dia, por isso, após o rápido jantar, ocasião em que conhecemos o amigo Nelson del Nero, também motociclista e viajante solitário, fomos logo para o hotel tomar banho e pernoitar, com exceção do Emílio que perdeu a única chave do seu quarto do hotel e, nervoso porque o mesmo não tinha uma chave reserva, teve que aguardar o dono abrir o quarto com uma ferramentas após muito trabalho e descobrir que a chave perdida estava sobre a cama, do lado de dentro do quarto, cuja fechadura da porta havia sido trancada pelo próprio Emílio pelo lado de dentro, antes da saída para o jantar. Foi uma das passagens mais engraçadas da viagem, menos para o Emílio, que perdeu pelo menos uma hora de sono aguardando aquele desfecho.
Pois bem, no 8º dia, que era pra ser de descanso e passeio em Machu Picchu, acordamos ainda mais cedo que de costume, pois às 4h30 deveríamos estar na estação de Ollantaytambo para embarque rumo a Águas Calientes, e assim o fizemos.
Na viagem de cerca de 2 horas até Machu Picchu, nem todos pudemos aproveitar o belo visual devido ao sono, mas fomos acompanhando o trajeto do trem e, na medida do possível, apreciando as belas montanhas e o rio de águas caudalosas que margeia os trilhos, que por sinal, atravessamos de moto por duas vezes no início da noite anterior, só que em um trecho bem mais raso e menos agitado.
No trem, fizemos amizade com Dilan, um garoto venezuelano de 12 anos que é fanático por futebol, mormente o brasileiro, e tem em Kaká o seu maior ídolo.
Chegando a Águas Calientes fomos surpreendidos pela organização, limpeza e infra-estrutura locais. Há muitos e bons restaurantes e hotéis, tal qual Cuzco e diferentemente das demais cidades peruanas pelas quais havíamos passado até então. Porém, todo luxo tem seu preço e ali em Águas Calientes essa máxima era levada a sério, dos preços das passagens de trem a uma simples garrafa de água mineral, pois tudo era superlativamente mais caro, como a passagem de microônibus para ir a Machu Picchu, que custava cerca de 40 dólares a ida e a volta, num percurso de pouco mais de 10 minutos cada trecho. Existia a opção de fazer o percurso à pé, mas é subida ou descida de montanha e mais de 2 horas cada trecho, sem contar a caminhada dentro do parque sagrado (Machu Picchu), onde só se desloca à pé, nos desanimou a tentar.
Sobre Machu Picchu, desnecessário tecer qualquer comentário, pois a história do lugar está disponível na internet e as fotos falam por si mesmas, valendo ressaltar tão somente que valeu a pena, e muito, conhecer uma das maravilhas do Mundo moderno.
Terminada a visita, voltamos, uns de ônibus e outros à pé, a Águas Calientes, onde nos encontramos todos para almoçar. Tomamos vinhos, cerveja, pisco sour, que é uma espécie de caipirinha feita de pisco, a bebida típica à base de licor.
Em Águas Calientes, encontramos novamente o Nelson del Nero, viajante solitário e amigo feito na noite anterior, além de dois simpáticos casais de Belo Horizonte, com quem confraternizamos e fizemos amizade.
Chegada a hora do retorno, “tomamos” o trem rumo a Ollantaytambo e, de tão cansados, nem sequer jantamos, indo direto para os respectivos quartos dormir, já que no outro dia bem cedo reiniciaríamos a jornada.
Assim, no 9º dia, saímos cedo com a pretensão de chegar a La Paz, mas um mal estar mudou os planos e nos fez parar em Juliaca (diz-se Ruliaca), a cidade mais feia, suja e desorganizada que já conhecemos.
O Emílio estava com febre e se sentia fraco, mas a completa falta de infraestrutura da cidade nos fez prosseguir até Puno, após o parco lanche encontrado em uma birosca local
Puno fica às margens do Lago Titicaca, onde encontramos boa infraestrutura para uma melhor recuperação do Emílio, à base de repouso, hidratação e alimentação adequada. Não sabemos o que o acometeu, se o “mal da altitude”, a reação tardia à vacina contra febre amarela ou uma simples virose, mas no dia seguinte ele já se sentia melhor e pudemos prosseguir rumo a La Paz.
