A idéia era partir bem cedo da cidade de Tupiza rumo a San Salvador de Jujui (se pronuncia rurui). Estava preocupado com os trâmites de imigração e aduana, principalmente a saída da Bolívia e posteriormente de entrada na Argentina, na cidade de La Quiaca. Quando saí do centro de Tupiza e cheguei à carretera, ela estava fechada pela polícia local, pois estava para começar uma prova ciclística de velocidade, que duraria aproximadamente uma hora e não havia nenhum outro caminho alternativo para sair da cidade. O jeito foi esperar.
Havia um posto de gasolina bem na esquina do bloqueio. Parei a capitão América no posto, abasteci e como havia ainda muito tempo, aproveitei para uma pequena revisão: regulagem da corrente; conferência do nível de óleo; conferência dos cabos de comando; pressão dos pneus; ajuste do pedal de câmbio, que vinha me chateando; e reaperto geral.
Foi aí que surgiu um novo amigo, que foi meu companheiro no trecho Tupiza -> San Salvador de JuJuy, o Sigurd, da Noruega. Apareceu no posto me pedindo azeite (óleo) para lubrificar a corrente da moto dele. Emprestei o óleo e quando ele veio e estacionou a moto ao lado da capitão América, vi que o cara estava preparado para rodar muito. Estava com uma Kawasaki KLR 650 ano 2003 com placa dos EUA e com uns 50kg de bagagem, incluindo barraca e pneu reserva.
Ele me falou que veio da Noruega para os EUA, comprou a moto na Guatemala, percorreu toda a América Central até o Panamá, onde atravessou da Darian Gap em um navio até a Colômbia. Depois passou pelo equador, Peru, Bolívia e terminaria a viagem em Buenos Aires, vendendo a moto e retornando para casa. Vimos que teríamos o mesmo itinerário até JuJuy e combinamos de esperar a liberação da Ruta e tocarmos juntos.
Finalmente, um policial nos deu sinal que liberariam a pista. Posicionamos à frente da fila de carros, que também esperava. Um policial de moto pediu que ficássemos atrás dele, pois iria de batedor para garantir que a pista estava livre.
Partimos impacientes atrás do policial de moto, ele andando a 30/40 km/h e mais impacientes estavam os carros atrás da gente, principalmente uma caminhonete que seguia ao nosso lado, na pista da esquerda, exatamente atrás da moto do policial.
Em certo momento o policial aumentou a velocidade para uns 80 km/h. Pensei: “- beleza, vai nos liberar pra seguir sem ele”. Mas parece que o radio de comunicação que ele levava à cintura chamou e ele reduziu a velocidade de uma vez. O cara da caminhonete, que seguia impaciente, estava bem colado na moto e nem freou, bateu na moto e, quando olhei pelo retrovisor, vi a moto sendo arrastada pelo parachoque dianteiro da camionete e o policial boliviano rolando no asfalto na frente. Eu havia tirado uma foto segundos antes desse acidente, que mostra o policial de moto à nossa frente. Pensamos em parar, mas não havia o que fazer. Alguns carros pararam para ajudar e com certeza o cara da caminhonete teria problemas sérios ali. Fiz sinal para o Sigurd e tocamos em frente.
Com a estrada livre e pista boa, andávamos muito bem. O norueguês, com o tratorzão dele, entrava forte nas curvas e a capitão América ia na cola. Havíamos combinado andar a 100/110 km/h, por isso consegui acompanhá-lo, senão ele me deixaria para trás.
Percorremos uma serrinha e depois grandes vales com vegetação rala e amarelada, sempre circundado pela cordilheira. A paisagem começou a apresentar uns morros e montanhas coloridos, como se fossem coloridos na horizontal, um visual bonito e muito diferente.
Chegamos a La Quiaca. Os trâmites de imigração e aduana bolivianos não levaram nem cinco minutos. Fiquei feliz e pensei: “- Vamos passar rápido hahahaha…” Fomos para a imigração Argentina. Tudo ok, passaportes carimbados. Mas faltava ainda a aduana para a entrada das motos. Ai começou a novela. O oficial da Aduana nos pediu o seguro Carta Verde para as motos, ou então uma prova que a seguradora das motos, no caso de termos seguro delas, tivesse as mesmas coberturas e especificasse a cobertura em território argentino, e foi taxativo: sem seguro, as motos não entram na Argentina. Como não tínhamos nem um nem outro, expliquei que estávamos vindo do Peru/Bolívia e que a ideia era fazer o seguro quando chegássemos à Fronteira. Ele concordou e nos orientou a deixar as motos na aduana e pegar um táxi até o centro onde havia um escritório de seguradora que faria o seguro carta verde.
Pegamos o taxi. Chegamos à seguradora em 5 minutos, mas as portas estavam fechadas. Tocamos na porta ao lado, um senhor nos explicou que fecharam as 14 horas. Eram 14h30 e que reabririam somente na terça-feira. Era sábado, domingo não abririam e na segunda-feira era feriado.
Somente consegui pensar: fudeu. 3 dias “presos” na fronteira. Sem opções, pegamos o taxi de volta para a fronteira. A corrida custou 40 bolivianos. Eu só pensava em alguma forma de convencer o oficial da aduana a nos liberar para fazer o seguro na próxima cidade que parássemos. O Sigurd seguia incrédulo com a situação.
Explicamos a situação, mas o oficial da aduana continuou irredutível. Sem seguro, as motos não entram. Mas se propôs a tentar uma outra solução: primeiro verificou a possibilidade de fazemos algum seguro na Bolívia que valesse para a Argentina, mas isso somente seria possível em Potosí ou Sucre, com retorno de centenas de quilômetros, sem garantia de que conseguiríamos achar um escritório aberto.
