Adeus Copiapó

Levantamos cedo na segunda feira, porque o dia certamente seria cheio… Logo após um magro café da manhã, tratamos de levar as motos até a concessionária Yamaha, para despachá-las para Santiago. Felizmente lá estava o prometido caminhão que se encarregaria do transporte.

Tudo feito na base do “fio de bigode”, sem qualquer tipo de documento ou recibo e lá se foram as duas XT para uma viagem de 800 quilômetros e tudo que tínhamos era um cartão de visitas da transportadora e um nome anotado à caneta no verso. Também nem teríamos coragem de exigir qualquer documento, eles fariam o serviço na camaradagem, porque estavam retornando vazios para a capital e cobrando um frete irrisório de cem dólares! As motos chegariam no dia seguinte e se tudo desse certo estaríamos lá para conferir e combinar os custos da permanência na transportadora. Em seguida procuramos consertar o estepe da camioneta, para devolver a roda emprestada ao engº Marcelo e finalmente entregar o veículo na locadora.

Logo na primeira empresa que chegamos, negaram-se a tentar consertar o pneu… Quebrar o galho com um manchão nem pensar. Desistimos dessa idéia e resolvemos entregar a camioneta na locadora e lá mesmo retirarmos o estepe emprestado. Não sem antes armar uma intensa discussão com os proprietários da locadora, que nos locaram um veículo com um estepe avariado, nos causando o enorme transtorno, além de um dia inteiro perdido no deserto. Certamente nós queríamos além das desculpas, um desconto compatível com o tempo perdido e na pior das hipóteses, pagarmos pelo estrago de apenas um dos pneus, pois a conta apresentada ainda incluía os dois danificados! Chegamos a um acordo razoável e encerramos o episódio da maldita Ranger alugada.

A providência seguinte foi comprar algumas roupas para continuar a viagem, uma vez que minha mochila com tudo havia desaparecido no pátio da empresa, lá no Paso San Francisco, inclusive desde minha saída do hospital estava usando as roupas do meu filho. Aproveitamos o restante da tarde numa visita muito especial ao Museu Mineralógico de Copiapó. Ele é o maior do país na sua especialidade e um dos mais completos do mundo, com mais de 14.000 amostras de minérios. Possui raridades como a prata rosada (um minério raríssimo sensível à luz e que está extinto no mundo), devido a isso se encontra devidamente protegido e até mesmo a apresentação ao público é limitada. Pode-se visualizar uma amostra que pode ser acessado através de lentes especiais que nos permite enxergar no escuro. Existe ainda uma amostra pura de prata mantendo todas suas características originais, o minério foi extraído da fazenda Chañarcillo, naquela região do Atacama.

Entre as mais interessantes variedades que podem ser vistas no museu, há um pedaço de material extraterrestre de 79 kg, que foi encontrado no deserto de Atacama, além de várias amostras de meteoritos, encontrados em outras partes do mundo. Faz parte daquele acervo um incrível fóssil de origem do jurássico inferior, ou seja, com mais de 150 milhões de anos, trata-se da Weyla Alata (von Buch), igualmente encontrado naquela região. A visita àquele museu mineralógico foi realmente uma viagem pré-histórica.

Mais tarde nos dirigimos ao aeroporto local, distante uns 50 quilômetros da cidade, literalmente no meio do deserto, cujas instalações e localização remetem às imagens cinematográficas do “Contatos Imediatos do Terceiro Grau” e outros filmes do gênero. O vôo noturno a Santiago foi tranqüilo, porém o hostel reservado nem tanto… É claro que sabíamos que seria um local simples e econômico, no entanto a variedade da clientela era surpreendente. No velho casarão dividiam espaço harmoniosamente, estudantes de vários países, tipos exóticos que mesclavam “bicho-grilo”, músicos e artistas de rua. Passava da meia noite e não havia opção, assim encaramos mais essa aventura…

A caminho do nosso quarto passamos por alguns verdadeiros labirintos, corredores estreitos, escadas retas e caracol, salas com decoração pós-moderna, um ambiente que parecia preparado para rodar um filme. Felizmente nossa “suíte” tinha uma localização privilegiada, com uma grande janela para um bulevar e completando o estilo despojado, as paredes eram intermitentemente iluminadas pelo clássico painel de neon do hostel.

No dia seguinte já circulávamos como “habitués” da casa e a primeira surpresa no café da manhã foi o encontro com um jovem casal paulista, que tentava se comunicar conosco num “portunhol” horrível (pior que o nosso) e foi notória a alegria e o alívio deles quando respondemos em português. Dali saímos para conferir a chegada das motos na transportadora e buscar alguma empresa que pudesse efetuar a transferência delas para o Brasil. Depois de algumas tentativas infrutíferas, conseguimos contato com uma empresa de grande porte, mas a documentação para o transporte das motos era insuficiente para fecharmos a negociação. Além do alto custo, a operação seria complicada, pois eles teriam que despachar as motos por caminhão até Buenos Aires e de lá enviariam ao Brasil de navio até o porto de Santos. Resolvemos então manter essa negociação em suspenso e passamos a buscar novas alternativas via internet e por telefone, com empresas brasileiras… Acabamos retornando ao Brasil, sem nenhuma solução.

Essa situação perdurou por mais de dois meses, até que em fevereiro deste ano, às vésperas de vencer o prazo de permanência das motos no Chile, resolvemos ir buscá-las. Aí veio a idéia de irmos de carro, levarmos as peças a serem substituídas na minha moto e retornarmos com ambas rodando. Nesse caso a burocracia imposta ao transporte de carga não existiria, uma vez que elas estariam em trânsito, dentro do prazo legal de permanência. E assim acabamos reunindo novamente aqueles amigos que havia planejado nos acompanhar na aventura ao Atacama e que naquela oportunidade não puderam realizar a viagem e partimos para o novo resgate.

Felizmente tudo transcorreu dentro do previsto, meu irmão Gerson, em menos de uma hora, deixou minha moto pronta para a viagem de volta e retornamos sãos e salvos de mais 7.500 quilômetros rodados e prontos para outra, se Deus quiser…


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