Antes disso, no dia anterior, enquanto o restante do grupo foi solidária ao Emílio e fez companhia a ele no repouso, eu e Duílio, que ficamos em outro hotel, fomos visitar o Lago Titicaca e conhecer a civilização Uros, que vive de forma relativamente primitiva em ilhas flutuantes e é muito fascinante, por sinal.
Após o retorno do passeio ao lago, fomos dar uma volta pela Plaza de Armas de Puno e jantamos num bom restaurante de massas.
No 10º dia, prosseguimos até La Paz, a capital mais alta do Mundo. Percorremos uma bela estrada às margens do Lago Titicaca até a fronteira, onde fizemos o câmbio, ainda do lado Boliviano. Após enfrentarmos uma fila com mais de 100 pessoas, cruzamos o marco que divide os dois países.
Tanto na fronteira quanto no início do trecho de estrada boliviana sofremos as primeiras tentativas de extorsão, uma pelo suposto agente de estradas Peruano que reclamava o pagamento de 5 soles por cabeça pela isenção dos pedágios nos trechos percorridos no Peru, e outra pelos policiais Bolivianos que reclamavam 5 bolivianos por cabeça para trafegarmos nas estradas do seu País. Em nenhum dos casos cedemos, fomos duros e demonstramos conhecer as leis locais, informando que sabíamos não haver obrigatoriedade de pagamento de tais “contribuiciones”, ao que fomos liberados “ilesos”.
Chegando à cidade, passamos por El Alto, parte alta de La Paz, numa completa confusão de vans, ônibus pedestres e automóveis, “tudo junto e misturado” numa espécie de feira em que se comercializava todo tipo de objetos, desde artesanato a eletrônicos e muita coisa de origem duvidosa. Fomos direto ao Hotel, o bom Bolivian Passport Hotel, que fica ao lado do “Terminal Terrestre”, onde havia um velho ônibus com destino a Belo Horizonte/MG, via Piunhi e MG-050.
Pretendíamos percorrer toda a Estrada da Morte/Yungas Road/Rota de Los Yungas no mesmo dia, mas no hotel obtivemos informação que a travessia dos cerca de 40 km da mesma demandariam mais de 3 horas e que seria arriscado demais fazê-lo naquele mesmo dia, já que era impossível percorrer tal distância e ainda retornar ao hotel sob a luz do sol. Assim, optamos por fazê-lo no dia seguinte e parte do grupo resolveu descansar, enquanto o impávido Emílio resolveu ir sozinho, e naquele mesmo dia, conhecer a famosa “Rota de Los Yungas”. Outra parte do grupo foi até Chacaltaya, antigo resort, laboratório e estação de esqui desativada que é simplesmente a mais alta do planeta, a 5.395 metros acima do nível do mar. Para chegar lá, é necessário percorrer uma estrada bem estreita e íngreme construída nos anos de 1930.
No início da noite, todos nos encontramos novamente no hotel e ficamos sabendo da proeza do Emílio, que embora não tenha percorrido toda a estrada da morte, se arriscou ao retornar de lá por cerca de 50 km (asfaltados) sob muito frio e já sem luz do sol, passando por festas típicas na periferia de La Paz, onde parou para alguns belos registros fotográficos.
No 11º dia, que originalmente também estava reservado a descanso dos “cavaleiros” e das “montarias”, foi necessário sair bem cedo, com o propósito de “fazer” toda a Estrada da Morte e retornar por volta da metade do dia ao hotel, onde deixamos as bagagens prontas, para partir rumo ao Chile, ou até onde desse no caminho.
