Explorando a costa chilena

Diferentemente naquela manhã tivemos uma garoa, até então inédita desde a saída do Brasil. Ao que parecia teria vindo daquelas nuvens aprisionadas entre o mar e a cordilheira no dia anterior. A umidade durou pouco tempo, pois à medida que subíamos a serra deixando para trás a bela Antofagasta, aquele micro clima permanecia à beira mar e no alto das montanhas no céu anilado e sem nuvens o sol voltava a brilhar. Seguíamos por um caminho alternativo sugerido pelo gerente do apart hotel, ao invés de tomarmos a Ruta Panamericana, como previsto no roteiro. Além do pouco movimento a nova rota aparentemente de construção recente estava também livre de policiamento e radares e a paisagem era deslumbrante. A única coisa a lamentar era ter perdido a oportunidade da foto na famosa escultura da “Mano de Dios” localizada junto à Ruta 5 ou Panamericana, logo na saída de Antofagasta. Mas em compensação uma surpresa nos aguardava logo mais adiante, na região de Taltal a pouco mais de 130 quilômetros de Antofagasta, estaríamos aos pés do Cerro Paranal, onde está localizado o complexo astronômico mais poderoso e avançado do mundo.

Estacionamos quase que por acaso no acesso ao observatório e lá estava o inapelável aviso de entrada proibida sem autorização… E pensar que bastaria ter solicitado uma visita antecipadamente pela internet.

O Cerro Paranal pertence à cordilheira da costa do Pacífico, encontra-se a 2.635 metros acima do nível do mar e distante 12 quilômetros da costa. O local reúne as condições atmosféricas ideais para se obter imagens celestes límpidas, principalmente pela ausência praticamente total de vapor d’ água no ar, o que aumenta a transparência da atmosfera na medição do comprimento das ondas infravermelhas. Isso tudo aliado à inexistência de poluição e grande distância das luzes das cidades, fizeram do céu noturno de Paranal o local ideal para receber mais de um bilhão de dólares de investimento na construção do complexo, pelo Observatório Europeu do Sul.

Soubemos mais tarde que aquelas modernas instalações foram utilizadas como cenário no filme de James Bond, “Quantum of Solace” rodado em 2008. Na ocasião houve protestos, inclusive do prefeito de Taltal, que viu como prejuízo ao município o fato da trama do filme se passar na Bolívia, o que acabou quase por reacender a rixa existente entre os dois países, desde a Guerra do Pacífico, em 1879.

Seguimos até a cidade de Taltal, às margens do oceano, descendo por uma serra incrível até encontrarmos um mar bravio na sua luta milenar contra imensas rochas escuras, facilmente identificadas como proveniente de intensa atividade vulcânica, cuja imagem lembrava as costas havaianas dos documentários da tevê.

Nesse trecho foram inúmeras as paradas para fotos ou apenas para contemplação daquela paisagem singular, afinal nosso plano era seguir até encontrarmos um restaurante e saborear os comentados frutos do mar chilenos e ali estava uma das grandes colônias de pesca do litoral norte.

Entramos na simpática comuna de Taltal e rapidamente nos dirigimos à orla, em busca do aguardado almoço… E defronte à baía lá estava o Las Brisas, um pequeno, porém concorrido restaurante especializado em peixes, naturalmente. Antes mesmo da escolha dos pratos, eu já estava à beira mar, buscando os melhores ângulos, para registrar as ondas impressionantes que arrebentavam no pequeno porto e nos molhes. Ao que tudo indicava pela manhã havia ocorrido alguma ressaca, pois poças enormes de água salgada ainda permaneciam na avenida beira-mar, inclusive na área de estacionamento do restaurante.

Indiferentes aos solavancos da maré jogando os pequenos barcos de pescadores ancorados na baía, dezenas de pelicanos pousados neles pareciam divertir-se com o balanço constante das ondas. Ancorados ao largo barcos maiores completavam o cenário extasiante daquela colônia pesqueira, um momento de contemplação só quebrado pelos gritos do Alysson, me chamando à mesa que já estava servida.

O prato de entrada, sugerido pela garçonete já aguçava o paladar pela coloração laranja, apesar da aparência muito estranha. Eram ovas de ouriços do mar, também chamado de caviar de ouriço do mar… Eu e outros mais afoitos, fomos logo degustando aquela estranha criatura de massa disforme e imediatamente, cuspimos com cara de nojo. A garçonete correu imediatamente a nossa mesa pedindo desculpas, pois esquecera de nos alertar que o marisco (na verdade um equinoderme), deveria ser temperado com muito limão e sal. Aquilo era como um isopor em ponto de fusão, molenga como lesma e de sabor simplesmente horrível, acredito que alguém só comeria aquilo se fosse afrodisíaco. Prá mim nem com limão, pimenta ou sal!

Felizmente o prato principal era um peixe delicioso típico daquelas águas frias do Pacífico, cujo nome não consigo lembrar… Porém gostoso o suficiente para esquecer a famigerado ouriço do mar!

Voltamos à rodovia, pois havíamos rodado pouco mais de 200 quilômetros e a intenção era chegar até o fim da tarde na localidade de Bahia Inglesa, um balneário muito agradável, segundo nosso companheiro Barba, que numa viagem anterior pelo norte chileno, havia pernoitado por lá e falava maravilhas do lugar.

Assim seguimos costeando pela ruta 1 até cruzarmos novamente com a ruta Panamericana, e por ela continuando pela costa até alcançarmos a província de Chañaral, passando pela cidade de mesmo nome, a seguir na localidade de Caldera e finalmente chegamos ao pedaço do paraíso chamado Bahia Inglesa.

O lugar é realmente incrível, uma linda praia contrastando com o deserto e em meio a tudo isso uma baía cinematográfica, com pedras monumentais carcomidas pela maré, um cenário que nos proporcionou outro incrível pôr do Sol, logo após nossa chegada. O encontro com uma agradável e econômica pousada completou o programa daquele dia.

Imediatamente nos instalamos num chalé bastante amplo com estacionamento fechado e após um breve descanso, fomos à procura de um restaurante nas redondezas. E ele também não decepcionou. Ali resolvemos não arriscar e optamos por pratos à base de camarões e assim estávamos nos despedindo do litoral chileno. Na manhã seguinte, nosso roteiro mudava radicalmente, se voltava ao interior do Atacama, nosso destino agora era a cidade de Copiapó… Sim, aquela que recentemente chamou a atenção do mundo inteiro com o episódio dos 33 mineiros soterrados. Ela era nosso ponto de partida para a maior aventura de toda a viagem, era a última cidade, depois dela reinava o deserto absoluto. Não haveria asfalto nos próximos 300 quilômetros e tampouco qualquer posto de serviço, borracheiro, nem mesmo uma vila sequer, nos 485 quilômetros que nos separavam de Tinogasta (Argentina). Não era por acaso que aquela estrada, a Ruta 31 chilena, havia sido incluída no Dakar Argentino, pelo segundo ano consecutivo.


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