Sem arrependimentos, na vida e no motociclismo

Caros motociclistas e triciclistas

E se?
Uma pergunta tão simples que pode ser tão complexa.
De repente, uma grande colisão.
Imaginem, momentos antes numa curva, um veículo de grande porte desgovernado em direção a uma motocicleta com piloto e garupa.
Imaginem o barulho “seco” de uma batida.
Imaginem o silêncio dos motores e pequenos “murmúrios de lamentação e dor” com o veículo capotado e a motocicleta em pedaços.

A pouco, estava numa condição sublime pilotando a motocicleta. No momento seguinte estava ao chão, estendido no asfalto quente.
O silêncio é quebrado com veículos parando e vozes clamando por socorro.
Anjos se aproximam e dizem que está tudo bem. O que está bem?
Imaginem o ronco de uma motocicleta e o barulho do vento, num instante, o silêncio.
Muitas coisas acontecem ao mesmo tempo. Muitas coisas me vinham à mente.
Muitas vozes indagavam com “nossa, a batida foi violenta”. “Será que ele está grave?” “Como ela está?” “O resgate já foi chamado”.
Dava pra ver o terror nos olhos das pessoas. Parecia que a vida tinha sido extirpada.

Posso compartilhar com todos, agora, algumas descobertas por causa daquele dia.
Entendi, mais do que em outros momentos de acidentes na minha vida, que tudo, tudo mesmo, pode mudar num instante. E que nele, seremos totalmente incapazes.
Que todas as coisas e desejos que pleiteávamos, podem estar certo de não serem alcançados.
Que todas as melhorias pendentes na casa, carro, motocicleta e tudo mais, eu não poderia fazê-las.
Que todas as experiências a viver, tinham se findadas.

Quando penso sobre isso, agora, procuro fazer tudo na minha vida de forma diferente.
Procuro não adiar mais nada do que sinceramente gostaríamos de fazer.
Desculpem-me amigos, pela possível ausência em alguns eventos que são formais demais, pra nós e todo mundo. Educadamente não vou esquecer das felicitações e envio de uma justa lembrança.
Aquelas coisas que eu guardava para uma ocasião especial, estamos consumindo na primeira simples oportunidade.
Não consegui implementar tudo que será diferente ainda, estou reaprendendo, mas evoluindo.

Naquele momento no asfalto quente, pensando na impossibilidade de voltar a viver com plena consciência, cheguei a pensar que a batida poderia ter sido mais violenta, de forma a não deixar uma quase sobrevida, como muitas que já soubemos ou Co vivenciamos.
Nesse momento, a morte não parece tão assustadora, parece que a vida nos prepara para lidar com isso nestes extremos.

Mas é triste, muito triste, quando pensávamos que não seria mais possível fazer tudo aquilo que estava planejado, ou iríamos planejar, para viver com nossos amigos e entes queridos.
A dor maior certamente é com os filhos, não só com a interrupção abrupta da convivência e da deliciosa tarefa de “crescer” junto com eles, mas também pelo trauma dos arrependimentos, e por não ter mais a chance da tentativa de reviver de forma diferente alguns episódios, decorrente de nossos erros no passado.
Arrependimento do erro quando fomos muito duros com nossos filhos, ainda pequenos e indefesos, vendo-os paralisados estremecerem de medo, descobrindo logo depois que estávamos idiotamente enganados, mas sem espaço e condição de se redimir adequadamente.
Arrependimento de muitos erros que se tivéssemos a chance de “voltar a fita para este filme passar de novo”, agiríamos completamente diferente.

Este iniciar o viver diferente, começa por aproveitar melhor cada simples momento com eles, e com os amigos também. Não deixar pra falar algo sincero e agradável de se ouvir, como lhes dizer o quanto são importantes pra nós e pra nossa vida. Mesmo que o tempo de convivência agora seja ínfimo, pois todos estão com a sua própria vida. Aliás, razão maior pra que nenhum minuto deste tempo seja desperdiçado.

A nossa sobrevivência adveio de um milagre, testemunhado por tantos que compartilharam aquele cenário. Através dele, fomos abençoados com uma dádiva, foi nos dada uma chance única de olhar o futuro e voltar. Voltar para iniciar um diferente viver.
Peço a Deus pra que nenhum de vocês passe por isso, mas conclamo-os a imaginar.
Imaginar-se passando por cada momento deste acontecimento. Imaginar-se impotente e abruptamente retirado da vida dos seus filhos, familiares e amigos. Imaginar-se sendo retirado de todos e de tudo.
Pra imaginar-se com a chance de recomeçar. Pra de fato, e cada dia, incorporar em si algo diferente rumo a este novo viver. Pra se tornarem os pais e pessoas melhores possíveis.
Compreendendo que a vida urge e o amanhã não nos pertence, pois e se?

Boa viagem.

Texto baseado numa lição de vida do autor, decorrente de um grave acidente de motocicleta em janeiro de 2011, e inspirado no mesmo sentimento, percebido na leitura ontem do depoimento do americano Ric Elias, refletindo sobre seu acidente num avião Airbus 320 em 2009.


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