Para chegar ao início da Yungas Road, foi necessário percorrer uns 50 km à partir do centro de La Paz por uma estrada maravilhosa sobre as montanhas da cordilheira, todas cobertas de neve. “Andamos” literalmente nas nuvens e, não bastasse as belas paisagens pelas quais passamos nesse percurso, ficamos ainda mais extasiados e estupefatos com as maravilhas da “Estrada da Morte”, que encanta pelo perigo a que expõe aqueles que se arriscam a enfrentá-la, pela altura dos precipícios, pela estreiteza da estrada, pelas estatísticas de acidentes fatais, enfim, por aquilo que cada um sente ao estar ali, e podemos garantir que são sensações diversas, das mais desafiadoras e instigantes que o ser humano é capaz de perceber. Em alguns trechos, a largura da estrada não é maior que a largura de um carro pequeno e, por vezes, a estrada é banhada pelas quedas d’água que descem do topo da montanha. Para complicar (ou dar mais emoção), diversos veículos pequenos transitam pela estrada e lá se utiliza a “mão inglesa”, de forma que quem desce, tem que usar a “mão” da esquerda, ou seja, bem ao lado do precipício, que não conta com nenhum tipo de anteparo e proteção, nem mesmo nas inúmeras curvas fechadas de até 180 graus, que em alguns pontos, tem mais de 500 metros de altura, ressaltando que o início da estrada se dá aos 4.700 metros de altitude, descendo até Coroicó, a 1.200 metros de altitude, por cerca de 40 km de percurso sem pavimentação.
“Vencer” a Estrada da Morte foi o ápice da aventura e, após um breve lanche, era hora de retornar ao hotel e partir rumo ao Chile. Mas houve um breve desencontro de opiniões e uma temporária cisão no grupo, de forma que Bráulio, Warley e Emílio partiram mais cedo, passando por Arica, no litoral norte do Chile, pernoitando antes em Jancoaque, pequeno povoado boliviano quase na divisa com o Chile e seguramente o local mais frio que passaram, como viemos a saber após o reencontro. Também enfrentaram problemas com um pneu furado e o Emílio foi procurar o pneu com a ajuda de um chileno “bebum” que estava no posto de gasolina bebendo e recebendo gorjetas para calibrar os pneus dos veículos que lá paravam.
Eu, Eltinho e Duílio seguimos viagem no mesmo dia, mas fomos rumo a Oruro, ainda na Bolívia, pretendendo atravessar a fronteira no dia seguinte rumo a Iquique, também no litoral do Chile. Pilotamos até as 20 horas, quando o frio e a escuridão recomendaram a parada, que foi feita no Pueblo de Luhuachaca, onde só encontramos um humilde alojamento sem banheiro nem garagem para as motos, mas bem abrigado do frio que nos “trincava os ossos”. Era uma espécie de iglu feito de adobe, muito simples e sem qualquer comodidade, a não ser pelas camas. Dormimos do jeito que chegamos, ou seja, com as roupas de pilotar, tirando apenas as botas e luvas. Antes disso, tínhamos ido à procura de comida e só encontramos um pequeno restaurante que servia pollo à la brasa, que foi nosso jantar. Contudo, não havia facas nem garfos, somente colheres. O jeito foi cortar os pedaços do frango (pollo) com uma tesoura.
No 12º dia, “caímos na besteira” de sair cedo (por volta das 6 horas) e quase congelamos as pontas dos dedos das mãos e dos pés nas primeiras horas do percurso. Paradas constantes eram necessárias para colocar as mãos sobre os escapamentos das motos na tentativa de nos aquecermos, até que o sol deu as caras e foi possível seguir e chegar a Oruro, onde fizemos câmbio em condição bem melhores que na fronteira.
Tentamos contato com o restante do grupo pela internet, sem êxito. Seguimos rumo a Iquique, passando por vários pequenos desvios de terra, até que o asfalto acabou de vez e pegamos um desvio de cerca de 180 km de pura poeira. Chegava a ser difícil conduzir devido à altura dos bancos de poeira. Havia máquinas e operários na pista e paramos para perguntar sobre as condições dali para frente e a resposta não foi nada animadora, pois nos alertaram que seriam pelo menos mais 3 horas sem estradas. Como se não bastasse, não havia indicação nem delimitação das margens da estrada, era tudo um completo e imenso descampado e havia carros em sentido contrário tanto pela esquerda quanto pela direita, por vezes cruzávamos com carros na perpendicular e até na diagonal, ou seja, ninguém sabia ao certo pra que direção deveria ir.