Veio a outra solução, um outro escritório de seguradora, onde a dona do escritório residia no mesmo local do escritório. O oficial foi taxativo, insistam para conseguirem, senão as motos não entram. Mais um táxi pra cidade. Chegamos ao lugar indicado, batemos à porta e uma senhora apareceu. Pensei: ufa vamos conseguir hahaha… A senhora abriu “meia-porta”, explicamos a situação, ela friamente respondeu que não fazia seguro de motos. Detalhamos melhor nossa situação, eu pensei em pedir de joelhos, mas a senhora, a cada negativa, fechava um pouco mais a porta kkk…
Pedimos para fazer um seguro de carro com os dados da moto, mas ela negou e o pouco de porta que restava aberta foi fechado Na nossa cara.
Voltamos ao primeiro escritório, meio que no desespero, tocamos numa casa vizinha, um senhor atendeu e após ouvir nossas explicações, nos deu o “não” final. Explicou que a pessoa responsável pelo seguro já havia ido embora e mesmo que ela estivesse não conseguiríamos, pois a emissão dependia de autorização do escritório central em Buenos Aires, e que lá as atividades já estavam encerradas também.
Taxi de volta para a fronteira, o Sigurd me perguntou se eu tinha alguma ideia. Eu comecei a pensar nos amigos (Halfa, Kiko Santos, Boca, Felipao, Genildao, Fred, Thiago, Juliano, Elisio, Ranieri, Cabral, Marcelo Kawasaki etc), que poderiam tentar fazer no Brasil o seguro carta verde e enviar via fax para a fronteira. Precisava de uma conexão wi-fi e sorte para que no Brasil, sábado, às 16 horas, ainda conseguíssemos fazer. Também pensei no Dr. Cantinho, pois poderíamos tentar entrar na marra e se a Polícia Federal Argentina nos prendesse, o advogado dos Sucuris teria que vir para a Argentina pra nos soltar hahahaha.
Voltamos à fronteira. Guardei minha última cartada na manga. Explicamos a situação para o oficial, que queríamos fazer o seguro, mas não havia como fazer ali e que não podíamos ficar três dias parados naquele lugar. Ele pediu para esperarmos e entrou num local restrito da aduana.
Enquanto esperávamos percebi que uma senhora da aduana estava sensibilizada com nossa situação. Fui conversar com ela e perguntei se não poderia nos ajudar, interceder de alguma forma. Ela pediu para esperamos. Nossa sorte estava em jogo. Ela saiu do local restrito e nos pediu para segui-la. O coordenador da aduana havia nos liberado para seguir viagem até um Local onde poderíamos fazer o seguro. Ufaaa.
Liberados. Ainda retornamos à pé até a Bolívia para fazer Câmbio e entramos aa Argentina, após longas três horas na fronteira. Ainda perdemos uma hora devido à diferença de fuso entre a Bolívia e a Argentina. O fuso horário na Argentina é igual ao do Brasil.
Algumas considerações
1) o Seguro carta verde é contratado por quantidade de dias. É normal deixar para fazer na fronteira, quando se está numa viagem longa e não há certeza sobre que dia entrará ou sairá do país (no caso Argentina). Foi o procedimento que adotei no Peru com o seguro SOAT.
2) se não houvesse o bloqueio da saída da cidade de Tupiza para a prova ciclística por uma hora, teríamos chegado a tempo a La Quiaca para fazermos o seguro. O escritório fechou as 14 horas e chegamos na porta às 14h30.
Paramos no primeiro posto para abastecer. Bandeira YPF, nafta (gasolina) com 97 octanas por 14 pesos o litro e 85 octanas por 13 pesos argentinos o litro. Us$ 1,00 = 13 pesos argentinos.
Partimos abastecidos por uma boa estrada, mas com muito trânsito, principalmente carros particulares. Passamos por vários bloqueios polícias, que normalmente acontecem nas entradas ou saídas das cidades. Em dois deles nos pararam, mas quando viram que éramos estrangeiros, nos mandaram prosseguir. No último, o policial, ao ver a placa brasileira e a cidade Belo Horizonte me perguntou: és crussero? Respondi: Nooo, sou Atlético Mineiro. Ele respondeu: Soy River. Pase. Só pensei ufaaaa hahahaha.
Em certo momento, pegamos um vento frontal muito forte que reduziu a velocidade em uns 10 a 15km/h. Quando vinha de lado, nos Obrigava a inclinar a moto nas retas para vencer a resistência. E assim, brigando com o vento, a noite chegou e também a cidade de San Salvador de JuJuy urruuuullll.
Novo abastecimento dentro da cidade e indicação de um local para comer algo, o Sigurd entrou na cidade para também fazer um lanche e depois seguiria para a cidade de Salta. Eu dormiria em JuJuy.
Chegamos à porta do restaurante La Candelária, que só abriria mais tarde, às 21 horas. Resolvermos ir a outro. Quando o Sigurd foi montar na sua moto, ela tombou. Juntamos nós dois para levantá-la. Deus do Céu, aquela moto parecia pesar uma tonelada com toda aquela bagagem.
Comemoramos a entrada na Argentina com água e empanadas.
Após o lanche, meu amigo norueguês partiu rumo a Salta e eu fui procurar um hotel. O cansaço havia me feito escolher possivelmente um dos piores hotéis da cidadezinha de JuJuy e o pior de toda minha viagem, com um quarto minúsculo cheirando a mofo. O jeito foi tentar dormir com as janelas abertas.
Que dia. No final tudo certo. Deus está no comando.
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