Na manhã seguinte levantei cedo e fui a pé procurar um banco para sacar dinheiro porque eu estava com poucos pesos para seguir a minha viagem de moto. Eu pensava que poderia viajar pagando quase tudo com cartão. Ledo engano
– naquela região, pouquíssimos postos aceitavam cartão e, mesmo assim, corria-se o risco de a conexão não completar e não concretizar a venda, aí só “efectivo” mesmo, grana viva.
O único banco da cidade não reconheceu meu cartão e era sábado, não havia qualquer funcionário para auxiliar no funcionamento dos caixas automáticos. Resultado: tive que trocar 200 reais por pesos argentinos por um preço baixíssimo com uma cambista. Entrei na Argentina com 2 mil pesos e 800 reais, além do cartão habilitado para uso no exterior. Naquele momento eu tinha apenas 600 pesos, fiquei preocupado em seguir com pouco dinheiro e aceitei 400 pesos na troca por 200 reais.
Fechei a conta no hotel e deixei Monte Quemado por volta de 11 horas da manhã rumo a San Salvador de Jujuy. Cortei Salta do roteiro. Tudo corria bem, parei em um posto de gasolina muito bom, chamado El Refugio, no km 490 da RN16, para abastecer e, como aceitavam cartão, resolvi almoçar e ainda aproveitei o wi-fi para mandar notícias e fotos para casa.
Na hora de ligar a moto para continuar viagem começou o drama, o arranque não fazia girar o motor. A bateria tinha carga suficiente, o botão acionava o arranque, mas o motor não girava para pegar. Avaliei o problema e resolvi retornar, já que minha moto não tem pedal de arranque e eu não conseguiria fazer pegar no tranco porque a Intruder estava com alforjes e um pouco pesada para um velhinho como eu. Pedi ajuda no posto e o pessoal me empurrou, a moto pegou e tomei o rumo de volta para casa, frustrado.
Andei uns 15 km em direção a Monte Quemado quando passou por mim uma dupla de motociclistas na direção contrária. Aquilo mexeu comigo. Conversei com meu capacete sobre a frustração de desistir da viagem e tal e coisa, quando vi mais uma dupla vindo ao longe. Aquilo me deu um ânimo e disse para o capacete, “se eles vão, nós também vamos” e fiz meia volta e acelerei, quando os outros dois passaram por mim e buzinaram. Estavam em motos grandes, acho que uma Harley e três big trails, tipo GS 650 (não sei ao certo), segui com eles por um pedacinho, enquanto a estrada era completamente esburacada e a velocidade era nivelada por isso – tão logo a estrada melhorou, eles colocaram terceira marcha e desapareceram ☺.
Ainda na RN16, fiquei animado e acelerei legal. Em cada parada para abastecimento eu conversava antes com o frentista e explicava que estava sem arranque e que precisaria de uma ajuda se desligasse a moto. Sempre fui ajudado, assim pude seguir viagem, saí da RN16 e entrei na RN 9, como do inferno para o céu.
Sair da RN 16 foi um alívio porque já era aquela hora do lusco-fusco em que a gente não enxerga direito e nem adianta farol. Para aumentar a tensão, no final da RN16 há um trecho com animais na pista, uma espécie de burrico que não guardei o nome, mas são muitos nas laterais da rodovia. Houve um local onde tinham dezenas de cabras na estrada, sem contar os bandos de pássaros que se alimentam dos grãos que caem dos caminhões de transporte – quanto mais esburacado o trecho, maior o número de pássaros, milhares, concentrados naquela buraqueira ao longo de 200 km, impossível não atropelar algum durante o trajeto.
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Mais tarde, quando parei para abastecer e fazer um lanche, já na RN9, encontrei aquele grupo de motociclistas também fazendo um lanche. Não os reconheci imediatamente, mas logo começamos a conversar e um deles me perguntou porque eu havia dado meia volta quando eles passaram e respondi que me senti incentivado a seguir o plano original, apesar da dificuldade ocasionada pela falta do arranque. Eles eram de Curitiba e estavam seguindo para Humahuaca, uma cidade histórica que fica a mais ou menos 120 km de San Salvador de Jujuy. Parti antes deles e passada uma meia hora eles me ultrapassaram acenando e buzinando bastante. Boa viagem pessoal!
