Prince George – Dawson Creek – 42º dia

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América do Norte, British Columbia, Canada

Prince George – Dawson Creek (Parcial = 420 Km / Total = 18. 853 Km)

Acordei às 05:00h, preocupado com os pneus. Estão em perfeito estado, mas onde programar a troca? Será que lá, pelas cidades da isolada região de Yukon terá uma loja H-D em condições de nos atender? Terão as medidas que preciso? Riscos. Como avaliar?

Depois de muita elucubração e conversa com o Robertinho – que parece sempre estar acordado – mandei um e-mail agendando o serviço em Ancorage, na volta do extremo Alaska. E daqui para frente vou começar a garimpar: onde tiver, vou trocar.

Partiremos com a chuva porque com certeza ela irá nos acompanhar.

Como sempre, em todas as manhãs, colocamos a bagagem na moto e paramos no primeiro posto que aparece ainda na cidade para abastecer. Esse já é um exercício razoável para colocar os sentidos em alerta, antes de pegar a estrada. Principalmente, agora que seguiríamos por lugares mais ermos, onde já sabíamos que iríamos encontrar dificuldades no caminho. Mas, como sempre digo; com a minha Harley funcionando à pleno e o tanque cheio, qualquer dificuldade fica mais fácil de superar.

Abandonamos a cidade de Prince George e fomos abastecer na 97 Highway North.

Seguimos por campos aberto e entre florestas, que margeavam a estrada. Num dado momento dois ursos, provavelmente a mãe e o filhote, correm atravessando a estrada. Reduzo a velocidade e sinalizo para o Robertinho. Como o papai urso não apareceu, seguimos em frente.

Paramos para abastecer em Mackenzie Junction e confirmaram que havia problema de retenção a frente por causa da chuva. Ficamos tranquilos porque nessas retenções é só ter paciência para aguardar a hora de passar.

Continuamos subindo na 97/N e de repente uma placa: Loose Gravel. Como eu e o Robertinho já tivemos a experiência com esse tipo de pavimentação primaria em Ushuaia, não seria difícil passar.

A chuva continua firme e o frio, também. Mas estamos bem agasalhados e as Harleys funcionado bem. Quilômetros a frente, um quadro de sinalização luminosa informava que havia retenção em Pine Passe.

Estava com as grossas luvas de chuva e mesmo com todas as dificuldades de tato, chuva, vento e a moto em movimento, não resistia a beleza da paisagem vestida de tempestade, tirei a máquina fotográfica do bolso da capa de chuva e comecei a tirar fotos. Após uma grande curva, a estrada começa a subir a montanha e guardo a máquina.

Aumenta o frio e a curiosidade sobre quanto tempo vamos aguardar parados e em baixo de chuva, na retenção. Continuamos a subir em curvas a 100 e as Harleys se comportam perfeitamente, sem nunca derrapar.

Em dado ponto, surge um placa luminosa informando a nossa velocidade instantânea (radar) e logo acima, a velocidade que deveríamos estar.

Lá na frente, já vejo o mau estado da estrada e saco a máquina do bolso tendo apertar com a luva grossa o botão on para fotografar. Quando estou me preparando os pneus da moto já estão no barro, começando a derrapar. Rapidamente, enfio a máquina no bolso e seguro o guidão com as duas mãos e consigo controlar a derrapagem. Com todo cuidado e lentamente vou reduzindo a velocidade para passar naquela caca e vejo pelo retrovisor o Robertinho na mesma luta, uns trezentos metros lá atrás.

Passamos ao lado de várias máquinas que transformavam uma montanha em pedras pequenas, que os grandes caminhões transportavam um local a frente onde houve um desmoronamento.

Chegamos à retenção, paramos as motos atrás do último carro e saltei para tirar umas fotos. Meti a mão no bolso e senti a maior tristeza ao perceber que a máquina com todas as minhas belas fotos, não estava lá. Comentei como Robertinho o fato e ele me convenceu a não voltar, porque não valia a pena correr todo aquele risco novamente. Então me ofereceu a sua máquina para eu continuar a fotografar.

Enquanto eu tirava algumas fotos, a moça que controlava a passagem com a placa de Stop na mão, veio falar conosco para colocarmos as motos lá na primeira posição.

