Algumas vezes deixo as coisas acontecerem pra ver onde vai dar.
O que vou contar foi na estrada, indo em direção ao norte, na verdade a uma cidade do nordeste encontrar alguns irmãos e amigos.
Viagem de uma semana, um mês, ou um ano, não faz a menor diferença.
Estrada principal, cento e vinte na motoca, vento na cara e aquela sensação que ninguém consegue descrever direito, mas que qualquer um que esteja lendo isto conhece bem.
A última vez que olhei o mapa para tentar decorar o caminho já fazia uns três dias atrás, e três garrafas de Jack também, uma por noite, claro que não sozinho né pô, sempre dividindo com um irmão ou dois.
Enfim, sem pressa e sem muita idéia de como chegar no destino, faltando muitos quilômetros, talvez mais de um dia de viagem, decidi que o vento no rosto estava forte demais, que cento e vinte era muito, que não estavamos aproveitando a viagem como deveríamos e então peguei a estrada “não principal” para poder variar um pouco e sair da mesmice, iríamos pela estradinha que vai pela costa, bem mais bonita, bem mais devagar e bem mais interessante.
E lá se foram uns 50 km no acesso que eu achei que ia levar-nos pra costa, mas nada da tal costa aparecer. Posição do Sol… Leste tá pra lá, oeste pro outro lado, norte e sul e, seguindo o instinto e a lógica, o mar deve estar pra direita.
Meus irmãos decidem voltar, não estão a fim de andar errantes, e voltam ao encontro da rodovia principal.
Pra mim é desafio, é mais legal e divertido, e lá vou eu, continuo mais uns 50 km, quando então aparece uma serra:
– Putz, que porra de serra é essa??? Não devia ter nenhuma serra por aqui que eu me lembre…
Enfim, voltar agora não dava mais, fora que uma serrinha caia bem no meu gosto.
Subo a serra e vão uns 20 km curtindo as curvas, o clima fica frio, muito bom, mas sem casaco é foda. Termino a serrinha e paro no primeiro boteco de estrada, vou lá esticar um pouco, tomar alguma, curtir o friozinho e tentar esquentá-lo ao mesmo tempo. Aparece um sujeito que tem toda a pinta de ser o dono daquela Custom chinesa 125cc que estava parada lá fora. Tiro minha cara de malvadão e começo a trocar uma idéia com o sujeito. Na estrada toda ajuda é bem-vinda (ou não).
– Cara, sabe me dizer, se eu continuar por aqui, consigo chegar na estrada do mar?
– Olha, na verdade você tinha que ter virado bem antes, mas se continuar nessa direção também dá, vai rodar mais uns 20 km e aí você vai ver uma fábrica de frangos, logo depois dela entra a direita, aí é só ir reto…
Agradeci, engoli o resto que tinha no copo de requeijão e parti…
Uns 20 km depois deu pra saber que eu estava chegando perto da indicação dele, inclusive antes mesmo de enxergar a tal fábrica de frangos. É que esses “matadouros” de galinhas cheiram mal a beça, e dá pra sentir o cheiro a quilômetros de distância. Passei a fábrica, entrei à direita e acelerei. Rodei mais uns 3 km e de repente a estrada (que já vinha meio esburacada) vira uma estrada de terra. Parei o primeiro Caboclo que estava passando a pé e perguntei se o mar era pra lá mesmo, respondeu que sim, e aí pensei:
– Belo filho da puta aquele cara do boteco, nem pra avisar que a estrada é de terra… Por isso que merece andar de moto chinesa! Safado!
Enfim, lá fui eu, mais uns 10 km de terra, nem estava tão ruim, terra batida, judiou um pouco da motoca, mas valeu a pena, não teria um visual daqueles em lugar nenhum lá na estrada principal. Parei a motoca ali mesmo, no meio do nada, sentei no meio da estradinha, acendi um cigarro e fiquei curtindo aquilo. A gente aproveita esses momentos pra meditar um pouco. Também, num lugar desses não temos muita opção a não ser voltarmos ao cabal. Eu estava sozinho, percorrendo uma estrada diferente; os outros não quiseram vir; tinham objetivos diferentes; nossas estradas bifurcaram em algum momento. Achei engraçado, dá até pra metaforizar a vida da gente com esse tipo de coisas. Mas não importava, como era bom estar ali, no meio do nada, você e sua motoca, como te faz sentir vivo! Pena que eles não vieram, pena…
Voltei a rodar e pouco tempo depois começou a aparecer o asfalto, aí lembrei da porra da gasolina!!!! Estava tão zen com a estrada que nem lembrei que estava acabando, parei de novo pra perguntar a um transeunte local se tinha um posto perto, e o sujeito, pra minha sorte, respondeu que tinha um postinho há uns 10 km pra frente. Agradeci e parti novamente.
Olhei o tanque, era restinho de gasolina mesmo, mas conheço bem a minha menina, pelo que vi talvez desse pra rodar os dez quilômetros, talvez só nove, se for dez é no talo e com muita sorte…
Só que a informação foi dada por mais um Capiáu filho da puta! O posto não ficava a dez, ficava a 14 km… A moto até que me ajudou, fez esforçados 13 km, empurrei o quilômetro que faltava inteiro. Esse povo é foda… Esse não merecia andar nem de moto chinesa. Vai a pé mesmo safado!!!
Enfim, o posto nem preciso contar como era né? Mas salvou o dia. Abasteci e aproveitei pra perguntar bem sobre como chegar na praia e parti.
Primeira vista do mar é impressionante, sempre é. Descer de uma serra e de repente bater no mar é sempre muito bom.
E depois foram mais 200 km de asfalto beirando a areia… É, essa paisagem que você imaginou mesmo. Cheguei lá no comecinho da noite e, só pra colocar a cereja do bolo, apareceu uma puta lua gigante e amarela nascendo no mar. Os caras já haviam chegado há umas quatro horas e estavam dormindo. Não sei por que, mas por dentro achei engraçado, e fiquei com pena deles…
Enfim, essa foi a viagem.
Conclusão, pegar as estradas secundárias faz com que seus irmãos te deixem sozinho, mas você aprende bem mais do que ir por uma estrada principal a 120 km/h sem ver nada interessante nem diferente, só apontando pra frente. Vai chegar mais rápido sim, mas e daí? E quando chegarem todos no mesmo lugar, uns fizeram apenas uma viagem de moto. Outros fizeram história pra contar.
E no final das contas, lá no final mesmo, o importante sou eu e minha Harley, o resto vem e passa…
Boas estradas! Antes só do que mal acompanhado.
Big Chopper de la Frontera
Fonte: blog Lord of Motors
Deixe um comentário