Após muita persistência e tentando seguir os ônibus, retomamos a estrada de asfalto e continuamos rumo à fronteira com o Chile, onde chegamos por volta das 13 horas, sob fortíssimo vento lateral. Fizemos o câmbio para pesos chilenos e fomos dar início aos trâmites da imigração. Passamos pela mais burocrática, rigorosa e demorada fronteira. Além de inúmeros formulários a preencher, tivemos toda a bagagem vistoriada, inclusive os tanques de combustível das motos por meio de uma câmera ligada à uma sonda, numa operação que levou mais de 4 horas. Saímos já no fim da tarde do posto de fronteira em direção a Iquique, mas o frio intenso e a prudência nos fez retornar após 60 km percorridos. Voltamos até Colchane, na divisa dos Países, onde pernoitamos num bom hotel abrigados do frio. Tomamos vinho e uma sopa bem quente para nos aquecer. O frio lá fora era intenso.
No 13º dia resolvemos sair um pouco mais tarde para não sofrer com o frio da manhã, e essa atitude se mostrou bem acertada. Chegamos no início da tarde a Iquique, onde pudemos apreciar o Pacífico, que margeia a rodovia e contrasta com as altas montanhas dos Andes, do lado oposto, mas como estávamos à procura do restante do grupo, retornamos e fomos em direção a San Pedro de Atacama, onde o grupo já deveria estar nos aguardando, segundo a programação original do roteiro.
Passamos por Calama e chegamos já à noite à aprazível San Pedro. Devido ao feriado da independência do Chile, tivemos muita dificuldade em encontrar hospedagem e, após muita procura, paramos num simpático restaurante de uma brasileira, que tentou nos ajudar com a localização de hotel, ocasião em que fomos encontrados pelo restante do grupo, para alívio de todos. Bons fluidos foram trazidos pelos companheiros e encontramos hospedagem, mas resolvemos comemorar o reencontro e jantar antes de nos recolhermos. Carne de Lhama para todos, cerveja e pisco sour para relaxar e a noite foi curta para tantas histórias.
No 14º dia, como estávamos um dia atrasados no cronograma devido aos desencontros e problemas de saúde que acarretaram diminuição do ritmo, não pudemos ficar em San Pedro de Atacama e fazer os belos passeios oferecidos a partir de lá, como Vale da Lua, Gêiseres del Tatio, dentre outros. Pra piorar, acordamos tarde e demoramos a nos reunir, já que estávamos hospedados em dois hotéis distintos e distantes um do outro.
Partimos por volta das 12 horas, com a pretensão de atravessar o Paso Jama, cruzar a fronteira com a Argentina e passar pelas Salinas Grandes, descer a cordilheira pela Quebrada de Humauaca e Sierro del Siete Colores até San Salvador de Jujuy. Como as paisagens na região são muito belas, sabíamos que seriam inevitáveis as paradas para contemplar e fotografar, como de fato foi, daí a necessidade de sair cedo, pois a distância é de cerca de 600 km de San Pedro até Jujuy.
Em Paso Jama as montanhas e parte da estrada estavam cobertas de gelo e neve, como já tínhamos sido avisados e estávamos esperando. O que não esperávamos e enfrentamos foi uma forte tempestade de areia de mais de 30 minutos, com ventos fortíssimos que obrigavam a pilotagem com a moto completamente inclinada, a uns 70° do chão, ora para um lado, oura para outro, com areia entrando por tudo quanto é lado, inclusive dentro dos capacetes fechados, das nossas bocas e olhos, prejudicando ainda mais a visibilidade, que era de, no máximo, cinco metros à frente. Não era seguro parar, pois carretas tinham sido ultrapassadas por nós e certamente vinham de trás, como outras vinham em sentido contrário e o acostamento era pequeno. De mais a mais, parar significava nos rendermos e submetermos aos efeitos da tempestade e seguir em frente parecia e se mostrou a melhor opção. Saímos dela aliviados, mas realizados e agradecidos a Deus por ter nos proporcionado momento tão singular.
Paramos para saber se estavam todos bem e abastecer no primeiro posto depois do trecho da tempestade, mas o vento continuava tão forte que derrubou uma das motos com baú e bagagem. O medo de sermos alcançados novamente por ela nos impulsionou a seguir em frente sem delongas e assim o fizemos.
