Motociclista de primeira viagem

Tive a sorte de nascer motociclista, em uma família completamente apaixonada por motos. Mas, por 31 anos da minha vida, fui garupa. Até que, em 2018, eu decidi mudar o rumo das coisas. Queria começar a pilotar.

Confesso que, no começo, a pretensão era bem pequenininha. Queria ter uma moto para pequenos passeios de fim de semana, para agilizar minha vida (que é bastante corrida) na cidade grande. Em meio a dois empregos e um doutorado (que já está quase acabando), arranjei um tempinho na agenda para a mote escola. Estava preparada para me deparar com as piadas de que mulher não sabe pilotar, assim como aquelas que existiam quando, aos 18 anos, tirei carteira de motorista. A surpresa é que o mundo está mudando mesmo e os homens estão tendo que reconhecer que conseguimos fazer tudo que eles fazem. Meu pai, meu irmão e meus amigos foram grandes incentivadores, torciam mesmo para que a habilitação viesse logo, para que eu pudesse rodar com eles.

Enquanto eu ainda estava fazendo minhas aulas, surgiu o planejamento de uma viagem de fim de ano em família. No ano de 2017, havíamos ido (eu na garupa do meu pai) de Belo Horizonte a Maceió de moto, cinco mil quilômetros. Queríamos mais. Bora lá realizar a viagem dos sonhos de todo motociclista? Vamos para o Atacama! No meio dos planos, meu pai lançou a ideia: Gaby, se você conseguir a carteira, deveria ir pilotando!

Confesso que eu achava um plano tão ousado, que nem tinha coragem de contar para muita gente.

Comecei a pensar em que moto comprar. Sem dúvidas, eu queria uma custom, mas não muito pesada. Acabei optando pela Sportster 1200 XL Custom, da Harley Davidson. A carteira veio na segunda tentativa, dia 12/11/18 e, dois dias depois, comprei a moto. E foi “amor à primeira volta”.

No primeiro passeio com ela, para a Serra do Cipó, tinha a sensação de que a moto tinha sido desenhada para mim. Sensação incrível pilotar uma máquina dessas!

Antes da viagem oficial, tive, entre todos os compromissos de fim de ano, três fins de semana livres para treinar no entorno de Belo Horizonte. Dia 20 de dezembro chegou e eu estava lá, super ansiosa para encarar a estrada, mas evitando até pensar na grandiosidade da viagem. Vamos só seguir, que é melhor assim!

Em 25 dias, enfrentei 9.600 km, saindo de Belo Horizonte, cruzando todo o sul do Brasil, passando pelo Uruguai, Argentina até chegar ao Atacama e, dali, comecei o caminho de volta.

Não vou dizer que foi fácil. Nos primeiros dias, as mãos doíam muito pelos movimentos de embreagem e freio dianteiro. No caminho, teve Serra do Rio do Rastro, Los Caracoles e Cuesta de Lipan. Nem de carro eu já havia feito curvas tão fechadas. Também não havia dirigido por retas tão intermináveis como aquelas que cortam a Argentina e o Chile. Tive que pilotar a uma altitude de quase cinco mil metros, onde falta oxigênio até para o motor da moto, que ficou um pouco mais fraco.

O tempo foi um grande desafio, principalmente na Argentina: teve temporal na saída de Buenos Aires, alagamento em Villa das Mercedes e um dia inteiro de muita chuva entre Resistência e Foz do Iguaçu (e eu morro de medo de chuva). Ainda enfrentamos ventanias, que chegavam a empurrar a moto para o acostamento.

Mas a viagem foi muito mais que desafios. Foram paisagens incríveis, de tirar o fôlego! Imagina só atravessar a grandiosa Cordilheira dos Andes duas vezes, atingindo altitudes impressionantes, cercada de montes com neve no topo! Não sei nem descrever o que foi chegar à minúscula cidade de Las Cuevas (com seus sete habitantes e 3.557m de altitude) e, por meio de um túnel de 3 km, sair da Argentina e entrar no Chile. Bem no meio do túnel, está lá a plaquinha: Bienvenido a Republica de Chile. Eu não conseguia nem acreditar que era eu mesma que estava chegando ali. E depois disso tudo, ainda tinha a imensidão do Deserto! Quilômetros e quilômetros de nada, seguidos de cidades fantasmas, poucos postos de gasolina (mas o suficiente para abastecer, sem ter que carregar galões na moto), poucas paradas com alimentação e banheiro… Mas de uma beleza que nem as fotos conseguem retratar e a gente tenta, mas não consegue descrever. As cidades surgiam no meio do nada, quando nem se acreditava mais que a estrada poderia levar, de fato, a algum lugar. Sem contar os trechos em que o Pacífico nos brindava com a sua presença, bem ali, do ladinho do deserto. Tudo isso com lhamas e cervos cruzando a estrada!

A saída de São Pedro de Atacama ainda conta com uma estrada que vai rodeando um vulcão, cercada de salares e lagoas lindíssimas!

Foram os 25 dias mais incríveis da minha vida! Além de poder visitar lugares maravilhosos, pude me desafiar: provar para mim mesma que eu dava conta de uma viagem longa (teve dia em que rodamos 950 km – culpa de um desvio não planejado no meio da Argentina), que eu consigo pilotar em estradas difíceis (mas de asfalto maravilhoso), que eu posso enfrentar meus medos. A adrenalina foi frequente, até mesmo depois de chegar em casa. Agora é planejar o próximo roteiro, “meter o Marlon Brando nas ideias e sair por aí”!


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