Av Almirante Brown – San Salvador de Jujuy
A RN 9 é uma rota de pista dupla e super sinalizada, até dá para viajar à noite sem susto e foi o que fiz. Segui até San Salvador de Jujuy, onde cheguei às 20 horas e fui procurar uma oficina. Era sábado e o pessoal já estava fechando, mas conversamos sobre o problema. Eu teria que retirar a tampa do magneto para ver o que havia acontecido com a engrenagem que faz girar o motor, que aparentemente estava girando “louca”. Na mesma rua da oficina eu havia passado por um hotel e resolvi ficar nele, era um bom hotel para o preço de 160 pesos a diária de um apartamento com wi-fi, café da manhã e tinha lugar para guardar a moto, tudo de bom naquela hora. O ruim era que eu teria que esperar até segunda-feira para levar a moto na oficina, mas enquanto isso fiz um turismo básico em Jujuy, andei pelas ruas, fui ao mercado, fiz fotos e tive um domingo bem agradável.
Descobri um pequeno restaurante que funciona dentro de uma espécie de salão de eventos e que se chama Zeppelin. Uma senhora boliviana tem uma pequena cozinha e serve pratos feitos por 30 pesos, comida caseira boa e barata. O local é uma atração à parte, parece que você está em um filme do Tarantino, tipo Drink no Inferno. Como brincadeira, sempre classifico os lugares, atribuindo um adjetivo que qualifique o frequentador do lugar, e este Zeppelin é para “legionário Master”. Afinal, todo motociclista em viagem solo já pode ser enquadrado na classe “legionário”, mas almoçar no Zeppelin dá um “plus” na graduação ☺.
Zeppelin – San Salvador de Jujuy
Na segunda, retirei a moto do estacionamento e levei empurrando até a oficina, que ficava a uma quadra do hotel, ladeira abaixo.
Mas havia um detalhe que ninguém comentou comigo: era feriado nacional e o comércio não abriria naquele dia. Conversei com um pessoal que estava trabalhando numa loneria (artefatos de lona) ao lado da oficina e eles me indicaram um mecânico socorrista que morava quase ao lado da loneria. Foram chamá-lo e tive a sorte de conhecer o Oscar, um mecânico de automóveis que tinha um ótimo conhecimento de motores em geral.
Oscar consertando a moto em Jujuy
Conversamos sobre o problema e fomos desmontando. Primeiro o motor de arranque, estava bom. Restava a cremalheira, que fica atrás do volante do magneto. Retirada a tampa, constatamos o estrago. A engrenagem do arranque é fixada ao volante por três parafusos e um deles caiu e foi meio moído durante o trajeto – acredito que a partir de Corrientes. Os outros dois parafusos não caíram, mas estavam degolados e a engrenagem girava solta ao acionar o arranque. Como o Oscar não era mecânico de motos, não tinha um extrator adequado para tirar o volante, que é muito bem preso na ponta do virabrequim, então entrou em cena a criatividade do profissional – com algumas peças de ferro velho que ele soldou entre si, construiu um extrator sob medida para a ocasião, que funcionou perfeitamente.
Até aí tudo certo, eu havia aproveitado a segunda-feira de feriado para adiantar o serviço, mas seria preciso o trabalho de um torneiro para refazer a rosca do parafuso que caiu, e isso só na terça. Voltei para o hotel e na terça pela manhã fomos procurar o torneiro, que fez um ótimo trabalho, mas só entregou no meio da tarde de terça, quando começamos a montar novamente a lateral da moto e terminamos por volta das nove da noite.
Reparo feito pelo torneiro mecanico em Jujuy
Na primeira montagem, vazou óleo e tivemos que desmontar, riscar e recortar uma nova junta para a lateral, que o Oscar fez muito bem. Na segunda tentativa, deu tudo certo e a moto estava pronta para a estrada novamente.
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