Descemos a tortuosa Quebrada de Humauaca, e chegamos a Purmamarca, aprazível cidadezinha ao pé do Sierro del Siete Colores. Diminuímos o ritmo e continuamos até San Salvador de Jujuy, onde chegamos no início da noite e ficamos hospedados no excelente Soraide Suites Hotel, a melhor hospedagem de toda a viagem. “Desmontamos” as bagagens, tomamos banho e, após um rápido passeio pela Plaza de Armas, fomos jantar no ótimo La Candelaria Parrilla, um dos melhores da região com excelente rodízio de carnes.
No 15º dia saímos bem cedo, como nos primeiros dias, pois programamos e cumprimos o cronograma de percorrer mais de 1.000 km até Formosa, bem próximo da divisa com o Paraguai. Contudo, no caminho, mais uma separação do grupo em decorrência de problemas fisiológicos, que obrigaram alguns integrantes a seguir em maior velocidade para chegar mais cedo ao hotel. Além disso, o grupo que ficou para trás sofreu nova tentativa de extorsão, desta vez mais incisiva, mas não menos abusiva, por parte da Polícia Caminera argentina, que cobrava a carta verde ou seguro internacional, sob pena de autuação, mesmo sem ser obrigatório tal documento. Argumentamos com os oficiais que entramos legalmente no País, que todos os documentos obrigatórios foram apresentados na imigração e aduana e que, se quisessem, poderiam nos autuar que recorreríamos administrativa e judicialmente da mesma, e que ainda iríamos representar junto aos órgãos competentes e ao consulado brasileiro por abuso de autoridade. Meio inconformados, os oficiais argentinos nos liberaram “sem mordida”.
Na chegada a formosa, mais um pequeno problema com as correntes de duas das motos, mais uma parada para os devidos ajustes e abastecimentos e, enfim, chegamos ao hotel. Após nos reunirmos todos, fomos jantar numa ótima pizzaria local.
No 16º dia partimos cedo e, por volta das 8 horas já estávamos em Clorinda, na fronteira com o Paraguai. Procedimentos de praxe e, mais uma tentativa de achaque, desta vez pelo policial paraguaio que atuava na aduana, exigindo a apresentação da carta verde ou R$50,00 para nos liberar. Mais uma vez, fomos mais incisivos e inteligentes que o oficial, que ao perceber que conhecíamos os nossos direitos, não impôs mais nenhuma resistência à nossa entrada no País.
Desviamos do centro de Asunción, evitando parcialmente o trânsito pesado e chegamos pela metade do dia em Ciudad del Este/Foz do Iguaçu. Parte do grupo preferiu fazer compras no Paraguai e houve nova separação, pois a outra parte seguiu rumo a Cambé, como programado. Como a distância era excessiva para esse dia, não foi possível para nenhum de nós chegar ao destino pretendido. A turma que ficou no Paraguai só conseguiu chegar a Cascavel, e a turma que seguiu pernoitou em Campo Mourão.
No 17º dia saímos cedo de Cascavel e Campo Mourão, respectivamente, e seguimos separados até a divisa de São Paulo com Minas Gerais, onde nova quebra em uma das motos obrigou-nos à uma última parada forçada em São Sebastião do Paraíso. Antes disso, ainda em Sertanópolis/PR, uma quebra da corrente em outra moto obrigou parte do grupo a ficar parado por umas 2 horas, enquanto o Balú, mecânico e também motociclista, prestativa e gratuitamente, nos socorreu, reparando a corrente. A solidariedade e disponibilidade do amigo em nos atender gratuitamente em uma manhã de domingo é um dos belos exemplos da solidariedade dos “irmãos da estrada”.
No 18º e último dia da viagem, seguiram juntos até Sete Lagoas Bráulio, Emílio e Warley, festivamente recebidos pelos familiares e amigos na Bandeirantes Motos e separados seguimos eu, rumo a Curvelo, Duílio, rumo a Belo Horizonte e Eltinho, rumo a Divinópolis, todos felizes e realizados por termos retornado sãos e salvos às nossas casas, depois de percorrer juntos mais de 10.400km, por 6 fronteiras / países e 7 estados brasileiros, e vivido juntos momentos inesquecíveis que nos tornaram ainda mais amigos.
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