Passou-se mais uns 60 minutos e foi dado o sinal para eu avançar, seguindo o Pilot Car. Logo na entrada da curva, a estrada estava em meia pista e era um terror: lama para todo lado e terra fofa e barro amassado pelas rodas dos caminhões. Coloquei os pés nos extremos laterais do estribo para melhor me equilibrar, segurei com energia o guidão e mantive a moto em segunda marcha com o mínimo de aceleração. No meu banco do carona estava amarrada uma bolsa muito pesada, o que limitava bastante o meu ângulo de inclinação, para ambos os lados. Se eu acelerasse um pouquinho mais, derrapava; e se se eu reduzisse demais, eu parava. Num dado momento, o pneu dianteiro resvalou para a terra fofa e na tentativa de mudar de direção inclinei um pouquinho mais; e foi o suficiente para a terra me parar. Abri as pernas e plantei os pés no chão, segurei com toda minha força, tentando não deixar a moto tombar. Por alguns infinitos segundos, lutei tentando não deixar que ela deitasse na lama, mas foi em vão. Com a ajuda de um funcionário da obra de reparação e o motorista do Pilot Car levantamos a Harley e consegui sair dessa segunda armadilha, apenas com a moto e a roupa suja de lama. O Robertinho conseguiu passar sem problema, pois escolheu uma melhor trilha (sulco das rodas) dos caminhões. Saímos aliviados por termos ultrapassado aquela meleca sem qualquer dano.

Seguimos tranquilos por alguns quilômetros e repentinamente, surge uma segunda retenção. No chão já um pouco enlameado, vou parando bem devagar atrás do terceiro carro. Nisso, o Robertinho me ultrapassa e segue lá para frente e eu sigo atrás. Antes que concluíssemos o nosso intento, a moça do segundo controle faz sinal para pararmos. Nos deu um bronca “civilizatória” e mandou que passássemos a frente de todos e permanecêssemos em determinada posição, até que ela nos autorizasse a avançar.

Enquanto esperávamos, o Robertinho comentou que a nossa expectativa – em virtude da expectativa do clima continuar ruim por muito tempo – era de aumento da dificuldade. E na conversa sobre os riscos, eu afirmei que iria até o limite racional de minhas possibilidades e o Betho já definiu o dele; se eu fosse avante ele me aguardaria em Fairbanks, pois a coluna já não o permitia pilotar com as duas mãos.

O sinal foi aberto (placa Slow) e ficamos assistindo mais de vinte veículos passarem. Quando a fila acabou, ela veio em nossa direção e fez sinal para avançarmos.

A chuva fina continuava e logo após a curva outra meia pista nos aguardava, em condições semelhantes a anterior. O grau de dificuldade parecia ser menor porque não tinha áreas com terra fofa. Embiquei a minha moto para o centro da caca e o Robertinho vinha mais atrás. O “acostamento” esquerdo da pista era um plano inclinado de terra, pedras e lama. Enquanto derrapava na trilha plana dos pneus dos caminhões, o pneu dianteiro da minha Harley subiu em uma pedra enterrada, me desequilibrando e quando dei por mim já estava deslizando lateralmente no plano inclinado. A Harley saltava no terreno irregular e já percebi que iria cair no barranco; mas, nunca sem lutar. Sem tocar nos freios, forcei o guidão inclinando a moto para direita, escorreguei propositalmente o meu copo sobre o banco para a esquerda e fui dando o mínimo de aceleração, com a perna direita esticada para fora para me equilibrar. A minha máquina pesada pulava na sequencia de gretas criadas na terra pelas águas da chuva. Em certo momento, senti meu pé direito ficar preso sob a pedaleira e uma pedra e o puxei violentamente. Se eu não estivesse usando botas de cano alto, o meu pé tinha ficado por lá. E da luta insana veio o milagre: ela começou a subir o plano inclinado, mesmo derrapando e conseguimos voltar para a horizontal. Ave! São Dunlop das Tourings Harley-Davidson. Segui derrapando com o coração parado, a boca seca e o pensamento agradecendo mil vezes a Deus por mais aquela superação.

Quando sai da pista de lama, não sentia medo ou apreensão, o meu coração era só felicidade. Depois, o Robertinho comentou comigo que assistiu a tudo gritando: “Não freia! Artur.” Não freia! Artur.” E disse que não acreditou quando me viu voltar. Essa sem dúvida foi a pior situação que passei com uma Harley, na minha vida. A sensação de vitória – sempre com a ajuda de Deus – é inenarrável.

No trajeto após Vancouver, eu comentei que não era por aquele portão que eu iria passar e acabei passando, agora. Esse foi o meu Hell’s Gate verdadeiro e particular, para onde fui tragado com a minha Harley e consegui escapar. Dali para a frente, a estrada ficou boa, a chuva parou e alguns raios de sol vararam as nuvens para nos aquecer.

A beleza da paisagem silvestre nos confortava e após uma grande curva, no horizonte começaram a surgir grande campos de florezinhas amarelas. Eram as plantações de canola de Dawson Creek. No hotel, lavamos a nossa roupa de chuva para eliminar o barro do Hell’s Gate e saímos para o nosso almoço-jantar, comemorando mais essa pequena vitória.

PHD Artur Albuquerque
Fonte: http://phdalaska.hwbrasil.com/site/http://www.phd-br.com.br/


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