O nosso conhecimento de Copiapó, até então se restringia às informações básicas dos noticiários sobre o comentado acidente na Mina São José em agosto de 2010, que soterrou 33 mineiros a mais de 600 metros de profundidade. Com destaque para o incrível resgate desses homens, ocorrido após 70 dias de angustiante espera. Lembrando que isso ocorreu menos de um mês antes da nossa chegada, em 10 de novembro daquele ano, um evento que fez aquela remota localidade tornar-se conhecida mundialmente.
À medida que avançávamos na província de Copiapó, ocorreu uma sucessão de surpresas, revelando paisagens sui-generis em termos de deserto, como extensas plantações de azeitonas, frutas e vinhedos; em alguns pontos podia-se notar até a presença de uma incomum vegetação rasteira, mais tarde revelada como responsável pelo fenômeno conhecido como deserto florido, que só ocorre naquela região. Também chamado de “milagre do deserto florido” que acontece esporadicamente entre os meses de setembro a dezembro e depende das raras chuvas na região, só ela permite a floração de sementes sepultadas há anos sob a areia e pedras. Apesar de catalogadas na região mais de 200 espécies de plantas, há um destaque muito especial à denominada “garra-de-leão”, que só existe naquela parte do mundo. Uma definição do cronista Gustavo Gonzales (site Tierramerica) resume com muita poesia essa fantástica manifestação da natureza: “O deserto florido é, dessa maneira, um tesouro natural, como uma fragilidade que nasce de sua própria beleza”.
Para completar esse verdadeiro oásis lá estava o rio Copiapó, um curso d’água perene, proveniente da cordilheira, que é o elemento essencial para a manutenção da produção agrícola, o desenvolvimento industrial, mineral e principalmente pela permanência de uma população de cerca de 140.000 pessoas daquela província.
Chegamos ainda no período da manhã, atravessando áreas de neblina e de repente estávamos na capital da província, igualmente denominada Copiapó. A cidade impressiona já na primeira vista, pela pujança presente nas áreas comercial, industrial e cultural.
Depois de tanta solidão nas estradas encontrar uma cidade oásis, ostentando belas praças com árvores centenárias, prédios públicos bem cuidados, estudantes impecavelmente uniformizados, museus, etc… Isso foi realmente impactante. Não me lembro de haver visto durante toda a viagem, tantas camionetas numa única cidade, era absoluta maioria entre os veículos circulantes. A explicação disso era na verdade bastante simples, a cidade reúne um grande número de empresas mineradoras espalhadas em seu território, que respondem por quase 50% de toda a atividade econômica daquela localidade e esses veículos são ideais para locomoção e transporte de materiais e máquinas nos caminhos rústicos das minas. Ali existe grande investimento estrangeiro, notadamente através das mineradoras que exploram principalmente a extração de cobre e ouro. A ação dessas empresas foi decisiva no uso de modernas tecnologias para o sucesso do resgate dos mineiros soterrados no episódio da Mina São José.
Tínhamos apenas o restante daquele dia para preparar as motos e outras providências para a maior aventura daquela viagem… No dia seguinte cruzaríamos um longo trecho de quase 500 km, dos quais pelo menos 300 km em estradas de terra e rípios, uma espécie de cascalho de formato arredondado, muito usado nesses caminhos, para facilitar a locomoção de veículos na neve, durante o rigoroso inverno da região. Para complicar um pouco mais, não existe qualquer tipo de apoio ao longo desse extenso trecho ou seja, nenhuma cidade ou vila, borracheiros e nada de postos de combustível, portanto cada uma das motos teria que levar um recipiente para 15 litros de gasolina extra. Haveria ainda grandes altitudes a serem vencidas na área da cordilheira, onde estaríamos bem próximos aos 5.000 metros. Assim além da bagagem que trazíamos desde o Brasil e os recuerdos adquiridos ao longo do caminho, as motos ganhariam um peso extra desse combustível, mais água e alimentos para um dia inteiro de travessia.
Depois de conseguirmos um hotelzinho para o pernoite, passamos por uma concessionária Yamaha, para troca da transmissão de uma das motos, aquisição das “bombas” de gasolina, algumas aranhas sobressalentes e a troca de óleo em todas as motos, a segunda da viagem.
Na hora do almoço, uma recordação de certa forma engraçada na escolha das sobremesas. Todos fizeram os pedidos normalmente e eu, sempre em busca de novidades, perguntei ao garçom, o que seria “Leche asado”… O milonguero do garçom então fez a apresentacão: – és un postre muy rico, exquisito, excelente, etc… E lá fui eu e o Barba de “leche asado” criando uma expectativa no resto do grupo que havia pedido panquecas com sorvete. Nem precisa ser muito imaginativo para deduzir o que aconteceu na chegada dos postres, a turma toda caiu na risada, pois era uma das sobremesas mais comuns que temos por aqui, o pudim de leite!
Completamos aquela tarde com um giro na praça principal, uma visita básica ao shopping e muito papo sobre o dia seguinte.
À noitinha no hotel chegaram dois novos hóspedes numa Honda Varadero, quase irreconhecível pelo pó do deserto. Era um motociclista argentino e seu filho de uns 10 ou 12 anos, que tinham feito o caminho inverso pela mesma Ruta 31, que iríamos utilizar na manhã seguinte. Pelo cansaço de ambos o papo foi bem mais curto do que pretendíamos, mas deu para obter informações importantes sobre os trechos mais complicados da viagem. Sobre a falta de apoio no trajeto, disse o argentino, que não era bem assim, havia alguns refúgios nos trechos da cordilheira… Eram minúsculas cabanas com acomodação rústica para 2 ou 3 pessoas à beira da estrada, com água potável e lenha suficiente para passar a noite, se fosse necessário. Nos alertou também sobre alguns pontos de muito pó acumulado na Cuesta Codoceo (uma serra de grande altitude), que poderia ser uma armadilha escondendo pedras da estrada, frisou que os piores setores da estrada localizavam-se entre os dois postos aduaneiros (Chile e Argentina), em início das obras de infraestrutura para futura pavimentação. Concluindo nos confirmou que raramente se cruza com outros veículos, a não ser já nas proximidades de Copiapó, onde se concentram muitas das mineradoras, ressaltando o cuidado com os caminhões nessa área. Esse papo rápido com o argentino, era tudo que precisávamos para garantir uma noite de insônia, só vencida mesmo pelo cansaço acumulado dos 5.000 quilômetros rodados.
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